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Quem é o líder da ala radical da oposição boliviana que deu um ultimato a Evo Morales

Conservador e católico fervoroso, Luis Fernando Camacho é presidente do poderoso Comitê Cívico de Santa Cruz, mas não é filiado a nenhum partido
Luis Fernando Camacho é recebido por apoiadores após sua chegada ao aeroporto de Viru Viru em Santa Cruz, na Bolívia Foto: DANIEL WALKER / AFP
Luis Fernando Camacho é recebido por apoiadores após sua chegada ao aeroporto de Viru Viru em Santa Cruz, na Bolívia Foto: DANIEL WALKER / AFP

Em um comício na noite de sábado, Luis Fernando Camacho lançou um ultimato ao presidente boliviano, Evo Morales, dando-lhe um prazo de 48 horas para renunciar, conclamando os militares a permanecerem “ao lado do povo” durante a crise, e exortando  compatriotas a “paralisarem” instituições do governo. Com certo apoio popular, ele tentou cumprir a promessa nesta terça-feira, mas acabou retido em um aeroporto próximo à capital , La Paz, por várias horas, acuado depois que uma multidão pró-governo se reuniu do lado de fora.

Aos 40 anos, Camacho — conhecido como “Macho Camacho” — é presidente desde fevereiro deste ano do poderoso Comitê Cívico de Santa Cruz , entidade regional formada por cerca de 200 entidades, entre grupos empresariais, associações de moradores e trabalhadores de direita.

Leia mais: Análise: Tentativa de reeleição indefinida de Morales provocou rejeição de eleitores e aumentou desconfiança

Conservador, sem partido e católico fervoroso, o advogado, ex-professor universitário e empresário é um dos sócios do Grupo de Inversiones Nacional Vida, uma corporação de seguros privados, e faz parte da elite social e política da cidade, a mais rica da Bolívia.

Mesa pode ser beneficiado

Analistas, no entanto, não o veem como um líder político que poderia de alguma maneira resolver ou radicalizar o impasse que tomou conta do país nas últimas semanas.

— É interessante como ele vem avivando a mobilização cívica nas ruas, mas não o vejo como um ator político real — afirma ao GLOBO Daniel Moreno, sociólogo e diretor da Ciudadanía (Comunidade de Estudos Sociais e Ação Pública), lembrando que Carlos Mesa, o candidato derrotado nas eleições, pode acabar sendo beneficiado pela disputa entre Camacho e Morales. — Mesa pode apostar em tentar se mostrar como uma opção mais sensata entre os dois extremos.

O Comitê Cívico havia perdido força nos últimos anos, mas voltou a ter certa relevância, com a ajuda de Camacho e principalmente graças ao descontentamento social causado pela tentativa de reeleição indefinida de Morales, e os resultados contestados da última eleição.

— A solução para esta crise não é mostrar quem pode mobilizar mais gente, se Morales ou Camacho. A única solução viável é um acordo político entre Mesa e Morales — diz Moreno.

Camacho formou sua liderança no Comitê Cívico da Juventude de Santa Cruz, uma organização radical de direita e nas “fraternidades”, grupos carnavalescos elitistas. Em maio deste ano,  o opositor compartilhou uma foto sua no Itamaraty, em Brasília, ao lado do chanceler Ernesto Araújo.

Para  Carlos Cordero, cientista político da Universidade Mayor de San Andrés, Camacho tenta ocupar um espaço deixado por Óscar Ortiz, senador que foi candidato pela Aliança Bolívia Diz Não, mas obteve apenas 4% dos votos.

— Camacho conseguiu notoriedade com essa crise, combinando um discurso de reinvindicação da democracia e conteúdo religioso. Isso justifica seu sucesso. Ele parece querer tentar substituir a elite perdedora das eleições de outubro com um discurso de uma nova geração  —  afirma, lembrando que Mesa venceu em Santa Cruz, um duro revés para a elite da região.  — Certamente ele vai querer disputar as eleições regionais do ano que vem, como prefeito ou governador, mas não tem nada a ganhar com a crise atual.