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Evo Morales convoca novas eleições na Bolívia após auditoria da OEA

Anúncio foi feito após organização recomendar anulação e questionar 'integridade dos resultados'; oposição pede renúncia do presidente
Presidente da Bolívia, Evo Morales Foto: CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS
Presidente da Bolívia, Evo Morales Foto: CARLOS GARCIA RAWLINS / REUTERS

LA PAZ —- O presidente da Bolívia , Evo Morales , anunciou neste domingo a realização de novas eleições presidenciais no país, depois que a Organização dos Estados Americanos (OEA) relatar “irregularidades” nas eleições de 20 outubro. Em relatório preliminar, a organização recomendou a anulação das eleições e questionou a "integridade dos resultados".

Morales, do Movimento ao Socialismo (MAS), que assumiu o poder em 2006, foi declarado vencedor em primeiro turno das eleições, nas quais concorreu a um controvertido quarto mandato. De acordo com o resultado anunciado pelo Tribunal Supremo Eleitoral , ele teve 47,08% dos votos, contra 36,51% do ex-presidente Carlos Mesa — na Bolívia, para vencer no primeiro turno, são necessários 40% dos votos, com uma diferença de 10 pontos sobre o segundo colocado.

No entanto, a margem pequena para a vitória em primeiro turno e problemas no processo de apuração levaram a oposição a denunciar fraude e a convocar protestos que já deixaram três mortos e dezenas de feridos em confrontos entre partidários de Morales e opositores. Em resposta, o presidente fez um acordo com a OEA para a auditoria dos votos, comprometendo-se a respeitar seu resultado.

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Desde a semana passada, porém, as manifestações anti-Morales vem sendo lideradas pela ala radical da oposição, representada pelo líder do Comitê Cívico do departamento (estado) de Santa Cruz, o empresário Luis Fernando Camacho , que pede a renúncia do presidente e convocou policiais e militares a se amotinarem para depô-lo. Camacho viajou a La Paz e pretendia entregar a Morales uma carta de renúncia. Nos últimos dias, houve ataques às casas de dirigentes do MAS, incluindo o governador de Oruro, Victor Vásquez; o ministro da Mineração, César Navarro; e o o presidente da Assembleia Legislativa Plurinacional, Victor Borda. Os três anunciaram sua renúncia neste domingo para preservar sua integridade física.

O ministro de Hidrocarbonetos, Luis Alberto Sánchez, também anunciou sua renúncia, alegando que "o curso dos acontecimentos vai contra meus princípios pessoais, assim como meus valores espirituais e democráticos, e me impedem, portanto, de continuar na direção da pasta".

Em pronunciamento pela TV na manhã deste domingo, Evo Morales disse ter decidido “convocar novas eleições nacionais que, mediante voto, permitam que o povo boliviano possa eleger democraticamente suas autoridades”. Além disso, Morales disse que irá renovar o Tribunal Supremo Eleitoral, em resposta ao relatório da OEA, que mencionou irregularidades no processo de outubro.

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“Foram encontradas irregularidades, que variam entre muito graves e indícios. Isso leva a equipe técnica auditora a questionar a integridade dos resultados das eleições de 20 de outubro do ano passado”, destacou a OEA em comunicado à imprensa. “No componente informático foram descobertas graves falhas de segurança”, acrescentou o comunicado, sem mencionar fraude intencional.

Segundo o relatório, é “estatisticamente improvável” que, apesar de ter vencido as eleições, Morales tenha conseguido os 10 pontos percentuais necessários para evitar um segundo turno contra o ex-presidente Carlos Mesa.

Em outra nota divulgada neste domingo, a Secretaria Geral da OEA pediu a anulação das eleições. “O primeiro turno das eleições realizado em 20 de outubro passado deve ser anulado e o processo eleitoral deve começar novamente, efetuando-se o primeiro turno assim que existirem novas condições que deem novas garantias para sua realização, entre elas uma nova composição do órgão eleitoral”, afirmou a organização. Diante da conclusão da auditoria, a Procuradoria do país anunciou uma investigação dos sete integrantes atuais do TSE.

OEA concluiu, após auditoria, que eleição deve ser repetida
OEA concluiu, após auditoria, que eleição deve ser repetida

Mais tarde, em publicação em sua conta oficial no Twitter, Morales disse: "Depois de escutar a COB (Central de Trabalhadores da Bolívia), o Pacto de Unidade e distintos setores do campo e da cidade, decidimos solicitar que a Assembleia Legislativa, dentro do princípio constitucional de coordenação, renove o TSE em sua totalidade para convocar novas eleições nacionais".

O presidente também pediu a redução das tensões, pedindo "respeito entre famílias, a propriedades privadas, autoridades e aos setores sociais; tudo que temos na Bolívia é o patrimônio do povo". "Meu pedido ao povo boliviano é garantir a convivência pacífica e acabar com a violência para o bem de todas e todos. Não podemos nos enfrentar entre irmãos bolivianos", escreveu na rede social.

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Posteriormente, em entrevista à rádio Panamericana, Morales destacou que não irá renunciar e que cumprirá o mandato que vai até 22 de fevereiro de 2020. Ele afirmou que nunca pediu ao tribunal eleitoral para manipular o resultado, e não informou se irá, ou não, participar das novas eleições.

— Não devemos falar sobre candidatos nem sobre sucessão constitucional. Não vamos continuar provocando convulsão. Querem prejudicar a Bolívia. Vamos dialogar, ver quando e como faremos as eleições — disse.

Mesa e Camacho pedem renúncia

Em resposta à convocação de novas eleições, o opositor Mesa voltou a acusar o presidente de fraude disse que ele deveria renunciar ao cargo "se ainda tiver um pingo de patriotismo". Morales e seu vice-presidente, Álvaro García Linera, não estão "em condições de presidir o processo eleitoral", destacou Mesa. Segundo o opositor, Morales também não deveria se candidatar às novas eleições, após o anúncio de irregularidades encontradas pela OEA.

Camacho, do seu lado, disse que "o informe da OEA demonstrou que existiu uma fraude que é de responsabilidade do MAS, cujo principal líder é Evo Morales".

— Portanto, o senhor Evo Morales fraturou a ordem constitucional e deve renunciar  — afirmou.  — Hoje vencemos uma batalha. Reconstruiremos a ordem constitucional e a democracia. Quando tivermos certeza de que a democracia está sólida, voltaremos para casa.

Acuado por motins de unidades da polícia que eclodiram em várias cidades a partir da tarde de sexta-feira, Morales havia proposto no sábado diálogo com partidos políticos representados no Congresso, na tentativa de buscar uma solução para a crise política. A convocação do presidente, no entando, havia sido imediatamente rechaçada pela oposição.

— Não tenho nada a negociar com Evo Morales e seu governo — disse Mesa no sábado, depois de rebater no Twitter a acusação de tentativa de golpe de Estado, feita por Morales, como “uma mentira que o governo está tentando passar em nível nacional e internacional”.

Em pronunciamento conjunto no sábado diante dos motins da polícia, os chefes militares indicaram que as Forças Armadas “nunca enfrentarão o povo”, e defenderam que “os atuais problemas gerados no âmbito político devem ser solucionados no marco dos mais altos interesses da pátria, antes de chegar a momentos irreversíveis”.