Mundo

Líderes separatistas catalães são condenados a até 13 anos de prisão

Tribunal Supremo espanhol não aceita tese de rebelião, mas considera Oriol Junqueras e outros 11 culpados de sedição; aeroporto vira epicentro dos protestos e voos são cancelados
General view of Plaza de Cataluya during a protest after a verdict in a trial over a banned independence referendum, in Barcelona, Spain October 14, 2019. REUTERS/Albert Gea Foto: ALBERT GEA / REUTERS
General view of Plaza de Cataluya during a protest after a verdict in a trial over a banned independence referendum, in Barcelona, Spain October 14, 2019. REUTERS/Albert Gea Foto: ALBERT GEA / REUTERS

MADRI —  Os líderes da tentativa de independência da Catalunha , ocorrida em 2017, foram condenados a até 13 anos de prisão na manhã desta segunda-feira. O veredicto veio oito meses após o início do julgamento, em meio a uma campanha eleitoral na Espanha que tem a questão catalã como um de seus principais temas. O resultado foi recebido com protestos imediatos, que têm seu epicentro no aeroporto de Barcelona, com intensos confrontos entre manifestantes e policiais. Ao menos 37 pessoas ficaram feridas.

O Tribunal Supremo espanhol descartou a tese de rebelião (insurreição com violência) defendida pelo Ministério Público, mas acolheu a acusação de sedição (sublevação contra a ordem constitucional) para nove dos 12 condenados, que já cumprem prisão provisória há dois anos.

Análise: Sánchez e os próprios separatistas sao os grandes beneficiados

O mais castigado foi Oriol Junqueras , ex-vice-presidente regional e um dos artífices do chamado “procés” (processo) de desconexão, que atingiu seu auge nos meses de outubro e novembro de 2017. Na ocasião, desobedecendo diferentes decisões dos tribunais em Madri, o governo catalão organizou um referendo considerado ilegal, que, apesar da participação minoritária da população — a participação foi de 43% dos eleitores — reuniu dois milhões  de pessoas e ficou marcado por uma violenta repressão policial cujas imagens deram a volta ao mundo. Algumas semanas depois, os mesmos líderes anunciaram a independência no Parlamento da Catalunha, suspendendo-a em seguida. Foi o suficiente para que o Estado central desse início à reação que culminou no julgamento.

Oriol Junqueras e mais 11 pegaram pena de até 13 anos de prisão
Oriol Junqueras e mais 11 pegaram pena de até 13 anos de prisão

— Eles se condenam a si próprios, porque a independência é inevitável — disse Oriol Junqueras na sua primeira manifestação por redes sociais após o anúncio da condenação.

Além da sedição, Junqueras e outros, como Raül Romeva (ex-secretário de política exterior da Catalunha), Dolors Bassa (ex-secretária de Trabalho) e Jordi Turull (ex-porta-voz do governo catalão), também foram condenados por mau uso de dinheiro público na organização do referendo. Outros, como a ex-presidente do Parlamento catalão, Carme Forcadell, tiveram penas de cerca de 11 anos unicamente por sedição. Todos tiveram seus direitos políticos suspensos pelo mesmo período da sentença. Três dos acusados foram absolvidos.

Quim Torra quer 'fim da repressão e libertação dos presos políticos'
Quim Torra quer 'fim da repressão e libertação dos presos políticos'

Segundo juristas, a sentença é definitiva, mas os agora condenados dispõem de três opções legais: recorrer ao Tribunal Constitucional alegando vulneração do seu direito à ampla defesa, recorrer ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos ou solicitar imediatamente o regime semiaberto, já que praticamente todos cumpriram um sexto da pena. O Ministério Público, no entanto, já sinalizou que recorrerá de uma eventual progressão imediata ao semiaberto, o que, na prática, garante que os presos não sairão da cadeia a curto prazo.

Leia também: ‘Temos um problema com o Estado, não com a Espanha’, diz Puigdemont

Protestos imediatos

As reações não demoraram, e as ruas das principais cidades catalãs, como Barcelona, Girona, Lleida e Tarragona, começaram a se encher de manifestantes alguns minutos depois do anúncio. Grupos de estudantes, manifestantes organizados nos chamados CDRs (Comitês de Defesa da República) e políticos já estavam mobilizados porque, desde sábado, partes da sentença já haviam vazado na imprensa espanhola.

Com faixas e cartazes, além de slogans, em catalão, espanhol e inglês, os manifestantes se apressaram em assumir o controle da narrativa internacional dos fatos. Às 17h, hora local, várias linhas de trens de subúrbio e do metrô de Barcelona permaneciam fechadas, com bloqueios policiais para evitar a passagem de manifestantes.

Um chamado pelas redes sociais feito pelo movimento Tsunami Democràtic atraiu cerca de oito mil pessoas ao Aeroporto Internacional El Prat, segundo a polícia, convertendo o terminal 1 da principal porta de acesso à Catalunha no epicentro dos protestos. Centenas de pessoas tentam invadir o aeroporto, e já houve confrontos entre eles e os agentes antidistúrbios. De acordo com a administração do aeroporto, ao menos 120 voos foram cancelados, e um número indeterminado sofre atrasos, já que os passageiros não conseguem chegar até o terminal. Os hospitais atenderam cerca de 53 feridos nos confrontos, a maioria dos choques no aeroporto, e uma pessoa foi presa.

Manifestantes ocuparam a Praça da Catalunha, em Barcelona, contra a decisão do Supremo espanhol. Na foto, um manifestante segura um cartaz que diz "Liberdade aos presos políticos!". Foto: RAFAEL MARCHANTE / REUTERS
Manifestantes ocuparam a Praça da Catalunha, em Barcelona, contra a decisão do Supremo espanhol. Na foto, um manifestante segura um cartaz que diz "Liberdade aos presos políticos!". Foto: RAFAEL MARCHANTE / REUTERS

Como resposta, o premier espanhol em exercício, Pedro Sánchez (Partido Socialista) também falou em inglês na sua primeira entrevista coletiva após o anúncio da decisão:

— Manifesto respeito e acatamento à decisão. O processo se desenvolveu com plenas garantias e absoluta transparência. O Estado cumprirá a decisão — disse Sánchez, descartando um indulto que vinha sendo aventado nos últimos dias. – Ninguém está acima da lei. Numa democracia, ninguém é julgado por suas ideias ou por defender uma posição política, mas pelo descumprimento da lei e das suas obrigações.

Para o líder do país, em nova campanha eleitoral após não conseguir formar um governo de maioria depois do o último pleito, em abril, a Catalunha já tem um autogoverno com alto grau de autonomia. Uma pesquisa do Centro de Estudos de Opinião da Generalitat, feita em junho e julho, indicou que 48,3% dos catalães rechaça a independência da regiao, contra 44% que a apoiam.

— [Os independentistas] ignoraram a maioria não independentista. Aplicaremos a legalidade com firmeza e serenidade, respondendo às eventuais transgressões com proporcionalidade e prudência. O governo contribuirá para o reencontro da sociedade catalã, que está fraturada pelo independentismo. A Generalitat [governo local] deve governar para todos —  concluiu Sánchez, que não respondeu às perguntas dos jornalistas.

O presidente regional, Quim Torra, atacou as instituições espanholas e exortou a população a protestar “pacificamente” contra o que chamou de “grande injustiça”:

— Fazer um plebiscito não é um crime contemplado no Código Penal. Hoje houve vingança, não [houve] justiça. O povo catalão não aceitará isso — disse, estendendo pontes ao governo central ao solicitar uma reunião com Sánchez e outra com o rei Felipe VI para tratar da crise catalã.

O presidente regional da Catalunha, Quim Torra, concede um discurso após a sentença da Suprema Corte da Espanha Foto: LLUIS GENE / AFP
O presidente regional da Catalunha, Quim Torra, concede um discurso após a sentença da Suprema Corte da Espanha Foto: LLUIS GENE / AFP

Outras manifestações contrárias à sentença incluíram o clube de futebol Barcelona, que pediu diálogo e a não judicialização do problema catalão, além do ex-presidente regional da Catalunha, Carles Puigdemont , autoexilado na Bélgica desde a época das prisões, e da prefeita de Barcelona, Ada Colau. A Justiça espanhola emitiu uma nova ordem de detenção internacional contra Puigdemont nesta segunda.

— Apesar das sentenças injustas e desumanas, nada nos separará de nossas convicções. Pelo contrário, hoje está mais claro que nunca a necessidade de viver em um Estado verdadeiramente democrático — disse Puigdemont. — Os direitos de protesto, reunião e expressão são laminados por aqueles que deveriam ser seus garantidores.

Conservadores comemoraram

Candidatos conservadores ao governo central, Pablo Casado (Partido Popular) e Albert Rivera (Cidadãos), manifestaram apoio aos veredictos. Curiosamente, o candidato da extrema direita, Santiago Abascal (Vox), atacou a sentença por ter deixado de fora a acusação de rebelião. Ele sugeriu que o partido, que atuou como acusação privada no caso, poderá recorrer ao Tribunal Constitucional, pedindo o endurecimento das penas.

Em outras partes da Europa, onde a questão catalã é acompanhada de perto, as reações não demoraram a se fazer conhecer. Rapidamente, a hashtag #SpainIsAFascistState (A Espanha é um Estado fascista) se converteu em trending topic mundial no Twitter. A primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, ela própria uma nacionalista cuja formação política, o Partido Nacional Escocês, advoga pela independência do Reino Unido, lamentou a condenação:

— Qualquer sistema político que conduza a um resultado tão terrível precisa de uma mudança urgente — analisou, pedindo que a Espanha permita um plebiscito legal e organizado para consultar a população catalã sobre o tema.

As polícias regional e nacional acionaram imediatamente mais de dois mil soldados antidistúrbios para patrulhar as ruas de Barcelona e outras cidades. Espera-se uma radicalização na reações na próximas horas e dias.

— A verdade é que poucos conseguiram ler a sentença, que tem mais de 600 páginas. Antes de lançar proclamas, é preciso analisá-la bem. A parte central, entre as páginas 266 e 285, que trata da inexistência de rebelião, é exemplar, muito bem amparada juridicamente. O tribunal sem dúvida fez um grande esforço jurídico, ao estar sob o escrutínio do país e do mundo — descreveu o catedrático em direito penal Fermín Morales. — Uma sentença que não se rende à narrativa fácil e binária entre os grupos opostos é, em si, uma boa sentença.