Mundo Europa

Hungria e Polônia voltam a ser alvo de críticas em relatório da UE sobre respeito à democracia

Governo polonês será multado se não cumprir até 16 de agosto decisão do Tribunal de Justiça do bloco para reverter medidas que afastaram juízes que não seguem a linha ultraconservadora do PiS
Primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, fotografado em Bruxelas Foto: POOL / REUTERS
Primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, fotografado em Bruxelas Foto: POOL / REUTERS

BRUXELAS — A União Europeia divulgou nesta terça-feira seu relatório anual sobre o Estado de direito no continente , afirmando ter "sérias preocupações" com a independência do Judiciário e com a corrupção na Polônia e na Hungria. As conclusões dão uma nova camada à disputa travada entre a Comissão Europeia e os dois países, ambos governados por nacionalistas de direita, que hoje buscam o aval do Executivo do bloco para seus planos multibilionários de recuperação pós-Covid.

Leia mais: UE dá dois meses para Hungria e Polônia revogarem leis anti-LGBTQIAP+, e intensifica choque com governos da direita populista

O documento, cuja edição de estreia foi lançada em 2020 , cobre todos os 27 Estados-membros do bloco, apontando progressos, críticas e preocupações que surgiram no último ano. No entanto, são os capítulos sobre Varsóvia e Budapeste, onde a erosão democrática há anos acende o alerta da UE, que mais uma vez chamam a atenção.

No que diz respeito à Polônia, o relatório chama atenção para preocupações com a liberdade de imprensa e o combate à corrupção. Uma grande parte do capítulo dedicado ao país é ocupada pelo seu Judiciário, que continua a ser "uma fonte de sérias preocupações":

“Reformas realizadas desde 2015 aumentaram a influência dos poderes Executivo e Legislativo sobre o Judiciário, em detrimento da independência judicial”, diz o texto, citando casos levados ao Tribunal de Justiça da UE (TJUE).

Contexto: O antigo histórico de tensões entre a União Europeia com Hungria e Polônia

Há cinco dias, a Corte determinou que uma mudança no sistema judicial polonês para supervisionar os juízes — que introduziu a possível suspensão de sua imunidade para expô-los a processos criminais ou o corte seus salários — vai contra as normas europeias . A medida, dizem críticos, visa punir e afastar magistrados que não seguem a linha do partido governista Lei e Justiça (PiS).

O Tribunal Constitucional polonês, no entanto, determinou que o governo não precisa seguir as regras comunitárias no caso, e as autoridades se recusam a implementar a decisão da Justiça comunitária. Segundo o governo do PiS, a UE está interferindo em seu direito de fazer suas próprias leis, que seriam necessárias para aumentar a eficácia dos tribunais e remover o que considera "resíduos" do período comunista.

Na entrevista coletiva de lançamento do relatório, a vice-presidente para Valores e Transparência da UE, Vera Jourova, anunciou um ultimato: o bloco enviou uma carta à Polônia instando-a a aplicar as medidas cautelares determinadas pelo TJUE até o dia 16 de agosto. Caso contrário, a UE dará entrada em um procedimento para multar Varsóvia.

— A lei europeia tem precedência sobre a lei nacional. Todas as decisões do Tribunal de Justiça da UE são vinculantes, não há meio termo quanto a isso — afirmou Jourova.

A representante da UE afirmou que o valor de possíveis punições será determinado pelo tribunal europeu, mas as regras do órgão, segundo o jornal El País, preveem uma multa mínima de três milhões de euros. A quantia é fixada a partir das condições econômicas de cada país e seu peso no bloco, mas pode ser acompanhada de multas periódicas para punir desacatos.

União Europeia : Para contornar vetos de Orbán, Alemanha pede à UE que elimine a possibilidade de um país bloquear sozinho decisões do bloco

Hungria na mira

No caso da Hungria de Viktor Orbán, cujo governo aparece como um dos clientes do sistema de espionagem israelense Pegasus , o documento diz que "o pluralismo midiático continua em risco". Os problemas, diz o texto, se acirraram diante da pandemia de Covid-19 e do aumento do controle estatal sobre os veículos de imprensa, uma preocupação antiga de Bruxelas.

O documento afirma também que o sistema de pesos e contrapesos e a independência judicial no país "continuam a ser uma fonte de preocupação", chamando atenção para a eleição do novo presidente da Suprema Corte do país. Zsolt András Varga foi eleito em 2020 sem o aval dos outros magistrados e em meio a preocupações sobre a autonomia do Judiciário.

De olho em 2022 : Com eleição em vista, partido de Orbán propõe nova lei que discrimina LGBTs

O capítulo húngaro chama ainda atenção para a falta de progresso no combate à corrupção, afirmando que o "risco de clientelismo, favoritismo e nepotismo" nas altas esferas do governo húngaro continua. Segundo o documento, o país não tem mecanismos suficientes para detectar corrupção e não investiga como deve os casos que surgem.

O relatório também ressalta preocupações com a corrupção na Áustria e na Bulgária, além de problemas com conflitos de interesse na República Tcheca e com a erosão democrática na Eslovênia. Simultaneamente, o documento acende o alerta para riscos à independência midiática em vários países-membros, destacando ataques contra jornalistas, principalmente investigativos. Um caso citado é o assassinato do repórter holandês Peter De Vries em Amsterdã, no início do mês.

Fundos em xeque

O documento é lançado em um momento particularmente conturbado para as relações comunitárias, apenas cinco dias após Bruxelas dar entrada em um novo processo contra os governos nacional-populistas da Polônia e da Hungria, buscando obrigá-los a revogar medidas que discriminam a comunidade LGBTQIAP+ .

Há anos a Comissão Europeia tem enfrentamentos com ambos os países devido a questões relacionadas a violações do Estado de Direito e a direitos civis. O processo da semana passada é apenas o mais recente de uma série de ações, incluindo processos que acionam o Artigo 7 do Tratado da UE, que prevê a retirada do direito ao voto dos países que não seguem as leis do bloco.

A medida, contudo, precisa da aprovação dos 27 países-membros, e Varsóvia e Budapeste costumam se unir para impedir que a unanimidade se forme, afirmando que são vítimas de perseguição e ataques sem fundamento. O bloco, portanto, vem tendo dificuldades para implementar ações mais concretas.

Isso pode mudar depois que, no ano passado, Bruxelas condicionou ao respeito às normas democráticas a liberação de verbas do fundo de de 750 bilhões de euros (R$ 4,51 trilhões) para a reconstrução das economias da UE no pós-pandemia. Na semana passada, o bloco deixou claro que pretende agir ao afirmar que lançaria mão de todos os recursos possíveis para restaurar a ordem comunitária.

Devido a essa cláusula, a Comissão Europeia postergou a aprovação do plano de recuperação da Hungria, pelo qual o país deverá receber 7,2 bilhões de euros de subsídios. Em uma entrevista ao site húngaro hvg.hu, o comissário de Justiça da da UE, Didier Reynders, disse que o bloco só vai liberar fundos para Budapeste após o país realizar uma reforça judicial e investigar casos de corrupção.

Em 2020, a oposição da Hungria e da Polônia à medida condicionante bloqueou a aprovação do Orçamento europeu por meses, até que eventualmente concordaram com uma versão atenuada do mecanismo. Ainda assim, os governos dos dois países afirmaram já de antemão que recorreriam à Justiça caso fossem penalizados.

São quantias significativas para dois países com extrema dependência do fundo comunitário, que equivalem a 60% de todo o seu Orçamento público, mas cada vez mais isolados do restante do bloco. E o arsenal comunitário para punir suas transgressões não para por aí.

Se os processos contra os direitos da comunidade  LGBTQIAP+ ou contra as políticas anti-imigração têm poder limitado, ajudam a encurralá-los cada vez mais. Além disso, se chegarem ao Tribunal de Justiça da UE, podem desencadear multas e sanções custosas caso persistam com suas medidas, como o bloco ameaça fazer com a Polônia.