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Por que a Coreia do Norte começou a lançar tantos mísseis de repente?

Mais dois testes foram realizados nesta terça-feira. Kim Jong-un aprendeu que as explosões são a melhor maneira de chamar a atenção de Washington, especialmente quando a situação global já está instável
Foto fornecida pelo governo da Coreia do Norte mostra o teste de um míssil no dia 17 de janeiro Foto: Agência Central de Notícias da Coreia do Norte
Foto fornecida pelo governo da Coreia do Norte mostra o teste de um míssil no dia 17 de janeiro Foto: Agência Central de Notícias da Coreia do Norte

SEUL —   A Coreia do Norte começou o ano novo com a convocação de uma reunião do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Norte, o único partido do país, durante a qual muito pouco foi dito sobre os Estados Unidos. Aquele silêncio sobre o assunto não durou muito.

Kim Jong-un, o ditador norte-coreano, lançou seis mísseis balísticos em quatro testes de armamentos desde 5 de janeiro. Em um mês, foram quase tantos mísseis quanto a Coreia do Norte lançou em todo o ano passado. Nesta terça-feira, os militares sul-coreanos confirmaram que o Norte disparou mais dois mísseis de cruzeiro, em seu quinto teste de 2022.

A mensagem era clara: o líder norte-coreano sente que está sendo ignorado e quer pressionar o governo de Joe Biden a prestar atenção ao seu país de economia pobre.

Individualmente, os testes podem não ter grandes novidades – eles envolveram mísseis que já foram testados ou armas que ainda estão em desenvolvimento. Mas juntos, sinalizam que Kim planeja usar 2022 para tirar o governo Biden de seu sono diplomático.

Kim precisa que Washington faça concessões econômicas para melhorar a economia devastada de seu país. Ao longo dos anos, ele aprendeu que a melhor maneira de chamar a atenção de um presidente americano é com armas. E que o melhor momento para fazê-lo é quando o mundo tem menos condições de arcar com a instabilidade.

Por esse ângulo, 2022 parece um ano promissor.

A China está ocupada se preparando para os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim no próximo mês. A Coreia do Sul elege um novo presidente em março. A Rússia insinua uma possível invasão da Ucrânia e mantém o governo Biden em suspense.

Durante uma reunião do Politburo na quarta-feira passada, Kim sugeriu que seu governo poderia mais uma vez começar a testar mísseis de longo alcance e dispositivos nucleares, após suspender tais testes antes de sua reunião de cúpula de 2018 com o então presidente Donald Trump.

— O objetivo de Kim é tornar rotineiros os voos de mísseis balísticos de curto alcance, como um fato da vida sem repercussões. A partir daí, ele passará para provocações maiores, retomando testes de mísseis de médio e longo alcance, intervalados por um teste nuclear, como fez em 2017 — disse Lee Sung-yoon, especialista em Coreia do Norte na Escola Fletcher da Universidade Tufts, em Boston.

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Naquele ano, a Coreia do Norte testou o que chamou de bomba de hidrogênio e também lançou três mísseis balísticos intercontinentais. Foi também o ano em que Trump assumiu o cargo nos Estados Unidos. A Coreia do Sul tinha acabado de destituir sua presidente.

Quarta-feira foi a segunda vez que Kim ameaçou suspender a moratória sobre mísseis de longo alcance e testes nucleares. Depois que sua diplomacia com Trump terminou sem um acordo em 2019, ele disse que não se sentia mais obrigado ao compromisso. Mas ele não voltou a realizar esses testes, e seu país logo precisou lidar com a pandemia de coronavírus.

Este ano também marca o início da segunda década de Kim no poder, e os testes oferecem-lhe  uma chance para reafirmar sua autoridade. Desde que assumiu, ele se concentrou em fortalecer o arsenal do país, para assim validar o governo dinástico de sua família, apresentando-se como o protetor da Coreia do Norte contra invasões estrangeiras.

A Coreia do Norte por ora se concentra em testar mísseis que podem carregar o que chama de armas nucleares “menores, mais leves e táticas”. Esses tipos de armas não representam uma ameaça direta aos Estados Unidos, mas podem aumentar a influência de Kim junto a Washington, colocando aliados americanos como Coreia do Sul e Japão sob ameaça nuclear.

Washington não tomou medidas para atrair Kim e levá-lo a negociar, exceto propor negociações “sem pré-condições”, um pedido morno que a Coreia do Norte rejeitou. Enquanto isso, o país vê as armas como ferramentas para trazer Washington à mesa de negociações. E por essa lógica, quanto mais poderoso o arsenal, mais poder Kim tem.

“A Coreia do Norte espera que, se continuar a demonstrar suas capacidades nucleares, mas confiná-las à Península Coreana, não irá irritar a opinião pública nos Estados Unidos e fortalecerá as vozes que pedem um acordo”, escreveu em artigo recente Cha Du-hyeogn, um dos principais especialistas em Coreia do Norte no Asian Institute for Policy Studies, com sede em Seul.