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Coreia do Norte explode escritório de relações com a Coreia do Sul

Edifício na fronteira era símbolo da retomada das negociações entre as duas metades da Península Coreana, há dois anos
Imagem capturada na cidade sul-coreana de Paju mostra fumaça saindo do prédio do prédio do escritório de comunicações Foto: STR / AFP
Imagem capturada na cidade sul-coreana de Paju mostra fumaça saindo do prédio do prédio do escritório de comunicações Foto: STR / AFP

SEUL — Concretizando uma ameaça feita há dias, a Coreia do Norte explodiu o edifício onde funcionava o escritório de ligação com a Coreia Sul na cidade fronteiriça de Kaesong, nesta terça-feira, estremecendo ainda mais as relações entre Pyongyang e Seul.

O escritório foi inaugurado em 2018 e era um símbolo da retomada do diálogo entre as duas Coreias, impulsionada pelo presidente sul-coreano Moon Jae-in, que foi eleito em 2017 e traçou os objetivos de negociar um tratado de paz definitivo entre as duas Coreias e transformar a Península Coreana numa zona de desenvolvimento econômico comum.

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Até recentemente, o prédio de quatro andares era usado para que representantes norte e sul-coreanos trabalhassem em conjunto, sendo o primeiro canal para contato pessoal entre os dois países desde a Guerra da Coreia (1950-1953), que terminou com um cessar-fogo, sem acordo de paz definitivo.

O escritório, no entanto, estava fechado desde janeiro, como parte das medidas adotadas pela Coreia do Norte para deter a pandemia do novo coronavírus. O governo sul-coreano informou que, até o fechamento, tinha 58 funcionários trabalhando no local.

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No início da manhã desta terça, guardas sul-coreanos ouviram um estouro e, em seguida, viram fumaça saindo do escritório. Segundo imagens de câmeras de segurança na fronteira, a explosão foi tão intensa que janelas em edifícios da vizinhança quebraram. Segundo a imprensa estatal norte-coreana, o prédio foi "tragicamente destruído em uma explosão formidável", ação que reflete o "estado de espírito do povo enfurecido" da Coreia do Norte.

No fim da semana passada, Kim Yo-jong , irmã e conselheira do ditador Kim Jong-un, já havia feito ameaças contra o local, afirmando que "o inútil escritório de ligação" seria "completamente destruído". Desde o início do ano, a relação entre os dois países vem piorando e, neste mês, o Norte intensificou sua retórica contra o escritório. No dia 5, ameaçou fechá-lo e, no dia 9, cortou todas as linhas de comunicação com o Sul.

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Tanto o escritório de ligação quanto as linhas diretas de comunicação entre os militares e as lideranças máximas dos dois países foram criados durante as negociações iniciadas há dois anos, por iniciativa do presidente Moon Jae-in. O plano era que a região de Kaesong,  a cerca de 10 km da fronteira entre as Coreias, se tornasse uma grande zona industrial conjunta. No passado, empresas sul-coreanas chegaram a operar na região, empregando mão de obra do Norte.

Prédio foi inaugurado em setembro de 2018, com a presença de autoridades do Norte e do Sul Foto: - / AFP / 14-9-2020
Prédio foi inaugurado em setembro de 2018, com a presença de autoridades do Norte e do Sul Foto: - / AFP / 14-9-2020

As negociações entre as duas Coreias abriram caminho para as três reuniões de cúpula entre Kim e Donald Trump , ocorridas em 2018 e 2019. Essas negociações, no entanto, estão paralisadas por divergências entre Washington e Pyongyang em relação ao relaxamento das sanções econômicas contra o programa nuclear norte-coreano.

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Especialistas em Coreia do Norte acreditam que a retomada das hostilidades por parte dos norte-coreanos faz parte de uma estratégia de pressionar o governo Trump a relaxar as sanções.

Van Jackson, um ex-oficial do Pentágono agora na Universidade Victoria, na Nova Zelândia, disse ao Financial Times que a explosão do escritório de ligação aconteceu porque "a Coreia do Norte se sente traída por Trump e ainda precisa do alívio das sanções que acha que lhe é devido".

— Mas atacar os EUA incorre diretamente em riscos evitáveis de escalada. Ter como alvo a Coreia do Sul é uma agressão calibrada —  disse o especialista.

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A retórica norte-coreana vem se acirrando há algumas semanas , sobretudo contra  desertores norte-coreanos que enviam panfletos de propaganda a partir do Sul contra o Norte. Os panfletos, argumentam os norte-coreanos, violam a Declaração de Panmunjom de 2018, em que os dois lados se comprometem a trabalhar pela “eliminação da tensão militar e substancial eliminação do risco de guerra”.

Mais cedo nesta terça, o Exército norte-coreano afirmou que está "totalmente preparado" para atuar contra a Coreia do Sul. O Estado-Maior do Exército Popular da Coreia anunciou ainda que trabalha com  um "plano de ação para transformar em fortaleza a linha de frente".

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Frente às ameaças militares, a Coreia do Sul disse que "responderá com força" às provocações do Norte. No dia anterior, em uma reunião com seus assessores, Moon havia pedido cautela e o retorno das negociações. Segundo o presidente, “as promessas sobre a paz feitas pelo presidente Kim Jong-un para 80 milhões de pessoas (população das duas Coreias) não podem ser revertidas”, referindo-se ao acordo de 2018.

Moon busca um maior engajamento com Kim, mas não rompeu com as sanções internacionais capitaneadas pelo governo americano contra o programa nuclear norte-coreano, que afetam a já debilitada economia de Pyongyang.

A Casa Branca exige a eliminação do programa nuclear militar norte-coreano antes de qualquer alívio das sanções, enquanto a Coreia do Norte defende concessões paulatinas e recíprocas. Esta também é a posição de China e Rússia, que já defenderam no Conselho de Segurança da ONU a eliminação de parte das punições a Pyongyang.

Os norte-coreanos se mostram cada vez menos dispostos a aceitar a desnuclearização total — internamente, alguns citam o exemplo da Líbia de Muammar Kadafi, que abriu mão de seu programa de desenvolvimento de armas nucleares em 2003, mas acabou derrubado e morto em uma revolta que contou com apoio de forças ocidentais em 2011.