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O que muda se a Suprema Corte derrubar a decisão que legalizou o aborto nos EUA? Veja perguntas e respostas

País pode viver situação desconhecida desde 1973 e se tornar um dos poucos no mundo onde mulheres perderam direitos reprodutivos. Cerca de metade dos estados deve proibir o aborto
Manifestante do lado de fora da Suprema Corte dos EUA após o rascunho da decisão vazar: 'tire suas proibições de meu corpo', diz o cartaz Foto: Kevin Dietsch / AFP
Manifestante do lado de fora da Suprema Corte dos EUA após o rascunho da decisão vazar: 'tire suas proibições de meu corpo', diz o cartaz Foto: Kevin Dietsch / AFP

NOVA YORK — O esboço de uma decisão da Suprema Corte americana que derrubaria o veredicto de Roe vs. Wade , a resolução de 1973 que reconheceu o direito legal ao aborto ou à interrupção voluntária da gravidez, pode deixar os EUA em uma situação diferente em relação aos últimos 50 anos, fazendo com que a legalidade do aborto passe a depender exclusivamente dos estados.

Se o esboço, preparado em fevereiro e divulgado na noite de segunda-feira pelo site Politico, de fato se assemelhar ao parecer final do tribunal, previsto para votação oficial no próximo mês, os direitos reprodutivos das mulheres americanas serão reformulados quase imediatamente.

Se a decisão de Roe vs. Wade for derrubada, o aborto se tornará ilegal em todos os EUA?

Não. Estados decidiriam individualmente se e quando os abortos seriam legais. Muitos estados continuariam a permiti-lo, e alguns até começaram a elaborar projetos de lei para ajudar a atender moradoras de estados que provavelmente proibirão o aborto. Por enquanto, o aborto permanece legal em todos os estados.

Onde o acesso ao aborto provavelmente mudaria?

O aborto provavelmente se tornaria ilegal em cerca de metade dos estados , embora algumas das leis estaduais sejam diferentes entre si.

De acordo com o Centro de Direitos Reprodutivos, um grupo que luta contra as restrições ao aborto nos tribunais e acompanha de perto as leis estaduais, 24 estados provavelmente proibirão o aborto se assim puderem fazer. Esses estados são: Alabama, Arizona, Arkansas, Geórgia, Idaho, Indiana, Kentucky, Louisiana, Michigan, Mississippi, Missouri, Nebraska, Carolina do Norte, Dakota do Norte, Ohio, Oklahoma, Pensilvânia, Carolina do Sul, Dakota do Sul, Tennessee, Texas, Utah, Virgínia Ocidental e Wisconsin.

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O Instituto Guttmacher, um grupo de pesquisa centrado em saúde reprodutiva, diz que um grupo ligeiramente diferente de estados provavelmente limitará substancialmente o acesso ao aborto: sua lista de 26 estados deixa de fora Carolina do Norte e Pensilvânia, mas inclui Flórida, Iowa, Montana e Wyoming.

Treze estados têm as chamadas leis de gatilho, que foram aprovadas para tornar o aborto ilegal assim que a Suprema Corte o permitir. Alguns mantêm antigas leis de aborto estaduais que foram invalidadas pela decisão do caso Roe, mas que poderiam ser aplicadas novamente. Já outros estados, como Oklahoma, têm proibições ao aborto que foram aprovadas neste ano, à espera de uma mudança na Suprema Corte.

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Como o número de abortos nos EUA mudaria?

Algumas mulheres que decidem abortar podem fazer isso de outras maneiras, incluindo viajar para um estado onde o aborto é legal ou encomendar pílulas pela internet de fora do país. O Texas dá um exemplo disso. Em setembro, entrou em vigor uma lei que proíbe o aborto após a detecção de atividade cardíaca fetal, quando o feto tem cerca de seis semanas. Os abortos nas clínicas do Texas caíram pela metade. Mas muitas mulheres passaram a abortar em estados vizinhos ou encomendando pílulas, o que resultou em uma queda geral de apenas cerca de 10%.

Se a Suprema Corte mudar seu entendimento, o aborto provavelmente cairia mais, porque as mulheres precisariam viajar por distâncias mais longas para chegar até estados onde fosse legal interromper a gestação. Muitas mulheres que abortam são pobres, e podem não ter condições de realizar longas viagens. Os estados que provavelmente proibirão o aborto estão concentrados no Sul, Centro-Oeste e nas Grandes Planícies. Por causa do aumento esperado nas viagens interestaduais, as clínicas restantes provavelmente teriam menor capacidade de atendimento.

Pesquisas de dezembro sobre o que deve acontecer se as mulheres precisarem viajar até as clínicas descobriram que, se a Suprema Corte de fato proibir o aborto, o número de procedimentos legais provavelmente cairá cerca de 14%.

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Quem faz abortos agora nos EUA?

Sob a lei atual, cerca de uma em cada quatro mulheres americanas faz um aborto em algum momento de sua vida, de acordo com uma pesquisa do Instituto Guttmacher.

Entre elas estão mulheres de todas as origens. Mas as estatísticas mostram que as mulheres que fazem abortos nos Estados Unidos são mais propensas a serem solteiras na casa dos 20 e poucos anos, de baixa renda e com já um filho. Elas são desproporcionalmente propensas a serem negras, e são mais propensas a viverem em um estado de tendência democrata.

Sem o aborto legalizado nacionalmente, como os EUA se comparariam com o resto do mundo?

Os Estados Unidos se juntariam a um grupo muito pequeno de países que endureceu as leis de aborto nos últimos anos, em vez de afrouxá-las. Apenas três países o fizeram desde 1994: Polônia, El Salvador e Nicarágua. Nesse período, 59 países ampliaram o acesso, segundo o Centro de Direitos Reprodutivos.

A decisão sobre o caso Roe tornou os EUA atípicos por permitirem o aborto por qualquer motivo até cerca de 23 semanas. No entanto, em muitos países com prazos mais curtos, o aborto é permitido por diversas razões.

Sessenta e seis países – que abrigam cerca de um quarto das mulheres em idade reprodutiva do mundo – proíbem o aborto ou o permitem apenas se a vida da mulher estiver em perigo. Sem Roe, alguns estados se alinhariam a esses países.

Quando a decisão passaria a valer?

Não imediatamente. Por enquanto, o aborto permanece legal em todos os estados, e cada um tem pelo menos uma clínica.

O documento que foi vazado supostamente se trata de um esboço, e não de um veredicto final. Pode levar um mês ou mais até que a Suprema Corte julgue oficialmente o caso, e sua decisão pode diferir do projeto em circulação.

Se a Suprema Corte decidir contra Roe, as clínicas em alguns estados provavelmente vão fechar em poucos dias. Em outros estados que proíbem o procedimento, o processo pode demorar vários meses.