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Com 70% dos casos do coronavírus no Equador, Guayaquil empilha cadáveres nas ruas

Sistema funerário colapsa na segunda maior cidade do país, que tem 2.758 infectados, atrás apenas do Brasil na região
Homem usando máscara espera cadáver de um parente em frente de um hospital em Guayaquil, no Equador Foto: ENRIQUE ORTIZ / AFP
Homem usando máscara espera cadáver de um parente em frente de um hospital em Guayaquil, no Equador Foto: ENRIQUE ORTIZ / AFP

QUITO —  Com a maior taxa de mortalidade no país por Covid-19 e a mais alta na América Latina —  1,35 mortes por 100 mil habitantes, acima da de São Paulo (0,92) —  Guayaquil é a Wuhan do Equador . A cidade portuária onde foi detectado o primeiro caso, importado da Espanha, registra 70% dos 2.758 casos de infectados no país, e é onde foram impostas as medidas mais fortes no início do estado de exceção. Mesmo assim, dezenas de moradores denunciam que o governo vem demorando a agir para remover cadáveres, e alguns começam a ser atirados nas ruas na cidade mais populosa do país. Apenas na quarta-feira, foram retirados 150 corpos, ainda não testados para a doença.

Depois de duas semanas de toque de recolher e da suspensão das atividades profissionais, prorrogada até 5 de abril, na quarta-feira foi registrado um pico de casos confirmados no país, 408 a mais que no dia anterior.

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Segundo as cifras oficiais, 98 pessoas morreram no país, sendo pelo menos 60 em Guayas, a província da qual Guayaquil é a capital. Há ainda há outros 76 mortos que não puderam ser confirmados como vinculados à Covid-19, porque os exames não chegaram a tempo ou não foram conclusivos. Apesar de ser o segundo país da região em número de mortos, atrás apenas do Brasil, e o terceiro em contágios, depois de Brasil e Chile, o país é um dos que menos amostras coletaram até agora: 9.019.

— A realização dos testes é o única coisa que nos confirma que as mortes se deram pela Covid-19. Teremos mais dados quando chegarem os testes rápidos — afirmou o vice-ministro da Saúde, Ernesto Carrasco.

Enquanto o sistema de saúde de Guayaquil está sob pressão máxima, a prefeita da cidade, Cynthia Viteri, está em quarentena após contrair a doença.

Número de mortes pode ser bem maior

O número de mortes pode ser muito maior do que as registradas. Nas redes sociais, centenas de moradores de Guayaquil que perderam algum parente com sintomas como tosse, febre e insuficiência respiratória denunciam que estão há dias esperando para que alguém vá retirar seus cadáveres de casa — o que pode levar até quatro dias. Alguns, desesperados com a presença dos corpos, os atiraram na calçada.

—  A pandemia complicou a operação do sistema funerário da cidade, o que é compreensível quando há um aumento nas mortes e uma limitação das pessoas para poder trabalhar em todos os setores —  disse o porta-voz do governo, Jorge Wated.

Blanca Moncada, jornalista do Expreso de Guayaquil, ecoou o drama dos cadáveres no Twitter. Em dois dias, recebeu mais de 50 casos, embora não se saiba quantos estão relacionados à pandemia.

— Recebemos vídeos, fotografias, áudios de desespero, telefonemas de cidadãos de Guayaquil que só queriam que seus mortos fossem recolhidos — disse à AFP.

O governo equatoriano, inicialmente reticente em reconhecer o problema, propôs abrir um espaço para enterros coletivos. As autoridades municipais chegaram a cogitar uma vala comum, que afinal foi revista para garantir sepulturas individuais. Depois, autorizou aos cemitérios que prorroguem seu horário até as 17h, após o toque de recolher das 14h, para reduzir as filas de espera.

Prestadores de serviços funerários também foram autorizados a trabalhar em tempo integral. As Forças Armadas, além disso, foram incorporadas à tarefa de coleta de cadáveres, sejam por suspeita de Covid-19 ou outras causas; agilizou-se a burocracia para as famílias e foram contratados contêineres refrigerados para conservar os corpos que não puderem ser trasladados aos necrotérios por falta de espaço até que sejam corretamente sepultados. Por último, as autoridades de Saúde determinaram que a cremação não era um requisito indispensável, nem sequer para as vítimas da Covid-19.

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Nos últimos dias, os serviços de emergência relataram muitas mais chamadas que o habitual em um só dia para o recolhimento de cadáveres em casa – 40 casos, contra uma média de 14 falecimentos domésticos por dia em Guayaquil. Depois, a polícia ofereceu uma aproximação mais detalhada da dimensão do coronavírus na segunda cidade mais importante do país, depois de Quito, com mais de 2,5 milhões de habitantes: 450 corpos na lista de espera para serem retirados, segundo o jornal El Universo.

Finalmente, o Registro Civil começou na segunda-feira a anotar até uma centena de atas de falecimento por jornada, com um pico muito mais pronunciado no início desta semana em Guayas. Mas todas estas cifras, apesar do aumento excepcional em tão poucos dias, não podem ser relacionadas de forma exclusiva, precisa e oficial ao coronavírus pela falta de diagnóstico.