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Milhares de pessoas voltam às ruas na Bielorrússia para protestar contra Lukashenko

Apesar da repressão, protestos continuam 14 dias depois de eleição que teve resultado contestado; União Europeia diz que é preciso insistir em negociações com dirigente no poder desde 1994
Manifestantes voltam às ruas de Minsk, na Bielorrússia, para protestar contra o presidente Lukashenko Foto: SERGEI GAPON / AFP/23-08-2020
Manifestantes voltam às ruas de Minsk, na Bielorrússia, para protestar contra o presidente Lukashenko Foto: SERGEI GAPON / AFP/23-08-2020

MINSK - Milhares de pessoas voltaram às ruas neste domingo, em Minsk, capital da Bielorrússia, em uma nova manifestação que visa manter a pressão contra o regime , confrontado com um movimento de protesto histórico desde que o presidente Alexander Lukashenko proclamou sua vitória com quase 80% dos votos na eleição do último dia 9.

A imprensa local e grupos de oposição no Telegram falam em 100 mil participantes. Os manifestantes pedem a renúncia de Lukashenko e novas eleições livres e limpas. Desde o início das manifestações, quatro pessoas morreram e milhares foram detidas. Alguns dos opositores presos denunciaram ter sofrido tortura.

No poder há 26 anos, Lukashenko, de 65 anos, prometeu "resolver o problema" das manifestações que, segundo ele, são instigadas por países estrangeiros. Ele pôs o Exército em alerta, acusando a Otan, a aliança militar ocidental, de realizar manobras nas fronteiras da Bielorrússia. Na sexta-feira, integrantes de um Conselho de Coordenação recém- formado pela oposição foram intimados pela Justiça a depor.

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Neste domingo, milhares de pessoas, incluindo trabalhadores da fábrica estatal de tratores MTZ, dirigiram-se ao centro da capital, Minsk, carregando bandeiras brancas e vermelhas, as cores da oposição, segundo jornalistas da AFP.

No centro da cidade, outros milhares gritaram "Liberdade" e “Lukashenko no furgão da polícia". Nos arredores, integrantes da polícia antimotins foram mobilizados com canhões de água, ainda de acordo com a AFP. Manifestações em outras cidades do país também foram noticiadas em grupos de oposição no Telegram.

A multidão depois marchou direção ao Palácio da Independência, residência do presidente, no extremo norte da capital. A polícia acabou não intervindo.

Pouco antes do início da marcha, o Ministério do Interior alertou contra as manifestações "ilegítimas" e pediu aos cidadãos que ajam "com sensatez". Já o Ministério da Defesa alertou que, em caso de incidentes perto dos memoriais da 2ª Guerra Mundial, onde ocorreram protestos nas últimas duas semanas, os responsáveis terão de se explicar "não à polícia, mas ao Exército".

— Estou muito orgulhosa, porque depois de 26 anos de medo os bielorrussos estão prontos para defender seus direitos — disse a líder da oposição Svetlana Tikhanovskaya, que foi obrigada a fugir para a Lituânia logo depois da eleição de 9 de agosto. — Peço que continuem, não parem, porque é muito importante permanecermos unidos na luta por nossos direitos.

Tikhanovskaya foi a principal adversária de Lukashenko no pleito. Ela entrou na disputa depois que o marido, um blogueiro opositor, foi preso. Segundo os resultados oficiais, teve 10% dos votos. Tikhanovskaya diz que seu objetivo é a realização de novas eleições, e que não concorreria caso elas ocorressem.

Até agora, o presidente bielorrusso manteve-se firme em sua posição de não negociar com a oposição. Apesar de contar com o apoio do Exército, da polícia e dos serviços secretos, alguns de seus aliados na mídia estatal e em empresas públicas, base da economia local, o abandonaram.

Posição europeia

Embora a União Europeia e a própria Otan tenham evitado enquadrar a disputa como um reflexo da rivalidade entre a aliança ocidental e a Rússia, com quem Lukashenko tem uma parceria conflituosa, o dirigente bielorrusso vem adotando o discurso do inimigo externo.

No sábado, ele visitou as unidades militares em Grodno, perto da fronteira polonesa, onde afirmou que os protestos são instigados "do exterior" e ordenou "medidas mais rígidas para defender a integridade territorial do nosso país".

Lukashenko afirmou ainda ter observado "importantes manobras das forças da Otan nas proximidades" das fronteiras bielorrussas, na Polônia e na Lituânia, e anunciou que as Forças Armadas entraram em alerta. A Otan nega a realização das manobras.

A União Europeia ofereceu a mediação da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), da qual tanto a Bielorrússia quanto a Rússia fazem parte. De acordo com líderes europeus, o presidente russo Vladimir Putin teria concordado, mas Lukashenko ainda não.

O chefe da diplomacia europeia, o espanhol Josep Borrell, declarou que a UE deve lidar com o presidente bielorrusso, mesmo que não reconheça sua legitimidade, e o comparou ao venezuelano Nicolás Maduro.

— Desse ponto de vista, Maduro e Lukashenko estão exatamente na mesma situação. Não reconhecemos que tenham sido eleitos legitimamente, mas, queiramos ou não, eles controlam o governo e temos que continuar lidando com eles, apesar de não reconhecer sua legitimidade democrática — disse Borrell em uma entrevista neste domingo ao jornal espanhol El País.