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Congresso da China aprova projeto para impor lei de segurança nacional a Hong Kong

EUA e Reino Unido acusam Pequim de violar acordo internacional que resultou na devolução da ex-colônia britânica aos chineses
O presidente chinês, Xi Jinping, (centro) ao lado de outros líderes após sessão de encerramento do Congresso Nacional do Povo Foto: NICOLAS ASFOURI / AFP
O presidente chinês, Xi Jinping, (centro) ao lado de outros líderes após sessão de encerramento do Congresso Nacional do Povo Foto: NICOLAS ASFOURI / AFP

PEQUIM E HONG KONG — No último dia de sua sessão anual aberta na semana passada, o Congresso chinês aprovou o projeto que vai impor uma lei de segurança nacional a Hong Kong, como resposta às grandes manifestações contra a China ocorridas no ano passado na cidade e apesar das ameaças de sanções do governo dos Estados Unidos.

Como era esperado, os quase 3 mil deputados do Congresso Nacional do Povo , o Parlamento chinês, votaram nesta quinta-feira em favor da medida, que concede mandato ao seu Comitê Permanente para redigir um projeto de lei que será incorporado à Lei Básica de de Hong Kong, a mini-Constituição vigente na cidade desde que ela foi devolvida à China pelo Reino Unido, em 1997. Com isso, a legislação não passaria pelo crivo do Conselho Legislativo local.

Segundo o texto aprovado, a lei deverá "impedir, deter e reprimir qualquer ação que ameace de maneira grave a segurança nacional, como o separatismo, a subversão, a preparação, ou a execução de atividades terroristas, assim como as atividades de forças estrangeiras que constituam uma interferência nos assuntos de Hong Kong".

O texto também prevê autorização para que os organismos vinculados ao governo central chinês estabeleçam em Hong Kong escritórios com autoridade em termos de segurança nacional.

Acredita-se que os detalhes da lei serão delineados nas próximas semanas e que ela será sancionada antes de setembro. Segundo o site NPC Observer, especializado em questões legislativas chinesas,  o Comitê Permanente deverá examinar o texto a partir de junho, e o projeto de lei seria adotado no fim de agosto.

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A iniciativa foi aprovada com 2.878 votos favoráveis — apenas um deputado votou contra e seis optaram pela abstenção. O resultado foi celebrado com aplausos, que duraram vários minutos, no Salão do Povo em Pequim e na presença do presidente Xi Jinping.

As autoridades de Pequim há muito cobravam do governo de Hong Kong a aprovação da sua própria lei de segurança. O artigo 23 da Lei Básica já previa que o território promulgasse por si só "leis para proibir qualquer ato de traição, secessão, sedição e subversão” contra o governo chinês, mas o Legislativo local, em grande parte eleito pelo voto popular, nunca conseguiu maioria para fazê-lo.

Após a aprovação, o primeiro-ministro da China, Li Keqiang, disse que as novas medidas protegeriam "a prosperidade e a estabilidade de Hong Kong em longo prazo" e que a fórmula "um país, dois sistemas" será mantida.

Para ativistas, no entanto, a legislação viola as liberdades garantidas pela fórmula, que dá à cidade autonomia política, administrativa e judicial. Opositores da influência do governo central afirmam que a medida abre o caminho para um retrocesso sem precedentes das liberdades na metrópole financeira de sete milhões de habitantes.

— É o fim de Hong Kong —  declarou à AFP a deputada local Claudia Mo. — A partir de agora, Hong Kong será uma cidade chinesa como as outras.

Na ala pró-Pequim, o deputado Martin Liao comemorou a medida do Congresso chinês:

— Esta decisão não afetará os direitos e liberdades dos cidadãos de Hong Kong. Pelo contrário, ajudará Hong Kong, em longo prazo, a acabar com a violência e o caos.

O plano reacendeu os protestos que começaram em junho de 2019 e perderam intensidade com as medidas de isolamento para conter a Covid-19 . Inicialmente motivados por um já cancelado projeto de lei que permitiria a extradição para a China continental, os atos ganharam amplas demandas anti-Pequim e pró-eleições diretas para o comando do Executivo da cidade.

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Em entrevistas ao Financial Times, executivos de negócios em Hong Kong disseram estar dispostos a aceitar a lei de segurança nacional se a calma voltar à cidade. Um alto funcionário de uma firma internacional de advocacia disse ao jornal britânico que "não há outra opção senão engolir a pílula amarga".

Reações internacionais

Em um raro comunicado divulgado minutos após a aprovação da lei, o Japão disse estar "seriamente preocupado" com a decisão de Pequim. O comunicado chamou Hong Kong de "parceiro extremamente importante", ressaltando laços econômicos e pessoais com a cidade.

Reino Unido, Estados Unidos, Canadá e Austrália divulgaram um comunicado conjunto acusando a China de violar as obrigações internacionais assumidas no acordo que levou à devolução de Hong Kong a Pequim pelos britânicos, que ocuparam o território chinês por mais de 150 anos.

"A decisão da China de impor a nova lei de segurança nacional em Hong Kong está em contradição direta com suas obrigações internacionais sob os princípios da declaração conjunta assinada pela China e pelo Reino Unido, juridicamente vinculante e registrada na ONU", disseram os chefes da diplomacia desses quatro países em uma declaração conjunta.

Sem esperar a votação no Congresso chinês, o governo dos Estados Unidos já preparava o caminho para impor sanções econômicas contra Hong Kong.

Na quarta-feira, o chefe da diplomacia americana, Mike Pompeo, disse que não considera mais que o território seja autônomo em relação a Pequim. Na prática, isso abre caminho para que o presidente Donald Trump tome medidas como limitar ou suspender o status especial conferido a Hong Kong na legislação americana, o que garante à cidade condições privilegiadas no comércio e nas trocas econômicas em geral.

Em resposta, Li Keqiang, o primeiro-ministro chinês, disse que China e Estados Unidos devem respeitar seus interesses fundamentais e lidar com suas diferenças.

— Acredito que os dois países devem se respeitar e desenvolver um relacionamento com base na igualdade, respeitar os principais interesses e as maiores preocupações um do outro e abraçar a cooperação —  disse Li em uma entrevista coletiva, após o encerramento da sessão anual do Congresso do Povo.

Em várias ocasiões, Pequim acusou "forças estrangeiras", especialmente os Estados Unidos e o Reino Unido, de estimularem os protestos em Hong Kong. Os manifestantes também foram acusados de "atividades "terroristas".

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Nesta quinta, o escritório do Ministério das Relações Exteriores da China em Hong Kong disse que a decisão americana de deixar de considerar a cidade como território autônomo é um ato de "barbárie". "Esta é a decisão mais bárbara, mais irracional e vergonhosa", afirmou o escritório em um comunicado.