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Relatório da ONU diz que Chile 'fracassou' em evitar abusos durante protestos

Documento foi elaborado após envio de missão ao país em novembro; observadores apontam para 'numerosas acusações de tortura' e de abuso sexual
Manifestante usa pedaço de madeira para enfrentar canhão de água durante protesto em Santiago. ONU recomenda que forças de segurança do país adotem abordagem menos violenta nas ruas Foto: RICARDO MORAES / REUTERS
Manifestante usa pedaço de madeira para enfrentar canhão de água durante protesto em Santiago. ONU recomenda que forças de segurança do país adotem abordagem menos violenta nas ruas Foto: RICARDO MORAES / REUTERS

GENEBRA — Um relatório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos divulgado nesta sexta-feira faz duras críticas à polícia e ao Exército do Chile, acusando-os de “fracassar em seguir as normas internacionais” sobre o controle de multidões e o uso da força. O Alto Comissariado é hoje dirigido pela ex-presidente chilena Michelle Bachelet.

Elaborado a partir das observações feitas durante três semanas, em novembro, por uma equipe do organismo, o documento de 30 páginas aponta numerosas alegações de tortura, maus tratos, estupros e outros tipos de violência sexual cometidos pelas forças de segurança contra pessoas detidas, muitas delas de forma arbitrária. Segundo os números oficiais, 28 mil pessoas foram presas, a maioria delas já  liberada.

Ao todo, foram documentados 113 casos de tortura e 24 casos de violência sexual contra mulheres, homens e jovens, cometidos por integrantes da polícia e do Exército. Os observadores também afirmam que centenas de queixas foram apresentadas por integrantes da sociedade civil.

Força letal

As autoridades também investigam as 26 mortes ocorridas no contexto dos protestos, sendo que pelo menos quatro delas ocorreram com “uso de força letal, na forma de armas de fogo”, contra pessoas que não participavam de atos de violência nem apresentavam riscos às forças de segurança. O documento não usou, contudo, a palavra “execução”, como alegam muitos dos manifestantes.

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Outro ponto destacado pelos observadores diz respeito aos mais de 4 mil feridos, sendo que cerca de 350 com ferimentos graves nos olhos devido a balas de borracha. Para a ONU, isso é uma evidência de que armas “menos letais” foram usada de forma “imprópria e indiscriminada”, deixando de lado os princípios para minimizar o risco de ferimentos.

“[As autoridades] tinham informações sobre a extensão dos ferimentos desde 22 de outubro. Contudo, aqueles responsáveis não adotaram medidas efetivas e rápidas para pôr fim ao uso de armas menos letais, especialmente o uso de balas de borracha. A ação rápida das autoridades relevantes poderia evitar que outras pessoas sofressem ferimentos graves”, diz o relatório.

Protestos

Os protestos no Chile começaram no dia 18 de outubro, inicialmente contra um reajusta de 30 pesos (R$ 0,17) nos preços das passagens do metrô. Contudo, os atos ganharam força e ampliaram seu escopo, passando a defender mudanças no modelo econômico, melhorias nos serviços públicos, como escolas e hospitais, e uma reforma constitucional . Os atos de vandalismo e a repressão das forças de segurança passaram a dominar as ruas do país, e o governo chegou a decretar toque de recolher em várias cidades, incluindo na região metropolitana de Santiago.

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Para a ONU, os manifestantes exerceram, em sua maioria, o seu direito de reunião de forma pacífica, reconhecendo que houve ataques contra as forças de segurança e prédios públicos, incluindo quartéis, além de saques e destruição de propriedade privada . Contudo, segundo o relatório, “o manejo das manifestações pela polícia foi levado adiante de maneira fundamentalmente repressiva”, com violações recorrentes.

Além das críticas, o Alto Comissariado faz uma série de recomendações às autoridades chilenas, como o fim do uso de balas de borracha em manifestações, limitar o uso de gás lacrimogêneo, excluindo seu uso em locais como hospitais e escolas, promover reformas nas próprias estruturas das forças de segurança e garantir que violações sejam investigadas pelo Estado chileno e seus responsáveis punidos.

Ao comentar o relatório, o governo chileno lamentou o alto número de denúncias, mas alegou que elas ocorreram dentro de um "contexto de violência".

"O Chile viveu uma situação imprevista e inédita de violência, que ocorreu em paralelo com expressoes cidadãs e pacíficas", afirmou, em comunicado, a subsecretária de direitos humanos do governo, Lorena Recabarren. Ela afirma ainda que foi por causa dessa situação de violência que se decidiu decretar o estado de exceção em outubro.

"Aquela decisão não foi tomada por acaso e sem contexto".