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Cientistas veem riscos nas diretrizes da Casa Branca para retomar atividades econômicas e sociais

Falta de testes para detectar Covid-19 e dificuldades de rastrear casos podem causar novos surtos da doença à medida que isolamento se afrouxar
Presidente americano, Donald Trump, divulgou plano de retomada das atividades econômicas e sociais durante coletiva diária sobre novo coronavírus Foto: MANDEL NGAN / AFP
Presidente americano, Donald Trump, divulgou plano de retomada das atividades econômicas e sociais durante coletiva diária sobre novo coronavírus Foto: MANDEL NGAN / AFP

WASHINGTON — À medida que o novo coronavírus continua a causar um impacto devastador à economia dos Estados Unidos , o presidente americano, Donald Trump , propôs na quinta-feira um plano de três etapas para retomar atividades econômicas e sociais nos estados que apresentarem uma queda nos números de contágio.

As diretrizes, que foram antecipadas aos governadores por um vídeo-chamada e divulgadas em entrevista coletiva diária na Casa Branca , são um passo a passo que dependem de critérios complicados para serem seguidas  — como a diminuição, por 14 dias, de casos confirmados da doença e de pessoas com sintomas parecidos com o da gripe, além de uma queda nas hospitalizações e o aumento no número de testes. Caso atendam a essas precondições, os estados poderiam começar a retornar à normalidade, mesmo que ainda haja escassez dos kits de testagem e dos equipamento médicos de proteção.

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As ideias e critérios do cronograma não são novos; partes deles foram apresentadas em planos anteriores pelos ex-chefes da Administração de Alimentos e Medicamentos ( FDA , na sigla em inglês), Scott Gottlieb, e do Centro de Controle e Prevenção de Doenças ( CDC ), Tom Frieden. Porém, aqueles planos eram mais conservadores, prevendo uma retomada das atividades apenas quando os estados tivessem uma capacidade robusta de testagem, equipamentos suficientes para proteger os profissionais de saúde e os meios para chegar a qualquer pessoa que foi exposta ao vírus, para pedir que se isolasse — um processo conhecido como rastreamento de contato.

No entanto, a retomada das atividades antes que esses problemas sejam resolvidos colocam em risco os poucos lugares que conseguiram controlar o vírus. O novo plano de Trump é alvo de preocupações de especialistas e cientistas, que listaram alguns pontos:

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Testagem. A testagem para detectar a Covid-19 ainda é irregular. A maior parte dos EUA não está fazendo testes suficientes para rastrear o vírus de maneira a permitir que os americanos voltem ao trabalho com segurança. Sem esses exames e o monitoramento das infecções, "não será possível identificar e isolar rapidamente casos em que os pacientes são pré-sintomáticos ou assintomáticos e, assim, a transmissão comunitária pode voltar", conforme explicou a virologista da Universidade de Columbia em Nova York Angela Rasmussen.

Prazos. O plano prevê um período de 14 dias entre as etapas. Os estados que aderirem ao planejamento de Trump e desejarem afrouxar as regras de isolamento precisam atender a certos critérios a cada duas semanas. Porém, se alguém foi infectado pelo novo coronavírus no final do décimo quarto dia, é possível que essa pessoa desencadeie um novo surto da doença à medida que as restrições sejam suspensas.

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Equipamentos de proteção. A escassez de equipamentos de proteção continua. As comunidades nas quais as restrições são flexibilizadas correm maior risco de novos surtos. Trump disse que o governo federal distribuiu milhões de máscaras, luvas e roupas para os profissionais de saúde, mas os que estão na linha de frente continuam a afirmar que faltam equipamentos de proteção individual.

— As pessoas ainda estão morrendo — disse Zenei Cortez, presidente da União Nacional de Enfermeiros, o maior sindicato da categoria no país. — Não é hora de dar um tapinha nas costas e dizer que a emergência acabou.

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Retomada. A retomada das atividades de forma fragmentada é arriscada.  No plano, o presidente americano sugeriu que o relaxamento das restrições pode ocorrer de maneira segmentada, até mesmo de município por município. Porém, a ideia de que alguns lugares enfrentam problemas com os surtos da doença, enquanto outros não, substima a natureza contagiosa do vírus.

Mesmo nas regiões rurais onde a população é menos densa, grandes aglomerados de infecções — até centenas em um único local de trabalho — surgiram em estados que haviam tido relativamente poucos casos. A história recente de Dakota do Sul — onde centenas de infecções foram encontradas em uma única fábrica de processamento de carne de porco — mostra que um único local pode provocar uma tempestade de casos.