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Em meio a protestos, Iván Duque retira projeto de reforma tributária na Colômbia

Presidente propõe uma nova lei que concentre aumento de impostos em empresas e na camada mais rica da população; manifestações contra a medida tomaram as ruas desde a semana passada e levaram governo a mobilizar militares
Presidente Iván Duque anuncia retirada de projeto de reforma tributária na Colômbia Foto: COLOMBIA PRESIDENCY / via REUTERS
Presidente Iván Duque anuncia retirada de projeto de reforma tributária na Colômbia Foto: COLOMBIA PRESIDENCY / via REUTERS

BOGOTÁ — O presidente da Colômbia, Iván Duque, pediu neste domingo ao Parlamento que retire da pauta a proposta de reforma tributária apresentada pelo governo no mês passado, que foi alvo de críticas e protestos nos últimos dias. Segundo a polícia, ocorreram dez mortes, por causas ainda não esclarecidas , desde o início dos atos e de uma greve convocada por sindicatos e movimentos sociais, na última quarta-feira.

Em pronunciamento, Duque afirmou que a reforma tributária “não é um capricho, é uma necessidade”, diante do impacto da pandemia nas contas públicas. Ele informou que já presentou um novo plano, que deve tramitar de forma urgente e “evitará incertezas financeiras”.

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Desde o final da semana passada, o presidente sinalizava que poderia alterar a proposta de reforma, que contava com o apoio de economistas, mas acabou rejeitada pela oposição e por boa parte dos colombianos, que saíram às ruas nos últimos dias. Na sexta-feira, Duque afirmou que uma das mudanças do projeto seria a manutenção das atuais regras do IVA, o imposto sobre valor agregado, que antes seria aumentado, e da base de cobrança do Imposto de Renda — os recuos foram vistos como formas de aceno à classe média.

O foco da nova lei está no setor empresarial e nas camadas mais ricas da sociedade. Empresas terão uma elevação temporária dos impostos sobre a renda e sobre patrimônio, além de uma elevação nos impostos sobre os lucros. Os colombianos de maior rendimento também pagarão mais.

No sábado, milhares de pessoas foram às ruas das maiores cidades da Colômbia contra a reforma, vista como desfavorável à classe média. Para analistas, mais do que protestar contra a reforma , a iniciativa serviu de catalisador para os muitos problemas enfrentados pela população, como o aumento da desigualdade social e o ritmo lento de vacinação — até o momento, apenas 6,6% dos colombianos receberam a primeira dose.

Militares nas ruas

Os protestos de sábado foram os mais violentos em quatro dias, com mais de 330 policiais feridos e 249 pessoas detidas sob a acusação de vandalismo. Os maiores confrontos ocorreram em Cali, onde morreu um adolescente de 16 anos. Tudo indica que o garoto é o que aparece em um vídeo chutando um policial motorizado. O agente corre atrás dele e atira duas vezes em suas costas. O diretor da Human Rights Watch para as Américas, José Miguel Vivanco, confirmou no Twitter a veracidade da gravação. Vivanco afirmou estar recebendo denúncias graves de abusos cometidos pela polícia em Cali, capital do departamento de Valle del Cauca.

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Também houve atos maciços em Bogotá, onde a prefeitura havia pedido à população que evitasse grandes aglomerações porque 90% dos leitos de UTI estão ocupados. Na região norte da capital, a polícia usou bombas de gás e bloqueou ruas para evitar que um grupo se aproximasse do apartamento de Duque. No fim da noite de sábado, o presidente foi à televisão anunciar a mobilização dos militares .

— Quero alertar aqueles que, por meio da violência, do vandalismo e do terrorismo, buscam intimidar a sociedade e acreditam que com esse mecanismo vão dobrar as instituições — disse Duque, antes de informar que, como comandante supremo das Forças Armadas, autorizou a presença militar nos locais onde for necessário, em coordenação com prefeitos e governadores.

A decisão foi criticada por oposicionistas, e alguns deles, como o prefeito de Medellín, Daniel Quintero Calle, disseram que não pedirão a ajuda das Forças Armadas.

Horas depois da mobilização militar, Duque voltou à TV neste domingo para sepultar o texto da reforma tributária e apresentar o novo plano que, segundo disse, traz propostas vindas do diálogo com partidos, sociedade civil, prefeitos, governadores e líderes empresariais. Segundo ele, um plano que vai ajudar a acertar as contas “sem afetar a classe média e os mais vulneráveis”.

Em 2020, o PIB colombiano teve queda de 6,8%, o desemprego chegou a 16,8% da população economicamente ativa, e 3,5 milhões de pessoas passaram a viver em situação de pobreza. O déficit fiscal ficou em 7,8% do PIB no ano passado, e, segundo o governo, pode chegar a 8,6% em 2021 caso nada seja feito para ajustar as contas públicas.