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Em referendo apertado, governo do Uruguai mantém lei que endurece sistema de segurança

Com diferença de um ponto percentual, uruguaios rejeitaram revogação da Lei de Consideração Urgente (LUC), decidindo manter pacote legislativo emblemático do governo de Luis Lacalle Pou
O presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, fala a jornalistas após resultado do referendo, na noite de domingo Foto: PABLO PORCIUNCULA / AFP
O presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, fala a jornalistas após resultado do referendo, na noite de domingo Foto: PABLO PORCIUNCULA / AFP

MONTEVIDÉU — Com um resultado apertado, os uruguaios votaram contra a revogação de parte dos artigos da Lei de Consideração Urgente (LUC), optando assim por manter intacto o pacote legislativo do presidente Luis Lacalle Pou para o setor de segurança pública, considerado a espinha dorsal do governo de centro-direita.

A LUC, carro-chefe da campanha de Lacalle Pou em 2019, foi aprovada em 2020, e inclui 476 artigos que alteram a Constituição uruguaia em aspectos relacionados à segurança, financiamento do Estado, políticas públicas e até o direito à greve. Organizações de direitos humanos demonstraram preocupação com alguns artigos, principalmente em relação à segurança, que endurecem penas de prisão e limitam as possibilidades de liberdade condicional.

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No domingo, após uma campanha da oposição e de organizações civis e sindicatos, mais de 2,2 milhões de uruguaios participaram do referendo, votando pela manutenção ou revogação de 135 dos 476 artigos da LUC. A opção “sim”, a favor da revogação, obteve 48,8% dos votos válidos, enquanto o “não”, para manter a lei intacta, alcançou 49,9%, segundo números da Justiça Eleitoral. Em números absolutos, são apenas 20 mil votos de diferença.

O presidente afirmou que o resultado já era esperado e disse que agora seguirá concentrado em temas "vitais" para o país, como uma reforma da Previdência e mudanças no sistema educacional.

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— Uma etapa superada, a lei permanece firme —  disse Lacalle Pou por volta da meia-noite, após o anúncio do resultado pela Justiça Eleitoral.

Após um aumento nas taxas de criminalidade, com taxas de homicídios que cresceram 46% e atingiram um recorde em 2018, a segurança pública foi um dos grandes temas da das eleições presidenciais de 2019. A “coalizão multicolorida”, do então candidato Luis Lacalle Pou, criticava a suposta inação do governo da Frente Ampla, de esquerda, que governou o país nos três mandatos que antecederam a atual gestão, e propôs um “choque de segurança” para combater a crise de segurança pública.

Outros pontos questionados pela oposição também conferem mais poderes à polícia para reprimir protestos, permitindo que os agentes possam prender qualquer um que obstrua as ruas ou “insulte” policiais.

— Em comparação com os governos anteriores, a LUC aumenta o poder da polícia — explicou à revista Americas Quartely Diego Luján, cientista político da Universidade da República do Uruguai.

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A lei também prevê a criação de uma Secretaria de Estado de Inteligência Estratégica subordinada ao Executivo, consolidando diversos órgãos de Inteligência dos ministérios da Defesa e do Interior — e conferindo ao novo órgão o poder de solicitar “informações que julgar necessárias” de agências governamentais e até mesmo de cidadãos sem uma ordem judicial formal.

A campanha pelo referendo foi um movimento importante contra a agenda de Lacalle Pou, promovida por sindicatos, organizações sociais e movimentos populares, que reuniram 763.443 assinaturas para realizar a consulta, em julho de 2021. Dada a heterogeneidade e complexidade dos artigos criticados, a eleição acabou se tornando uma espécie de plebiscito sobre a gestão de Lacalle Pou.

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Depois do resultado, o líder da Frente Ampla, Fernando Pereira, disse que a mensagem da população era clara:

— Lacalle Pou não pode seguir governando de costas para metade da população — aifirmou.

Para a analista Mariana Pomiés, apesar de derrotada, a oposição conseguiu capitalizar a eleição, e sairá "fortalecida". Já o cientista político Ignacio Zuasnábar disse, em entrevista ao canal 10, que a votação evidencia um país ainda dividido em dois blocos políticos de dimensões muito semelhantes.

— O "sim" tem motivos para comemorar, porque teve uma votação muito boa. Para uma Frente Ampla e uma esquerda em processo de renovação de lideranças e reconstrução de seu eleitorado, é um resultado significativo — disse.