Mundo

Como a ciência política explica as reações de Brasil, Argentina e México ao novo coronavírus

Comparação entre as três maiores nações latino-americanas mostra o papel decisivo das instituições no combate à Covid-19
Presidente Jair Bolsonaro segue participando de eventos com grande aglomeração de pessoas Foto: Fotoarena / Agência O Globo
Presidente Jair Bolsonaro segue participando de eventos com grande aglomeração de pessoas Foto: Fotoarena / Agência O Globo

NOVA YORK — Por que Argentina , Brasil e México reagiram de formas tão diferentes à Covid-19? As respostas a essa pergunta geralmente se limitam a se seus presidentes — Alberto Fernández , Jair Bolsonaro e Andrés Manuel López Obrador , respectivamente —  reconhecem os fatos científicos e dão apoio a medidas ambiciosas para combater a pandemia do novo coronavírus e mitigar seu impacto econômico. No entanto, a divergência entre as três maiores nações da América Latina também foi fundamentalmente impulsionada por uma dinâmica institucional mais profunda.

A pesquisa em ciência política pode oferecer algumas pistas para entender esses desenvolvimentos, principalmente quando analisamos três áreas críticas: identificação de partidos políticos, o poder relativo dos governadores em relação aos presidentes e Estados de bem-estar social.

Ação chinesa: Diplomacia das máscaras da China ganha força na América Latina contra o coronavírus

Dos três países, a Argentina ofereceu a resposta mais rápida e abrangente ao vírus, com um confinamento obrigatório e proibição de viagens em todo o país, juntamente com um generoso pacote de políticas sociais para trabalhadores de baixa renda e o setor informal. Bolsonaro mostra uma das piores respostas da região em termos de medidas de isolamento social. No entanto, o Congresso brasileiro aprovou um amplo pacote de políticas sociais e aumentou a capacidade do sistema de saúde. No México, por outro lado, López Obrador ofereceu a resposta menos abrangente, com a ausência de medidas de confinamento obrigatórias e um plano extremamente limitado para proteger os setores informais e de baixa renda.

Como as ordens de permanência em casa envolvem a redução das liberdades individuais, pode-se esperar que o tipo de regime —  democracia versus autoritarismo —  possa explicar as diferenças. No entanto, todos os três países são democracias. A orientação ideológica de seus presidentes também não parece ser relevante. Afinal, o México e o Brasil são governados pela esquerda e pela direita, respectivamente, e em ambos os países a resposta ao surto está longe de ser satisfatória.

Coronavírus: Argentina suspende voos comerciais até 1º de setembro

A informalidade do trabalho também poderia explicar o motivo de alguns países se recusarem a implementar confinamentos em todo o país, especialmente difíceis para os trabalhadores do setor informal. No entanto, essa explicação também é insuficiente, pois os níveis de informalidade são semelhantes na Argentina e no Brasil.

A literatura de ciência política oferece algumas boas explicações. O enraizamento dos partidos políticos permite que os presidentes implementem bloqueios potencialmente impopulares em todo o país. Essas medidas têm maior uniformidade territorial quando os governadores gozam de menor poder fiscal em relação aos presidentes. Além disso, o legado de um forte Estado de bem-estar social pode ajudar a implementar pacotes sociais mais generosos para cidadãos de baixa renda.

Pandemia : Nove países da América Latina já adiaram eleições para combater a Covid-19

A festa ainda não acabou

Um fator que diferencia a Argentina do Brasil e do México é a raiz do partido do presidente. Os partidos enraizados são mais velhos, desfrutam de intensa identidade partidária e mostram fortes ligações ideológicas com os eleitores. Sua existência reduz a probabilidade de um estranho subir ao poder. O partido peronista de Fernández tem muito mais raízes do que o Morena (Movimento de Regeneração Nacional) de López Obrador, enquanto Bolsonaro —  depois de ser filiado a nove partidos diferentes durante sua carreira —  atualmente não pertence a nenhum.

O partido peronista argentino tem uma identidade forte e duradoura e, fundamentalmente, manteve o apoio popular entre eleitores de baixa renda e trabalhadores informais. Esse bloco de apoio "natural" e sistemático deu a Fernández uma margem de manobra em todo o país, apesar dos custos econômicos que isso acarreta, sem que as forças da oposição apelem à ansiedade econômica dos eleitores de baixa renda e informais. Os vínculos mais fortes com os partidos também podem convencer os trabalhadores de baixa renda que as ações de Fernández são do seu interesse.

Juntos : Mexico faz acordo com Trump para alcançar corte de produção exigido pela Opep

Com exceção parcial do Partido dos Trabalhadores, os partidos brasileiros têm raízes desiguais. Bolsonaro, em particular, conquistou a Presidência com uma mensagem abertamente antipartidária. No México, o Morena é muito mais jovem que o partido peronista. Em contextos de partidos de raízes fracas, o voto dos eleitores de baixa renda é mais facilmente contestado, tornando políticas caras como o bloqueio em todo o país eleitoralmente arriscado.

Governadores versus presidentes

O poder fiscal dos governadores ajuda a explicar por que as medidas de isolamento social têm sido mais uniformes em todo o território da Argentina do que no Brasil ou no México. Todos os três países são sistemas federais. No entanto, uma pesquisa sobre federalismo e descentralização mostra que nem todos os sistemas federais são criados iguais: o poder real dos governadores em relação ao governo federal varia significativamente em Argentina, Brasil e México.

O Índice de Autoridade Regional mostra que os governadores (e também prefeitos) da Argentina são “fiscalmente mais fracos” do que seus pares no Brasil e no México. Isso significa que o presidente da Argentina pode exercer mais comando sobre os governos estaduais e, portanto, pode substituir informalmente ou induzir os governadores a agir de uma certa maneira.

Leia mais: Casa Branca diz ao Brasil que descarta, por ora, suspensão de voos por causa da Covid-19

A posição fiscal mais fraca dos governadores argentinos em relação ao governo federal resultou em uma resposta mais territorialmente uniforme à crise da Covid-19. Um confinamento nacional foi imposto simultaneamente em todas as 24 províncias (também endossadas pelos governadores). Os governadores poderão reavaliar e suspender as quarentenas em nível estadual, mas apenas com a aprovação de Fernández.

No Brasil e no México, por outro lado, governadores mais poderosos do ponto de vista fiscal desafiaram a relutância de Bolsonaro e de López Obrador em aprovar medidas de isolamento em todo o país. Nos dois países, os governadores implementaram ordens de permanência em casa, mesmo que seus presidentes tenham atuado ativamente contra essas políticas. O resultado foi que Brasil e México possuem quarentenas menos consistentes e menos uniformes do que a quarentena obrigatória em todo território da Argentina.

Com base nos estados de bem-estar

As instituições também nos ajudam a entender por que os pacotes sociais oferecidos até agora pela Argentina e pelo Brasil são mais generosos do que os do México.

Pesquisas sobre Estados de bem-estar na América Latina mostram que Argentina e Brasil desenvolveram regimes de política social notoriamente mais fortes que o México. Junto com Chile, Uruguai e Costa Rica, a Argentina e o Brasil construíram os mais avançados Estados de bem-estar da região. Seus regimes de política social se originaram nas décadas de 1930 e 1940, com seguro social desigual baseado no emprego. Embora os dois países tenham sofrido retração nas décadas de 1980 e 1990, desde a década de 2000 eles expandiram seus sistemas sociais para o setor informal.

Isso significa que a resposta mais generosa da Argentina e do Brasil se baseia em um legado de política social generosa e em programas sociais universais existentes. Por outro lado, o México tem um sistema de bem-estar social mais segmentado, para começar. Isso complicou os esforços para expandir a política social em resposta à Covid-19.

Na Argentina, Fernández liderou esforços para expandir a política social, enquanto no Brasil a oposição no Congresso pressionou por uma resposta generosa. É importante ressaltar que, nos dois países, a expansão da assistência do governo é apoiada por poderosos atores organizados, como sindicatos e movimentos sociais.

As opiniões, os interesses e as decisões dos presidentes foram decisivas para as respostas de Argentina, Brasil e México à Covid-19. Mas uma análise institucional, considerando os partidos, a natureza dos sistemas federativos e o Estado de bem-estar, também é fundamental para entender como e por que a reação a um desafio comum tem sido tão diferente nesses três países. Além disso, uma análise mais detalhada das instituições políticas mostra como Estados com programas sociais mais desenvolvidos e partidos mais arraigados podem beneficiar fortemente os países que enfrentam uma crise complexa como a Covid-19.