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Credit Suisse manteve contas de centenas de pessoas acusadas de desviar dinheiro da PDVSA, aponta investigação

Vazamento de dados sobre o banco, divulgado neste domingo, mostra como políticos, executivos e empresários acumularam milhões de dólares que teriam saído das contas da petrolífera
Placa de posto da PDVSA em Caracas Foto: Marco Bello / Reuters
Placa de posto da PDVSA em Caracas Foto: Marco Bello / Reuters

BUENOS AIRES — No centro de uma polêmica iniciada pela revelação de que a instituição mantinha contas de clientes de “alto risco” , incluindo pessoas acusadas de crimes como lavagem de dinheiro, tráfico humano e homicídio, o banco Credit Suisse foi apontado como o receptor de milhões de dólares desviados das contas da petrolífera venezuelana PDVSA.

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Segundo o jornal argentino La Nación, o banco tinha em sua cartela de clientes integrantes da elite política venezuelana, acusados de desviar “centenas de milhões de dólares” da estatal — como aponta a investigação, as contas permaneceram abertas mesmo depois da revelação de que elas estavam sendo abastecidas com dinheiro oriundo da corrupção.

Os vazamentos dos dados do Credit Suisse mostram, como cita o jornal The Guardian, que o ex-vice-ministro de Energia, Nervis Villalobos Cárdenas, tinha em suas contas 9,5 milhões de francos suíços (R$ 53 mlhões), enquanto o empresário Roberto Rincón Fernández, acusado de ser o intermediário no pagamento de propinas, tinha 68 milhões de francos (R$ 379 milhões).

Fernández foi preso em 2015 pelos EUA, enquanto Cárdenas tenta evitar sua extradição — hoje ele vive na Espanha.

Outro venezuelano a ter seu nome exposto nos documentos do Credit Suisse foi o do ex-executivo da PDVSA, Luis De León-Perez: preso em 2017 e extraditado para os EUA logo depois, ele é acusado de participação nos esquemas de lavagem de dinheiro desviado dos cofres da estatal.

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Segundo os documentos revelados neste final de semana, ele tinha 22 milhões de francos em sua conta, o equivalente a R$ 122 milhões.

— A corrupção sempre esteve rondando a PDVSA, em diversos graus e níveis — declarou ao Guardan César Mata-Garcia, especialista em legislação internacional relacionada ao petróleo, na Universidade de Dundee. — As palavras “Venezuela”, “PDVSA” e "petróleo'' são um sinal de alerta para os bancos.

Ditadores, traficantes e fraudadores

A revelação sobre as contas relacionadas a desvios na PDVSA fazem parte de uma ampla investigação, levada adiante por 163 jornalistas de 48 veículos de vários países, que mostrou um padrão dentro do Credit Suisse, que aceitou “clientes de altíssimo risco durante décadas”, e cujas contas acumulam US$ 100 bilhões.

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O ponto de partida foi a entrega ao jornal alemão Süddeutsche Zeitung., por um denunciante, dos dados bancários de 18 mil clientes do Credit Suisse, relacionadas a um período que se estende desde a década de 1940 até 2010 — as transações atuais da instituição não fazem parte do vazamento.

As informações foram compartilhadas com um grupo de jornalismo sem fins lucrativos Organized Crime and Corruption Reporting Project e os demais veículos jornalísticos, que deram início a três meses uma análise que identificou que “dezenas de contas pertenciam a políticos corruptos, delinquentes condenados, investigados pela Justiça, espiões, ditadores e outras figuras obscuras”.

Essa lista inclui um cidadão das Filipinas acusado de tráfico humano, o ex-chefe da Bolsa de Hong Kong preso por pagar propinas, um bilionário egípcio que ordenou o assassinato de sua namorada, uma estrela pop no Líbano, além de políticos acusados de corrupção em países como Tailândia, Egito e Ucrânia. O rei Abdullah II da Jordânia e os dois filhos do ex-ditador egípcio Hosni Mubarak, também são citados.

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Há ainda dados sobre uma conta usada pelo Vaticano em um investimento no centro do que é um dos maiores escândalos financeiros da história recente da Santa Sé: a compra de um prédio de 17 mil metros quadrados de área interna em um distrito de alto padrão de Londres. O cardeal Angelo Becciu , ex-número dois da Secretaria de Estado do Vaticano, está sendo julgado pelo Tribunal da Santa Sé desde o ano passado por sua participação no caso.

Em comunicado, o Credit Suisse rejeita as acusações, e afirma que as conclusões mostradas nas reportagens se baseiam em “informações parciais e seletivas, que foram tiradas de contexto”.

“As alegações da imprensa parecem ser um esforço conjunto para desacreditar o banco e o mercado financeiro da Suíça, que passou por mudanças significativas nos últimos anos”, diz o texto.

A instituição afirma ainda ter tomado decisões sobre casos específicos, e que adotou medidas adicionais na última década, “incluindo a realização de investimentos no combate a crimes financeiros”.