Mundo Coronavírus

Ômicron faz casos dispararem na África do Sul, mas gravidade ainda permanece baixa

Primeiro diagnóstico da nova cepa foi há menos de três semanas, e internações só agora começam a ocorrer; países africanos criticam vetos a viagens e acusam 'afrofobia'
Mulher faz teste PCR para a Covid-19 no laboratório lancet, em Johanesburgo Foto: EMMANUEL CROSET / AFP
Mulher faz teste PCR para a Covid-19 no laboratório lancet, em Johanesburgo Foto: EMMANUEL CROSET / AFP

Países como África do Sul, Botsuana e Lesoto estão no centro dos holofotes globais por causa da descoberta da variante Ômicron da Covid-19, apesar de a disseminação da nova cepa ainda ser muito incipiente e o número de casos, relativamente pequeno para que se tirem maiores conclusões. Mas os primeiros indícios do potencial comportamento da recém-descoberta variante vêm da África do Sul, o primeiro a identificá-la..

Perguntas e respostas : O que já se sabe sobre a variante Ômicron

Até o momento, a proporção de pessoas diagnosticadas com Covid-19 que foram internadas na África do Sul nas últimas duas semanas é similar à de surtos provocados por outras cepas, disse Waasila Jassat, especialista de saúde pública no Instituto Nacional para Doenças Comunicáveis sul-africano, em uma entrevista coletiva. Nenhum país, no continente ou fora, confirmou até o momento mortes causadas pela Ômicron.

Presta-se mais atenção na África do Sul porque foi lá que se detectou o primeiro caso da doença e é lá que há mais diagnósticos confirmados — é também a nação com melhor infraestrutura da região, tendo assim mais recursos para fazer um controle do quadro epidemiológico e sequenciamento genômico do vírus. Nesta segunda-feira, uma das principais autoridades sanitárias do país disse que o número de novos diagnósticos diários pode triplicar até o fim da semana, ultrapassando 10 mil.

Epicentro entre os jovens

A média móvel de 14 dias das pessoas internadas diariamente na província de Gauteng, epicentro da crise sanitária sul-africana — 84% dos novos casos estão concentrados lá — era de 49 na última sexta-feira. Na quinzena anterior, o número havia ficado em 18.

As mortes não crescem na mesma proporção, mantendo-se praticamente estáveis. Hoje, em média 0,53 pessoa por milhão morre diariamente devido à Covid-19 na África do Sul. No Brasil, para fins comparativos, a taxa é de 1,08. Hoje, até mesmo a incidência de casos por lá é inferior: 42 em cada milhão de brasileiros são diagnosticados por dia com o vírus, contra 30 para cada milhão de sul-africanos.

A tendência de crescimento, ainda assim, é precupante: em 11 de novembro, o país registrava em média 300 infecções diárias, contra 3,2 mil vistas no domingo. O epicentro é em Gauteng — mais especificamente, entre pessoas na casa dos 20 e 30 anos. A faixa etária, por si só, é mais um complicante para entender o impacto da Ômicron.

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Com menos comorbidades, os jovens são naturalmente menos vulneráveis a quadros graves da doença. São também os menos vacinados, cobertura ainda mais defasada levando em conta que pouco menos de 25% da população sul-africana está completamente inoculada.

Jassat,  do Instituto Nacional para Doenças Comunicáveis, disse que cerca de 87% dos internados na província não estão completamente vacinados, e que há um número significativamente alto de crianças pequenas precisando de hospitalização. Entre 14 e 28 de novembro, 62 crianças com menos de 2 anos foram internadas, 20 a mais que entre aqueles na faixa etária dos 30 aos 32 anos. Ele alertou, contudo, que ainda não é possível saber se isso é relacionado à nova forma do vírus.

Diferentemente de outros países africanos, onde há um problema real com a escassez de doses, a África do Sul encontra problema para driblar a desconfiança popular na vacinação. O presidente Cyril Ramaphosa disse no fim de semana que avalia tornar a inoculação obrigatória para que a população possa usar transportes públicos e ingressar em prédios oficiais, por exemplo, mas até agora nada foi anunciado. O presidente também descartou, neste momento, impor uma quarentena nacional.

Eficácia das vacinas

Segundo Salim Abdool Karim, conselheiro-chefe do governo durante a resposta inicial à crise sanitária, em 2020, as vacinas devem ser eficazes na prevenção de casos graves da doença — os laboratórios dizem que levarão cerca de duas semanas para ter dados mais eficazes. A Ômicron apresenta um total de 50 mutações, quase o dobro das vistas na Delta — mais de 30 delas apenas na proteína spike, usada pelo vírus para invadir as células e alvo da maior parte dos imunizantes.

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Evidências preliminares sugerem que a nova variante aumenta o risco de reinfecção, mas o número elevado de mutações não significa necessariamente que a cepa é mais perigosa. Como seu primeiro caso foi confirmado apenas no dia 11, levando-se em conta o ciclo da Covid, é neste momento que seu impacto nas internações começa a ser sentido.

— Pacientes vacinados tendem a se sair muito melhor. Ainda não vimos um aumento significativo das internações, mas ainda é muito cedo  — afirmou o médico Unben Pillay, também em entrevista coletiva.

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Vetos a viagens

Regionalmente, tanto na África do Sul quanto no resto da região, o sentimento popular parece ser de mais irritação com as limitações impostas à região do que propriamente de medo da Ômicron. As perdas econômicas causadas pelo desaparecimento do turismo ameaçam atrasar ainda mais a recuperação da economia:

— Eu dependo disso para viver — disse à Deutsche Welle um vendedor de chapéus do Malauí que trabalha na Praça Greenmarket, na Cidade do Cabo. — O que eu estou preocupado é com os meus filhos e com a minha família. O que eles vão comer?

Autoridades por todo o continente africano ecoam as reclamações populares: o presidente do Malauí, Lazarus Chakwera, disse que os vetos constituem "afrofobia". Destacando que a Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomenda vetos a viagens, Ramaphosa disse que seu país está sendo castigado por sua "capacidade avançada no sequenciamento de genomas". Declaração similar foi feita pelo ministro da Saúde de Botsuana, Edwin Dikoloti.

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Em vez de proibir o fluxo de viajantes, disse o presidente, as nações desenvolvidas deveriam se concentrar em apoiar o mundo em desenvolvimento na luta contra a pandemia . Enquanto muitos países ricos e emergentes já administram doses de reforço e têm injeções de sobra, apenas 6,6% da população africana de 1,2 bilhão de habitantes estão totalmente vacinados.

— O povo da África não pode ser culpado pelo nível imoralmente baixo de vacinações disponíveis na região, e não deve ser penalizado por identificar e compartilhar com o mundo informações científicas e sanitárias cruciais para o mundo — disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertando contra o isolamento do continente, e pedindo para que os países recorram a testes e medidas sanitárias que permitam viagens e engajamento, em vez do veto.

O presidente chinês, Xi Jinping, anunciou nesta segunda que doará 1 bilhão de doses adicionais ao continente africano, mas não está claro quando.