LA PAZ —- O presidente da Bolívia , Evo Morales , anunciou neste domingo a realização de novas eleições presidenciais no país, depois que a Organização dos Estados Americanos (OEA) relatar “irregularidades” nas eleições de 20 outubro. Em relatório preliminar, a organização recomendou a anulação das eleições e questionou a "integridade dos resultados".
Morales, do Movimento ao Socialismo (MAS), que assumiu o poder em 2006, foi declarado vencedor em primeiro turno das eleições, nas quais concorreu a um controvertido quarto mandato. De acordo com o resultado anunciado pelo Tribunal Supremo Eleitoral , ele teve 47,08% dos votos, contra 36,51% do ex-presidente Carlos Mesa — na Bolívia, para vencer no primeiro turno, são necessários 40% dos votos, com uma diferença de 10 pontos sobre o segundo colocado.
No entanto, a margem pequena para a vitória em primeiro turno e problemas no processo de apuração levaram a oposição a denunciar fraude e a convocar protestos que já deixaram três mortos e dezenas de feridos em confrontos entre partidários de Morales e opositores. Em resposta, o presidente fez um acordo com a OEA para a auditoria dos votos, comprometendo-se a respeitar seu resultado.
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Desde a semana passada, porém, as manifestações anti-Morales vem sendo lideradas pela ala radical da oposição, representada pelo líder do Comitê Cívico do departamento (estado) de Santa Cruz, o empresário Luis Fernando Camacho , que pede a renúncia do presidente e convocou policiais e militares a se amotinarem para depô-lo. Camacho viajou a La Paz e pretendia entregar a Morales uma carta de renúncia. Nos últimos dias, houve ataques às casas de dirigentes do MAS, incluindo o governador de Oruro, Victor Vásquez; o ministro da Mineração, César Navarro; e o o presidente da Assembleia Legislativa Plurinacional, Victor Borda. Os três anunciaram sua renúncia neste domingo para preservar sua integridade física.
O ministro de Hidrocarbonetos, Luis Alberto Sánchez, também anunciou sua renúncia, alegando que "o curso dos acontecimentos vai contra meus princípios pessoais, assim como meus valores espirituais e democráticos, e me impedem, portanto, de continuar na direção da pasta".
Em pronunciamento pela TV na manhã deste domingo, Evo Morales disse ter decidido “convocar novas eleições nacionais que, mediante voto, permitam que o povo boliviano possa eleger democraticamente suas autoridades”. Além disso, Morales disse que irá renovar o Tribunal Supremo Eleitoral, em resposta ao relatório da OEA, que mencionou irregularidades no processo de outubro.
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“Foram encontradas irregularidades, que variam entre muito graves e indícios. Isso leva a equipe técnica auditora a questionar a integridade dos resultados das eleições de 20 de outubro do ano passado”, destacou a OEA em comunicado à imprensa. “No componente informático foram descobertas graves falhas de segurança”, acrescentou o comunicado, sem mencionar fraude intencional.
Segundo o relatório, é “estatisticamente improvável” que, apesar de ter vencido as eleições, Morales tenha conseguido os 10 pontos percentuais necessários para evitar um segundo turno contra o ex-presidente Carlos Mesa.
Em outra nota divulgada neste domingo, a Secretaria Geral da OEA pediu a anulação das eleições. “O primeiro turno das eleições realizado em 20 de outubro passado deve ser anulado e o processo eleitoral deve começar novamente, efetuando-se o primeiro turno assim que existirem novas condições que deem novas garantias para sua realização, entre elas uma nova composição do órgão eleitoral”, afirmou a organização. Diante da conclusão da auditoria, a Procuradoria do país anunciou uma investigação dos sete integrantes atuais do TSE.
Mais tarde, em publicação em sua conta oficial no Twitter, Morales disse: "Depois de escutar a COB (Central de Trabalhadores da Bolívia), o Pacto de Unidade e distintos setores do campo e da cidade, decidimos solicitar que a Assembleia Legislativa, dentro do princípio constitucional de coordenação, renove o TSE em sua totalidade para convocar novas eleições nacionais".
O presidente também pediu a redução das tensões, pedindo "respeito entre famílias, a propriedades privadas, autoridades e aos setores sociais; tudo que temos na Bolívia é o patrimônio do povo". "Meu pedido ao povo boliviano é garantir a convivência pacífica e acabar com a violência para o bem de todas e todos. Não podemos nos enfrentar entre irmãos bolivianos", escreveu na rede social.
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Posteriormente, em entrevista à rádio Panamericana, Morales destacou que não irá renunciar e que cumprirá o mandato que vai até 22 de fevereiro de 2020. Ele afirmou que nunca pediu ao tribunal eleitoral para manipular o resultado, e não informou se irá, ou não, participar das novas eleições.
— Não devemos falar sobre candidatos nem sobre sucessão constitucional. Não vamos continuar provocando convulsão. Querem prejudicar a Bolívia. Vamos dialogar, ver quando e como faremos as eleições — disse.
Mesa e Camacho pedem renúncia
Em resposta à convocação de novas eleições, o opositor Mesa voltou a acusar o presidente de fraude disse que ele deveria renunciar ao cargo "se ainda tiver um pingo de patriotismo". Morales e seu vice-presidente, Álvaro García Linera, não estão "em condições de presidir o processo eleitoral", destacou Mesa. Segundo o opositor, Morales também não deveria se candidatar às novas eleições, após o anúncio de irregularidades encontradas pela OEA.
Camacho, do seu lado, disse que "o informe da OEA demonstrou que existiu uma fraude que é de responsabilidade do MAS, cujo principal líder é Evo Morales".
— Portanto, o senhor Evo Morales fraturou a ordem constitucional e deve renunciar — afirmou. — Hoje vencemos uma batalha. Reconstruiremos a ordem constitucional e a democracia. Quando tivermos certeza de que a democracia está sólida, voltaremos para casa.
Acuado por motins de unidades da polícia que eclodiram em várias cidades a partir da tarde de sexta-feira, Morales havia proposto no sábado diálogo com partidos políticos representados no Congresso, na tentativa de buscar uma solução para a crise política. A convocação do presidente, no entando, havia sido imediatamente rechaçada pela oposição.
— Não tenho nada a negociar com Evo Morales e seu governo — disse Mesa no sábado, depois de rebater no Twitter a acusação de tentativa de golpe de Estado, feita por Morales, como “uma mentira que o governo está tentando passar em nível nacional e internacional”.
Em pronunciamento conjunto no sábado diante dos motins da polícia, os chefes militares indicaram que as Forças Armadas “nunca enfrentarão o povo”, e defenderam que “os atuais problemas gerados no âmbito político devem ser solucionados no marco dos mais altos interesses da pátria, antes de chegar a momentos irreversíveis”.