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Na OEA, chanceler de Evo Morales pede missão para checar violações de direitos humanos

Reunião convocada pelo Brasil, de retórica inflamada, fica dividida entre críticos e defensores do ex-presidente e não chega a consenso
A representante interina da Bolívia na reunião da OEA em Washington nesta terça-feira Foto: OLIVIER DOULIERY / AFP
A representante interina da Bolívia na reunião da OEA em Washington nesta terça-feira Foto: OLIVIER DOULIERY / AFP

Em meio a uma previsível polarização entre apoiadores e críticos de Evo Morales que impediu que se chegasse a uma resolução comum, a reunião extraordinária da OEA sobre a crise na Bolívia teve por única medida prática um pedido da representação boliviana — ainda integrada por indicados de Morales — para que uma missão da entidade verifique presencialmente violações de direitos humanos no país andino.

O chanceler de Morales, Diego Pary, é um dos únicos remanescentes do governo que não renunciou ao cargo no governo, e enviou uma mensagem para a reunião em Washington nesta terça-feira. O texto foi lido por uma jovem diplomata boliviana, porque o embaixador do país na OEA, José Alberto Gonzáles, renunciou mais cedo.

— É por demais evidente que a violência se apoderou do país. A solução ainda não se viabiliza. Solicitamos que OEA possa atuar de imediato para contribuir para encontrar paz social e entendimento. COnvidamos, assim, que uma missão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos possa se constituir para verificar in situ o que é acontece — afirmou Pary em sua nota.

O texto do chanceler também criticou a OEA, afirmando que o “papel do fórum interamericano é convocar a pacificação e não a confrontação”. “É evidente que a fraude e a auditoria foram só desculpas para consumar a violação da ordem constitucional e destituir Morales”, afirmou.

O secretário-geral da OEA, Luis Almagro, defendeu a organização, que tem sofrido críticas por não criticar explicitamente a oposição boliviana, concentrando-se unicamente em críticas a Morales. Uma auditoria, de caráter vinculante, realizada por uma comissão da OEA concluiu que o resultado do pleito de 20 de outubro era ilegítimo.

— Houve um golpe de Estado, cometido no dia 20 de outubro. O seu objetivo era a perpetuação no poder, de forma ilegítima e inconstitucional — disse Almagro. — Isso sim é voltar aos piores momentos do Hemisfério.

Morales renunciou no próprio domingo, após ser “convidado” pelas Forças Armadas do país a fazê-lo. O ex-presidente deixou a Bolívia na noite de segunda-feira, rumo ao México, que lhe concedeu asilo político. Ele diz ter sofrido ameaças de morte, e ter sido vítima de um golpe “cívico-policial”.

Em relação à pressão do Exército, Almagro disse que, ao se referir a golpe “cívico-policial”, o próprio Morales “quer deixar de fora o Exército, quer deixar claro que não foi a ação dessa força” a responsável por sua queda. O secretário-geral interamericano disse que as Forças Armadas atuaram “conforme seu mandato” e que prova disso é que “o poder não foi tomado por ninguém, ninguém ascendeu ao poder”.

Após condenar ações violentas de oposição e situação, destacou que “um processo de diálogo entre as parte é imprescindível”, oferecendo a sua organização como mediador. Ele destacou que a solução deve estar prevista na Constituição boliviana, e disse considerar “irregular um governo de notáveis, mesmo que de transição”.

— Isto não está previsto na Constituição, é preciso que a institucionalidade se afirme — disse.

A reunião extraordinária foi convocada pelo Brasil, e apoiada por outros 14 dos 34 países da OEA, incluindo Argentina, EUA, Colômbia, Peru e Venezuela (representada por um emissário de Juan Guaidó).  No começo do encontro, o embaixador brasileiro na OEA, Fernando Simas, leu uma carta em nome dos 15 países, na qual há “um chamado à paz social” e “a defesa da democracia”.

A nota também faz um chamado para a definição de uma “Presidência provisória”, de acordo com a Constituição, e pede por novas eleições “o mais rápido possível”, que devem contar “com novas autoridades eleitorais e com observadores internacionais, para gerar credibilidade no processo de transição democrática”.

Na intervenção brasileira, Simas voltou a falar em “estelionato eleitoral” e afirmou ter havido uma “tentativa despudorada de fraude eleitoral maciça”, sem referência à pressão advinda das Forças Armadas pela renúncia do presidente. Além de pedir por novas eleições, o Brasil defendeu que sejam “identificados e punidos, na forma da lei, os responsáveis pelos crimes eleitorais que tiraram do povo boliviano o inalienável direito de escolher livremente seus governantes”.

As defesas mais veementes de Morales vieram do México e do Uruguai. O primeiro denunciou “uma grave ruptura da ordem constitucional”. A representante mexicana, Rita Sciolli, lembrou que, após a divulgação do resultado da auditoria, o ex-presidente propôs a realização de novas eleições, mas que o Exército pedi” sua renúncia.

— A pressão que Morales recebeu das Forças Armadas configura um golpe de Estado, que o México rechaça — afirmou. — É preciso deixar de lado as tentações de intervenção, os dias dolorosos nos quais as Forças Armadas sustentavam e retiravam governo.

Sciolli lembrou também da tradição mexicana de outorgar asilos políticos, incluindo para figuras como José Martí, León Trotsky, Fidel Castro e Héctor Cámpora, e voltou a questionar pronunciamentos recentes da OEA, que considerou enviesados. O embaixador uruguaio, Hugo Cayrús, também denunciou um golpe de Estado:

— Desde quando uma sugestão das Forças Armadas e policiais pode ser considerada como tal? O eufemismo nesse caso é um abuso — disse. — Morales imediatamente reconheceu a auditoria, mesmo se tratando de um informe preliminar. Mesmo assim, a violência continuou, deixando claro que havia forças na Bolívia que agiam com a única intenção de quebrar a ordem constitucional.

O embaixador americano, Carlos Trujillo, leu uma nota de tom muito agressivo, classificando a alegação de que houve um golpe como “ridículo”, e chamando o princípio de não interferência como “hipócrita”.