Putin anuncia ações do Estado na economia para enfrentar guerra e diz que 'domínio global do Ocidente' está no fim
Presidente mistura nacionalismo, vitimismo e desafio aos EUA e à UE em discurso, mas reconhece que povo russso vai enfrentar mais desemprego e inflação
André Duchiade
16/03/2022 - 12:57
/ Atualizado em 16/03/2022 - 20:27
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, na reunião televisionada com ministros desta quarta-feira Foto: Agência RIA
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, anunciou nesta quarta-feira um pacote econômico em que o Estado assume um papel muito maior na economia russa, com medidas como pagamentos de auxílios a pessoas com dificuldades e controle de preços de bens essenciais.
As medidas foram anunciadas em um discurso de alto teor político, no qual o presidente se dirigiu ao povo russo para justificar a invasão da Ucrânia. Suas afirmações, pronunciadas durante uma reunião televisionada com ministros, se dirigiram principalmente ao público interno e tiveram o objetivo de justificar a guerra, com tintas nacionalistas exacerbadas, muitas menções críticas ao Ocidente e vitimismo.
Os tópicos que abordou foram diversos: não houvesse o ataque, a Ucrânia receberia em breve ajuda estrangeira para desenvolver armas nucleares e lançaria uma ofensiva contra a Rússia. A “operação militar especial” — eufemismo oficial russo para a invasão — “era inevitável e “vai conforme o planejado”. As sanções econômicas contra o país não têm relação com a invasão. “O Ocidente”, ele disse, “está tentando cancelar a Rússia”.
Em relação ao pacote econômico, as principais medidas, segundo a agência russa RIA, são: aumento dos pagamentos sociais; apoio direcionado para cidadãos que se encontram numa situação de vida difícil; monitoramento dos preços de bens essenciais; medidas para assegurar o emprego, incluindo ações para a formação avançada dos profissionais; concessão de empréstimos e redução das barreiras administrativas e a empresas.
Várias vezes, Putin tentou descolar as sanções contra a Rússia da guerra, descrevendo-as como um tipo de medida que seria inevitável. Embora tenha reconhecido que as sanções farão “os custos da energia no Ocidente subirem” — o que, em teoria, deveria significar que os países ocidentais quisessem evitá-las —, Putin afirmou que o “Ocidente teria imposto sanções à Rússia de qualquer maneira, pois apenas buscava uma razão para impor sanções à Rússia”.
— A política de conter a Rússia é deliberada e de longo prazo — afirmou. — Quero dizer com a maior franqueza: por trás das conversas hipócritas e das ações atuais do chamado Ocidente coletivo, existem objetivos geopolíticos hostis. Eles não precisam, simplesmente não precisam de uma Rússia forte e soberana.
Putin disse que o “Ocidente está tentando provocar confrontos civis na Rússia” e, para isso, “visa atingir todas as famílias russas” e lança “uma campanha de desinformação sem precedentes”. Ele criticou pontualmente algumas das sanções, como o bloqueio das reservas do Banco Central russo em ouro, euro e dólar depositadas no exterior, dizendo que “a captura de ativos russos no exterior é uma lição para os negócios russos”. Putin disse que é esperado um aumento na inflação e no desemprego.
— A nova realidade exigirá mudanças profundas na economia — afirmou.
Pouco depois, acrescentou que “direito de propriedade será respeitado”, para espantar lembranças da era soviética. Insinuou ainda que um calote é provável, citando um prognóstico da maioria dos analistas financeiros.
— Os Estados Unidos e a União Europeia efetivamente decretaram um calote russo — disse.
Há 30 anos no país, a rede de fast food McDonald's fechou temporariamente as cerca de 850 lanchonetes espalhadas pela Rússia como resposta a invasão da Ucrânia. A empresa continuará pagando o salário dos 62 mil funcionários enquanto as lojas estiverem fechadas. Foto: - / AFP
Coca-Cola suspendeu os negócios na Rússia e acrescentou que continuará a monitorar e avaliar a situação no país à medida que as circunstâncias evoluem. Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo
A PepsiCo suspenderá toda a publicidade e a venda de suas marcas de bebidas. Mas continuará a vender produtos essenciais, como leite e comida para bebês. Foto: Bloomberg
Marcas de luxo, como Chanel, Prada, Hérmes e Louis Vuitton, fecham lojas na Rússia; Zara informou o fechamento temporário de todas as suas lojas no país e a interrupção das vendas on-line Foto: Fabio Rossi/Agência O Globo
Após invasão da Ucrânia, Starbucks anunciou que estava interrompendo suas operações no país de Vladimir Putin Foto: Reuters
Depois de suspender o lançamento de filmes na Rússia, a Disney vai pausar todos os seus negócios no país. Apesar dessa decisão, continuará empregando os trabalhadores russos. Foto: AFP
Goldman Sachs é o primeiro grande banco de Wall Street a abandonar a Rússia. Foto: Scott Eells / Photographer: Scott Eells/Bloomb
Já o HSBC encerrou as relações com uma série de bancos russos, incluindo o segundo maior, o VTB. O banco tem pouca exposição direta na Rússia, com cerca de 200 funcionários e receita anual de US$ 15 milhões no país Foto: ISAAC LAWRENCE / AFP
A sul-coreana Samsung anunciou a suspensão das remessas de produtos para a Rússia, alegando problemas logísticos Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo
As operadoras de cartões de crédito americanas anunciaram a suspensão de algumas das atividades em seus sitemas de pagamento na Rússia para se ajustarem às sanções impostas ao país Foto: Daniel Acker / Bloomberg
A PayPal é uma das empresas de serviços financeiros a se distanciar do país por causa do ataque à Ucrânia Foto: DADO RUVIC / Reuters
A Shell deixará todas as suas operações na Rússia, incluindo a unidade Sakhalin 2 LNG, na qual detém uma participação de 27,5%. Já a francesa Total suspendeu capital para novos investimentos na Rússia, mas não anunciou intenção de deixar o país. Foto: BEN STANSALL / AFP
A Harley-Davidson suspendeu seus negócios e remessas de suas motos para a Rússia, mas não detalhou o tamanho de suas operações no país Foto: Sergei Karpukhin / REUTERS
A Microsoft disse que removeria os aplicativos móveis da estatal RT da loja de aplicativos do Windows e proibiria anúncios na mídia patrocinada pelo Estado russo. Foto: Akio Kon / Bloomberg
O Google, da Alphabet, bloqueou aplicativos móveis conectados às emissoras russas RT e Sputnik de sua loja Play, em linha com um movimento anterior para remover as editoras estatais russas de seus recursos relacionados a notícias. Foto: Bloomberg
Montadora sueca decidiu suspender as remessas de carros para o mercado russo até novo aviso. Foto: Bob Strong / REUTERS
A Boeing anunciou que está suspendendo as principais operações em Moscou e restringindo temporariamente o acesso de funcionários e parceiros na Rússia Foto: Simon Dawson / Bloomberg
Já a Airbus suspendeu os serviços de suporte às companhias aéreas russas, bem como o fornecimento de peças de reposição para o país Foto: Maxim Shemetov / Reuters / 10-6-2018
A Nike tornou indisponíveis as compras de mercadorias em seu site e aplicativo na Rússia, pois não pode garantir a entrega de mercadorias aos clientes no país Foto: Reprodução/Youtube/Nike
A Apple interrompeu todas as vendas de produtos na Rússia Foto: Jeenah Moon / Bloomberg
A montadora alemã suspendeu a produção local na Rússia e também as exportações para o país Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo
A Ford, que em 2021 vendeu cerca de 21 mil carros na Rússia, também suspendeu as atividades no país. E anunciou a doação de US$ 100 mil para o Fundo de Ajuda Global da Ucrânia Foto: Reuters
A montadora japonesa Mazda também está suspendendo as remessas de peças para uma fábrica na Rússia Foto: Divulgação
A Daimler Truck congelou suas atividades comerciais na Rússia, incluindo a cooperação com a fabricante de caminhões russa Kamaz. Não serão produzidos mais caminhões sob a essa parceria Foto: Jeff Kowalsky
A empresa de energia dinamarquesa Orsted parou de fornecer carvão e biomassa russos para suas usinas, mas continuará comprando até 2 bilhões de metros cúbicos de gás natural da Gazprom por ano sob um contrato de longo prazo. Foto: Phil Noble / REUTERS
A operadora de telecomunicações sueca Ericsson está suspendendo suas entregas para a Rússia enquanto avalia o impacto potencial das sanções em seus negócios no país Foto: Olof Swahnberg / REUTERS
A maior empresa de leasing de aeronaves do mundo vai rescindir contratos com companhias aéreas russas. Em valores, a empresa tem 5% de sua frota alugadas para a Rússia Foto: Divulgação
A fabricante de pneus finlandesa Nokian Tires está transferindo a produção de algumas de suas principais linhas de produtos da Rússia para a Finlândia e os Estados Unidos. A Nokian produz aproximadamente 80% de sua capacidade anual de 20 milhões de pneus na Rússia Foto: Divulgação
A Honda está interrompendo as exportações de carros e motocicletas para a Rússia Foto: Paulo Fridman / Bloomberg
A empresa vai interromper atividades na Rússia, inclusive em áreas de produção de petróleo. A Equinor, petrolífera controlada pelo governo norueguês, também decidiu deixar o país. Foto: ANDREW KELLY/REUTERS/23-11-2021
A gigante do petróleo britânica BP vai se desfazer de fatia de 20% de estatal russa de petróleo, em reação à invasão da Ucrânia Foto: Bloomberg
A Daimler Truck congelou suas atividades comerciais na Rússia, incluindo a cooperação com a fabricante de caminhões russa Kamaz Foto: Dhiraj Singh / Bloomberg
O grupo de transporte marítimo Maersk suspendeu as movimentações de contêineres de e para a Rússia, exceto para alimentos, artigos médicos e humanitários Foto: Phil Noble / Reuters
Putin comparou várias vezes as sanções ao nazismo, para incitar o orgulho russo pela vitória sobre a Alemanha de Hitler. Ele comparou as sanções aos “pogroms”, disse que “o regime pró-nazista de Kiev possivelmente em breve teria armas de destruição em massa” e afirmou que o Ocidente quer “organizar uma Blitzkrieg econômica”. Mesmo assim, empregou termos de forma nacionalista.
— Estou convencido de que uma autopurificação tão natural e necessária da sociedade só fortalecerá nosso país, nossa solidariedade, coesão e prontidão para responder a quaisquer desafios — afirmou.
Quanto à guerra, Putin afirmou que a sua operação militar especial estava "indo conforme o planejado". O conflito, porém, completa três semanas nesta quinta-feira sem que nenhuma das dez maiores cidades da Ucrânia tenha sido dominada, com a campanha pouco avançando e a maioria das forças russas em pausa, após perder centenas de veículos blindados e um número ainda indeterminado de soldados, mas estimado em milhares.
O presidente russo acusou o Ocidente de levar as autoridades de Kiev a derramar sangue, fornecendo-lhes armas e mercenários. Segundo a Reuters, o presidente russo deve decidir nos próximos dias se interrompe a sua ofensiva, mas, de acordo com uma fonte russa não identificada da agência, "a chance disto é pequena".
No mesmo dia em que a Chancelaria russa anunciou avanços nas negociações, Putin fez no discurso uma breve menção a uma saída diplomática, dizendo que "sempre esteve disposto" a negociar. O tom geral de sua mensagem, entretanto foi de desafio e triunfo:
— Se o Ocidente pensa que a Rússia vai recuar, não entende a Rússia — disse Putin. — Os eventos atuais põem fim à dominação política e econômica global do Ocidente.