Mundo Guerra na Ucrânia

Putin autoriza nacionalização de empresas ocidentais, proíbe exportações de 200 itens e promete ‘resolver problemas’

Líder russo reage a sanções ocidentais e, apesar de admitir danos à sua economia, tenta apresentar sacrifícios como parte de campanha por independência e soberania
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante a reunião transmitida pela televisão nesta quinta-feira Foto: SPUTNIK / via REUTERS
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante a reunião transmitida pela televisão nesta quinta-feira Foto: SPUTNIK / via REUTERS

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, anunciou nesta quinta-feira várias medidas em reação às duras sanções das potências ocidentais ao seu país, incluindo ações como a permissão para a nacionalização de empresas ocidentais e a proibição da exportação de vários produtos russos.

Em uma reunião do governo transmitida pela televisão — modo de comunicação que adotou desde pouco antes do início da guerra —, Putin disse que as sanções ocidentais são ilegítimas e que a Rússia resolverá calmamente os problemas decorrentes delas.

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Falando com seu habitual tom baixo e impassível, o líder do Kremlin admitiu que as sanções ocidentais causam impactos na economia russa, mas disse que isto é algo temporário.

— É claro que nesses momentos a demanda por determinados bens sempre aumenta, mas não temos dúvidas de que resolveremos todos esses problemas trabalhando com calma — afirmou. — Aos poucos, as pessoas vão se orientar, vão entender que simplesmente não há problemas que não possamos encerrar e resolver.

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Segundo ele, as empresas ocidentais que decidiram cessar suas atividades na Rússia deverão ter suas propriedades nacionalizadas.

— Aqueles que vão fechar suas instalações de produção precisam agir de forma decisiva aqui, e, em nenhum caso, permitir qualquer dano aos fornecedores russos locais de materiais e componentes. É preciso, como sugeriu o chefe do governo [o premier Mikhail Mishustin], introduzir a gestão externa e depois transferir essas empresas para quem quer trabalhar — disse Putin, citado pela agência Interfax.

Putin disse, no entanto, que a Rússia “não se fechará para ninguém” e está pronta para trabalhar com companhais estrangeiras que assim o quiserem.

— Nós mesmos não vamos nos fechar para ninguém. Estamos abertos para trabalhar com todos os nossos parceiros estrangeiros que querem isso — disse o líder russo.

Não está claro como empresas das potências ocidentais poderiam evitar as sanções e continuar a operar. Dezenas de firmas, do Mc Donald's a grifes italianas, já anunciaram o fim das atividades na Rússia.

Os comentários de Putin tiveram a intenção de retratar as sanções ocidentais como danosas aos próprios países que as impuseram e de tranquilizar os russos de que o país pode resistir ao que denomina como "guerra econômica" contra seus bancos, empresas e oligarcas.

Putin disse que não havia alternativa ao que a Rússia chama de operação militar especial na Ucrânia — e não invasão militar — e que o país não pode aceitar comprometer sua soberania por algum tipo de benefício econômico de curto prazo.

— Essas sanções teriam sido impostas de qualquer maneira — disse Putin.  — Existem algumas questões, problemas e dificuldades, mas no passado nós os superamos e vamos superá-los agora. No final, tudo isso levará a um aumento em nossa independência, autossuficiência e nossa soberania.

Putin também disse que Moscou — um grande produtor de energia que fornece um terço do gás da Europa — continuará cumprindo suas obrigações contratuais relacionadas ao fornecimento de gás, incluindo por gasodutos que atravessam a Ucrânia.

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— Estamos cumprindo todas as nossas obrigações em termos de fornecimento de energia. O sistema de transporte de gás da Ucrânia está 100% cheio — afirmou.

Pouco antes da reunião, Putin assinou um decreto sobre restrições à exportação e à importação de produtos e matérias-primas até o final de 2022.

"A lista inclui tecnologia, telecomunicações, equipamentos médicos, veículos, máquinas agrícolas, equipamentos elétricos — mais de 200 itens no total, incluindo vagões e locomotivas, contêineres, turbinas, máquinas de processamento de metal e pedra, monitores, projetores, consoles e painéis", disse o Gabinete presidencial russo em comunicado.

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O Ministério da Economia afirmou que “essas medidas são uma resposta lógica àquelas impostas contra a Rússia e visam garantir o funcionamento ininterrupto de setores-chave da economia". O mesmo órgão disse que suspenderá temporariamente a venda de fertilizantes, mas que tem “acordos com países amigáveis”.

Outras medidas a serem anunciadas podem incluir a restrição de navios estrangeiros de entrar nos portos russos e permitir que as companhias aéreas russas registrem jatos alugados de empresas ocidentais como sua propriedade, disse o governo.

A agência de notícias Interfax citou uma fonte familiarizada com um projeto de lei e afirmou que a Rússia também pode proibir temporariamente as exportações de grãos para um grupo de ex-países soviéticos que fazem parte da União Econômica da Eurásia (UEE) de 15 de março a 31 de agosto, bem como as exportações de açúcar para fora a área da UEE.

Kevin Rothrock, editor do site russo Meduza, crítico a Putin, classificou o plano de nacionalização como uma oportunidade para agentes corruptos do Estado russo.

“O Ministério de Desenvolvimento Econômico da Rússia já elaborou um projeto de lei que confiaria a gestão desses ativos apreendidos à corporação estatal de desenvolvimento VEB e à Agência de Seguro de Depósitos da Rússia”, afirmou. “Seria o trabalho dessas organizações ‘reformular’ as empresas apreendidas em novas entidades e depois vendê-las em leilão público. Se nenhum comprador adequado for encontrado, o próprio Estado agiria como comprador. Vai ser uma mina de ouro para a corrupção”.