Mundo Coronavírus

Pandemia levou a aumento de conflitos sociais no mundo, revela ranking que mede a paz no planeta

Brasil volta a cair no Índice de Paz Global (GPI); violência doméstica e crimes de ódio também cresceram
Policiais detêm manifestante durante protesto em Cali, na Colômbia Foto: LUIS ROBAYO / AFP
Policiais detêm manifestante durante protesto em Cali, na Colômbia Foto: LUIS ROBAYO / AFP

A pandemia afetou a paz em 2020: enquanto houve queda nos níveis de conflitos e terrorismo, a instabilidade política e as manifestações violentas aumentaram em todo o mundo, assim como a violência doméstica e os crimes de ódio. Os dados são da 15ª edição do Índice de Paz Global (GPI), ranking que mede a paz no planeta, publicado nesta quinta-feira pelo Instituto para Economia e Paz (IEP). Pelo terceiro ano consecutivo, o Brasil caiu mais duas posições no ranking, e agora passa a ocupar o 128º lugar, de um total de 163 países.

O aumento de conflitos sociais e protestos foi causado principalmente pelo impacto econômico da Covid-19. Das quase 15 mil manifestações violentas e motins registrados globalmente, um terço foi contra medidas relacionadas à pandemia ou por efeitos econômicos causados pelos bloqueios e lockdowns adotados, entre janeiro de 2020 e abril de 2021. Segundo o documento, Índia, Chile, Itália, França, Alemanha e África do Sul foram particularmente afetados pelas manifestações.

Entenda : Pelo segundo ano consecutivo, Brasil cai 10 posições em ranking que mede a paz no planeta

Steve Killelea, fundador e presidente-executivo do IEP, explica que as agitações sociais vêm crescendo ao longo da última década, mas a pandemia acelerou essa mudança. E faz um alerta: as consequências econômicas causadas pela Covid-19 criarão ainda mais incertezas, especialmente para os países que já estavam com dificuldades socioeconômicas.

— O que vimos no ano passado são esses efeitos potencialmente desestabilizadores devido à incerteza associada à Covid-19. Não só protestos pelo fato de os cidadãos terem sua liberdade violada com os lockdowns impostos, mas especialmente por conta da desaceleração econômica que vem com uma pandemia — explica ao GLOBO Serge Stroobants, Diretor do IEP para Europa, Oriente Médio e Norte da África.

E mais : Até 12 mil pessoas podem morrer de fome por dia no mundo até o fim de 2020 por causa da pandemia, alerta Oxfam

A região onde houve pior queda no índice de paz é a América do Norte, graças aos Estados Unidos, onde além do aumento nas manifestações contra medidas restritivas e pelo movimento Black Live Matters , houve deterioração da estabilidade política sob o governo do ex-presidente Donald Trump, que culminou com a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro deste ano.

Segundo o documento, o nível de paz nos EUA é o mais baixo desde 2008. O relatório aponta ainda para um aumento significativo nos homicídios em muitas cidades do país no ano passado.

— Vimos uma diminuição na pontuação geral e, basicamente, em todos os três aspectos principais que analisamos. Essa diminuição claramente está ligada à polarização e à instabilidade política nos Estados Unidos. Na questão de segurança, além dessa instabilidade, as manifestações violentas também levaram a piora dos índices.

Leia também : Gastos militares registraram o maior aumento em uma década antes da pandemia

Na América do Sul, região que teve a segunda maior deterioração no mundo, o Brasil está à frente apenas da Venezuela, em 152º lugar, e da Colômbia, em 144º.  No caso da Venezuela, houve aumento do chamado "terror político", com violações de direitos políticos e altos níveis de corrupção e repressão por parte do governo de Nicolás Maduro. Já na Colômbia, país que registrou a segunda maior deterioração na pontuação geral, o aumento nas manifestações e a repressão violenta por parte do governo do presidente Iván Duque levaram à alta deterioração.

No caso do Brasil, as medidas de bloqueio tomadas por conta da pandemia não impactaram no número de homicídios, que continua alto .

— Em toda a América do Sul,  podemos citar o aumento do número de refugiados e deslocados internos, o crescimento do que chamamos de terror político, do número de policiais por habitante, do acesso a armas, além das manifestações e crimes violentos, da alta criminalidade e das taxas de homicídio. Tudo isso se tornou a região menos pacífica no ano passado — explica Stroobants.

O Brasil também foi o país que registrou mais alto grau de  percepção de violência: quase 83% da população afirma temer ser vítima de um crime violento e mais de 40% dos brasileiros relata ter vivido uma experiência de violência nos últimos dois anos. Mesmo assim, Stroobants explica que há uma discrepância entre a percepção do medo e o nível real, ou seja, a percepção da violência e o nível real da violência no país.

Democracia : Pandemia ameaça facilitar erosão da democracia em países como Hungria e Rússia

Dos 163 países avaliados, 87 apresentaram melhoras nos números, enquanto os outros 73 registraram algum tipo de deterioração. A Islândia se manteve como o país mais pacífico do mundo, posição que ocupa desde 2008. O topo do ranking ainda traz Nova Zelândia, Dinamarca, Portugal e Eslovênia. Já o Afeganistão é o país menos pacífico pelo quarto ano consecutivo, seguido por Iêmen Síria, Sudão do Sul e Iraque.

O Índice de Paz Global acompanha e classifica o status da paz em 163 países e territórios independentes em todo o mundo, observando onde os conflitos estão aumentando e diminuindo e os fatores que estão influenciando a mudança. Ele é realizado por um painel de especialistas a partir de 23 indicadores que incluem nível de militarização, impacto do terrorismo, número de mortes violentas e capacidade nuclear, dentre outros fatores.