Mundo Família Real

Rainha Elizabeth reforça sua popularidade entre os súditos, mesmo em um ano muito difícil

A morte do príncipe consorte, as acusações de racismo na família real e os problemas de saúde marcaram o 2021 da monarca britânica
A rainha Elizabeth durante a transmissão de sua mensagem de Natal de 2021 Foto: PAUL ELLIS / AFP/25-12-2021
A rainha Elizabeth durante a transmissão de sua mensagem de Natal de 2021 Foto: PAUL ELLIS / AFP/25-12-2021

LONDRES — Setenta anos de reinado (a serem completados em 6 de fevereiro) dão muito tempo para alguém construir um sistema imunológico no qual as defesas brotam até mesmo dos lugares mais inusitados. Quem diria à rainha Elizabeth II que o vilão mais exótico que a política britânica produziu nos últimos anos, o ideólogo da campanha do Brexit e ex-assessor de Boris Johnson Dominic Cummings, iria se jogar, quase como um guarda-costas de filme, entre ela e a ameaça do coronavírus? Foi ele mesmo que recordou o caso em meados de julho, em sua primeira entrevista à BBC após o abandono tempestuoso do governo, e agora abertamente em guerra contra o primeiro-ministro.

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Cummings contou que, em uma quarta-feira no início da pandemia, comentou com Boris: “E se você for vê-la e infectá-la? Você não pode correr esse risco. É uma loucura". O político conservador planejava fazer sua visita semanal à rainha, apesar de o pessoal do governo já estar em quarentena naquela época. O encontro entre o primeiro-ministro e a monarca acabou não acontecendo. Logo depois, Boris acabou na UTI gravemente doente com Covid-19.

Elizabeth tem uma barreira protetora entre a maioria do povo britânico que a salva de qualquer indício de descrédito ou reprovação, apesar do fato de que 2021 foi um ano para a rainha pelo menos tão horrível quanto foi o infeliz ano de 1992. Seu índice de popularidade está em 72%, de acordo com a empresa de pesquisa YouGov, mais do que o dobro do que Boris colhe, com 34%. Mais de 80% dos cidadãos acreditam que ela fez um bom ou muito bom trabalho como monarca, e até 55% defendem que ele continua a ser a chefe de Estado, “mesmo que esteja doente para ser incapaz de realizar tarefas oficiais diárias".

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O ano que acaba de terminar foi o ano da ofensa, com a entrevista do príncipe Harry e sua mulher, Meghan Markle, à apresentadora americana Oprah Winfrey, na qual o casal acusou família real de racista e sem coração, e o ano de uma despedida dolorosa, com a morte do príncipe consorte, Phillip.

— Uma vida boa consiste em separações finais e primeiros encontros — disse Elizabeth em uma mensagem de Natal dedicada a praticamente lembrar a figura de seu marido, mas com a capacidade dialética de convencer os britânicos de que tanto ela quanto eles deveriam estar mais preocupados com o futuro do que com o passado.

— Aquela piscadela travessa e curiosa permaneceu tão brilhante no final dos seus dias como quando o olhei pela primeira vez — recordou a rainha, na mesma mensagem em que encorajava os seus compatriotas a celebrarem, em 2022, juntamente com ela, o pubileu de platina pelos 70 anos de reinado.

Recuperação

Se a presença solitária da monarca no funeral de Phillip comoveu os britânicos, sua recuperação imediata — com uma profusão de cores em suas roupas e eventos públicos em sua agenda — enviou uma mensagem de continuidade e resistência em um momento em que o todo o país parecia estar começando a emergir do pesadelo da pandemia . Seus problemas de saúde, nesse sentido, quase coincidiram com a nova variante Ômicron e uma fase subsequente de incerteza e preocupação.

Foi no fim de outubro que o Palácio de Buckingham teve de admitir, causando quase mais alarme do que tranquilidade, que a rainha havia passado uma noite internada em um hospital de Londres para se submeter a "exames preliminares" que nunca foram detalhados. Pouco antes, os médicos do palácio haviam ordenado que ela reduzisse sua programação e tirasse alguns dias de folga, e em meados de novembro ela teve que se ausentar no último minuto de um ato tão importante e simbólico como o Dia da Lembrança, em novembro... por causa de uma lesão nas costas.

— Depois de chegar aos 95, nem tudo é tão fácil como costumava ser. E já é péssimo aos 73 — justificaria seu filho e herdeiro ao trono, o príncipe Charles, em entrevista ao SKY News.

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De forma sutil e natural, a rainha tem delegado ao príncipe de Gales e a seu neto William, o duque de Cambridge, tarefas de representação em eventos públicos. A presença do segundo e do terceiro na linha de sucessão é cada vez mais comum, e a da rainha é cada vez mais seletiva. Não tanto para potencializar o processo de substituição, mas para preservar, de forma definitiva, o prestígio e o respeito que se deposita no monarca mais longevo da história do país.

Lembremos que 2021 foi o ano em que o príncipe Andrew, o duque de York, acabou oficialmente intimado perante um tribunal americano por suas relações obscuras com o pedófilo Jeffrey Epstein e seus supostos abusos contra a então menor Virginia Giuffre, e que afastamento dele da vida pública foi decidido por seu irmão Charles. E se as acusações de racismo feitas pelo casal Henry e Meghan incomodaram a rainha, foi William quem tratou do assunto publicamente, com aquela afirmação de que sua família "não é nem remotamente racista".

Elizabeth II terminou 2021 presa em Windsor, incapaz de cumprir a tradição de passar as férias com a família em Sandringham. Foi um ano ruim, encerrado com a chegada da ameaça Ômicron, mas não foi um “annus horribilis” que obrigou o monarca a mudar de curso para proteger o prestígio da instituição. Nem o seu próprio. Mesmo na tentativa de um louco, no fim do ano, de entrar em Windsor para atacá-la, ele parou a 500 metros de onde ela estava. Definitivamente, 70 anos de reinado construíram um muro de defesas ao seu redor.