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Partido da chanceler Angela Merkel se une pela primeira vez à extrema direita para eleger líder estadual

Atitude inédita gerou revolta entre correligionários; Paul Ziemiak, secretário-geral da CDU, acusou deputados de terem compactuado com nazistas
Pessoas protestam contra eleiçao regional de Thomas Kemmerich na Turíngia Foto: ANNEGRET HILSE / REUTERS/5-2-2020
Pessoas protestam contra eleiçao regional de Thomas Kemmerich na Turíngia Foto: ANNEGRET HILSE / REUTERS/5-2-2020

BERLIM - A União Democrata Cristã (CDU) da chanceler alemã Angela Merkel se alinhou à extrema direita para eleger o primeiro-ministro do estado da Turíngia, no leste do país. A atitude inédita provocou  um cisma na tradicional sigla conservadora.

O secretário-geral da CDU, Paul Ziemiak , afirmou em entrevista em Berlim que este é “um dia escuro para a Turíngia” e sugeriu que sejam convocadas novas eleições no estado. Ziamiak lembrou que o partido da chanceler tem por princípio excluir qualquer aliança ou cooperação com o extremista Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla original), seja em nível nacional ou regional.

— O mais grave, no entanto, é constatar que os deputados locais da CDU tenham considerado que é possível realizar uma eleição junto com os nazistas — esbravejou Ziemiak.

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A eleição de Thomas Kemmerich , do Partido Democrático Liberal (FDP), como chefe do governo estadual, pegou de surpresa até mesmo as lideranças conservadoras e liberais em Berlim.

Essa é a primeira vez na história do pós-guerra na Alemanha que um líder regional é eleito graças aos votos da extrema direita, e também é a primeira vez que as direitas moderada e radical votam juntas nesse tipo de eleição parlamentar.

A votação revela não apenas como o AfD atropelou a política do país com sua presença em todos os 16 estados da Alemanha. Ela também põe em foco a atual líder da CDU e possível sucessora de Merkel, Annegret Kramp-Karrenbauer, que havia jurado impedir qualquer cooperação com o AfD. Essa linha agora ficou embaçada e Merkel corre o risco de ter sua reputação manchada caso não responda com firmeza.

Os social-democratas, parceiros de coalizão da CDU em nível federal, não perderam tempo em classificar a situação como traição política. Eles disseram que o partido de Merkel, que negou que houvesse cooperação planejada com a AfD, cruzou a linha vermelha ao apoiar um candidato com ajuda da extrema direita.

— É uma catástrofe — disse a social-democrata Diana Lehmann, deputada estadual na Turíngia. — É mais do que romper um tabu. O FDP e a CDU estão tornando a AfD palatável.

Golpe baixo

A eleição ocorreu após meses de negociações infrutíferas para tentar formar uma coalizão majoritária após a eleição regional de outubro. O AfD, que cresceu explorando sua oposição à política de imigração de Merkel, ficou em segundo lugar nas eleições estaduais daquele mês. O primeiro-ministro do estado, Bodo Ramelow, do partido a Esquerda, perdeu a maioria para liderar a coalizão regional ao lado dos social-democratas e dos verdes.

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A votação desta quarta-feira pretendia confirmar Ramelow para um segundo mandato à frente de um governo minoritário. Depois de duas votações em que não conseguiu a maioria absoluta do Parlamento regional, Ramelow deveria ser confirmado com uma maioria simples. Em vez disso, o FDP indicou Thomas Kemmerich como candidato, com o apoio da CDU.

Foi nesse momento que a AfD, que havia indicado seu próprio candidato, voltou atrás e apoiou o liberal Kemmerich, impedindo a reeleição de Ramelow. Em outubro, o FDP mal obteve votos suficientes para entrar no Legislativo estadual.

"Esta eleição na Turíngia é a primeira peça do mosaico de uma mudança política fundamental na Alemanha", disse o colíder da AfD, Joerg Meuthen, em uma declaração. "O espectro socialista da gestão pós-comunista de Ramelow chegou ao fim."

Já o líder da CDU na Turíngia, Mike Mohring, disse esperar que o novo premier mantivesse uma "separação clara" da AfD, mesmo que tenha sido eleito com a ajuda do partido de extrema direita.