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Mundo Brexit

Conservador Boris Johnson consegue vitória arrasadora no Reino Unido, consolidando caminho para o Brexit

Partido tem seu melhor resultado em mais de três décadas, conquistando maioria de 76 cadeiras. Leia análises
Primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e Carrie Symonds Foto: THOMAS MUKOYA / REUTERS
Primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e Carrie Symonds Foto: THOMAS MUKOYA / REUTERS

LONDRES — Confirmando o resultado das pesquisas de boca de urna , o primeiro-ministro Boris Johnson e seu Partido Conservador tiveram uma vitória histórica nas eleições gerais de quinta-feira, obtendo maioria de 80 assentos no Parlamento, seu melhor desempenho em mais de três décadas. O resultado esmagador dá ao premier  um cheque em branco para tocar seus planos para o Brexit , além de representar uma enorme derrota para o Partido Trabalhista e seu líder, Jeremy Corbyn .

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A aposta de Johnson de convocar novas eleições e conseguir um Parlamento favorável ao divórcio da União Europeia —  impasses fizeram com que a data do Brexit fosse postergada três vezes — deu muito certo. Os conservadores elegeram deputados em uma série de regiões no País de Gales, no Norte e no interior da Inglaterra, a chamada Muralha Vermelha " que, tradicionalmente, apoia os trabalhistas, mas que votou pela saída da UE no referendo de 2016.

Os conservadores abocanharam 365 assentos — para ter a maioria, bastariam 326 —, em seu melhor desempenho desde 1987, quando Margaret Thatcher reelegeu-se primeira-ministra. Comparando com a composição do Parlamento imediatamente anterior, os aliados do premier conseguiram aumentar sua presença em 47 parlamentares . Ao todo, o partido obteve 13.966.565 votos, 43,6% do total. Proporcionalmente, seu desempenho foi inferior aos 51,89% que votaram pelo divórcio da UE no referendo de 2016.

Em seu discurso da vitória, pouco após as 7h desta sexta-feira (4h, horário de Brasília), o premier disse que este é um “ novo amanhecer ” e afirmou que a saída da UE acontecerá “sem mas nem porém”. O divórcio, segundo Johnson, agora é uma “decisão irrefutável, irresistível e indiscutível do povo britânico”. Ele fez ainda um aceno aos eleitores tradicionalmente trabalhistas de áreas industriais do interior, que apoiaram o Brexit no referendo de 2016 e votaram em Johnson nesta eleição.

— Vocês podem voltar no Partido Trabalhista da próxima vez, se esse for o caso, e eu me sinto honrado por vocês terem depositado sua confiança em mim — disse o premier, afirmando que não irá "decepcioná-los". — Eu farei de minha missão trabalhar noite e dia, o tempo inteiro, para provar que vocês estavam certos ao votar em mim desta vez.

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Na manhã desta sexta-feira, o premier se encontrou com a rainha Elizabeth II para que a monarca lhe desse a autorização para formar um novo governo — tradição que, na prática, é apenas uma formalidade. É provável que os novos deputados sejam empossados já no início da próxima semana e que a nova legislatura seja inaugurada já na quinta-feira, após um discurso de praxe da monarca britânica. Já no dia seguinte, o Legislativo britânico deverá voltar a discutir o acordo do Brexit.

Horas depois, no início da tarde, o premier voltou a se pronunciar, desta vez em frente à sede do governo britânico, em Downing Street. Dirigindo-se aos britânicos que não o apoiaram, Johnson afirmou que "nunca ignorará os sentimentos bons e positivos de simpatia e carinho pelas nações europeias" e fez um apelo para que, em meio à polarização, "todos encontrem um desfecho e fechem as feridas".

Derrota trabalhista

Os trabalhistas, por sua vez, sofreram sua maior derrota em décadas, elegendo apenas 203 deputados — 59 parlamentares a menos que em 2017. Ao todo, eles receberam 10.295.607 votos, 32,2% do total.  Seu líder, Jeremy Corbyn , disse durante a madrugada que foi “uma noite muito decepcionante para o Partido Trabalhista” e afirmou que não liderará a legenda nas próximas eleições gerais. Na manhã desta sexta, disse que a disputa pela liderança da legenda deve acontecer no início de 2020.

Ao reconhecer sua vitória pessoal como deputado representante do distrito de Islington North, Corbyn argumentou que as propostas do partido —  plataforma focada em reverter cortes sociais realizados pelos conservadores — obtiveram “grande apoio popular”, mas acabaram ofuscadas pela discussão do Brexit.

— O Brexit polarizou e dividiu o debate neste país, ultrapassando bastante um debate político normal — disse Corbyn, que defendeu que o partido faça uma “reflexão”. — Eu reconheço que isso contribuiu para os resultados que o Partido Trabalhista teve nesta noite por todo o país.

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Conforme a dimensão da derrota foi ficando clara, os críticos de Corbyn passaram a apontar o dedo para a ambiguidade trabalhista sobre o Brexit: havia uma rixa interna no partido sobre renegociar um acordo com a UE e submetê-lo a um novo referendo. Isto fez com que perdessem apoio considerável de seu tradicional eleitorado em zonas industriais do interior — a "muralha vermelha" — que havia votado a favor do Brexit. Distritos que eram fiéis ao partido há décadas não foram convencidos nem mesmo pela plataforma social trabalhista, que incluia taxações aos bilionários e investimentos em serviços públicos.

Segundo a BBC, regras partidárias dificultam que ele seja forçadamente removido da liderança, mas membros da alta cúpula se questionam sobre sua permanência no poder.A intenção de Corbyn é continuar no cargo até que um líder de seu grupo no partido esteja pronto para substitui-lo. O nome mais provável para isso era Laura Pidcock, mas ela não conseguiu se reeleger na quinta-feira.

Além de conservadores e trabalhistas, o Parlamento britânico terá 48 deputados do independentista escocês SNP, que conseguiu 13 assentos a mais do que em 2017, com 1.242.372 votos (3,9% do total). Os Liberal Democratas, por sua vez, obtiveram 3.675.343 votos (11,6%) que se traduziram em 11 assentos — um a menos que na última sessão. Sua líder, Jo Swinson, que defendia  a permanência britânica na UE, não conseguiu se reeleger. O Partido Unionista da Irlanda do Norte (DUP), por sua vez, teve 244.128 votos (0,8%), elegendo oito parlamentares — uma a menos do que na sessão anterior.

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O crescimento do SNP, que conquistou 48 dos 59 assentos destinados à Escócia, poderá aumentar o movimento para um referendo sobre a independência do país, algo a que Johnson se opõe veementemente. A líder do partido, Nicola Sturgeon, disse que o resultado significa que o premier “deve aceitar que eu tenho mandato para oferecer à Escócia a escolha de um futuro alternativo” e anunciou que apresentará na próxima semana um pedido para um segundo referendo. Isto, na prática, deixará o país dividido, com o Reino Unido controlado pelos conservadores pró-Brexit e a Escócia, dominada pelo SNP, favorável à permanência no bloco.

— O povo escocês falou: é hora de definir o nosso próprio futuro — disse Sturgeon.

Rumo ao Brexit

Com ampla maioria, a expectativa é que os conservadores corram para aprovar o acordo para o Brexit. Confirmando-se a data do discurso da rainha,  a lei teria sua segunda votação na sexta-feira, dia 20, ou na segunda-feira seguinte, dia 23. Ainda assim, o tempo seria curto, pois deixaria apenas 15 ou 16 dias úteis para que o acordo tramitasse por completo.

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O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, por sua vez, disse nesta sexta-feira que a União Europeia está preparada para negociar seu futuro relacionamento  comercial com o Reino Unido.

Ao jornal The Guardian, a diretora de assuntos do Legislativo do governo, Nikki Da Costa, havia estimado previamente que seriam necessários cerca de 37 dias para que a medida passasse por completo pela Câmara dos Comuns. Assim que o governo conseguir aprovar o Brexit — algo que, neste momento, parece inevitável — o Reino Unido entrará em um período de transição até o fim de 2020. O prazo de 10 meses, segundo Johnson, dará ao país uma boa janela para negociar o que acontecerá, de fato, após o divórcio, especialmente no que diz respeito a acordos comerciais. Diplomatas da UE, no entanto, apontam que uma negociação poderá não ser tão fácil quanto o premier reeleito deseja.

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Na prática, acordos comerciais com a UE levam anos para serem firmados, pois precisam ser ratificados não só pelo Parlamento Europeu, mas também pelos legislativos dos países-membros. Poucos acreditam que Londres conseguirá fazê-lo no prazo. O período de transição poderá ser estendido por um ou dois anos, mas os britânicos precisarão solicitar o novo prazo até o fim de junho de 2020.

Há ainda uma série de possíveis impasses sobre os termos de um pacto comercial, que vão desde segurança digital até pescaria, já que os barcos europeus não poderão mais atuar em águas territoriais britânicas. Regulações antiprotecionistas e leis sanitárias, trabalhistas e ambientais também serão discutidas. Para negociar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, no entanto, os britânicos possivelmente precisariam aliviar estas legislações, algo que o bloco provavelmente não aceitará.

Com a vitória conservadora, a libra esterlina atingiu seu maior valor desde junho de 2018, chegando a 1,351 em relação ao dólar — na véspera, a cotação da moeda era de US$ 1,317. A libra também atingiu seu maior valor com relação ao euro desde dezembro de 2016, indicando que o mercado crê que o país adentra um período de maior estabilidade política.