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Retomada de pé atrás: alemães evitam lotar lojas e livrarias que reabriram após confinamento por coronavírus

Lojas de até 800 metros quadrados, escolas, igrejas e creches voltam a funcionar parcialmente após doença ter sido controlada
Funcionária decora manequins com máscaras em loja reabeerta na Alemanha Foto: THOMAS KIENZLE / AFP
Funcionária decora manequins com máscaras em loja reabeerta na Alemanha Foto: THOMAS KIENZLE / AFP

BERLIM - O shopping Schönhauser Allee Arcaden, no bairro de Prenzlauer Berg, em Berlim, costumava ser bastante movimentado no horário de almoço. Na tarde de segunda-feira, 20, primeiro dia de funcionamento depois de quase um mês fechado por causa da pandemia do coronavírus, contudo, estava às moscas. Mesmo com a reabertura gradual do comércio, anunciada pela chanceler Angela Merkel no início da semana passada, os sinais da retomada da economia ainda são tímidos na capital da Alemanha.

Com 151 mil casos de Covid-19, 106 mil recuperados e pouco mais de 5 mil mortos, o país viu a taxa de contágio cair de três para menos de um infectado por transmissor. A diminuição encorajou o governo a autorizar a reabertura gradual do comércio. Com restrições.

Bares, restaurantes, hotéis e cafés continuam fechados, mas lojas de até 800 metros quadrados, escolas, igrejas e creches voltam a funcionar parcialmente. A partir desta segunda, 27, máscaras serão obrigatórias no transporte público. Em alguns estados, a exigência se estenderá a supermercados.

Ao anunciar as medidas de relaxamento, Merkel enfatizou a importância de as pessoas se manterem a 1,5 metro de distância umas das outras e de usarem máscaras, principalmente quando em contato com grupos de risco e em lugares de grande movimentação. Cautelosa, ressaltou que os avanços frente ao coronavírus são frágeis como “gelo fino”, e incentivou os alemães a ficarem em casa.

Desde 22 de março, a quarentena paralisou parte do comércio na Alemanha, com exceção de serviços considerados essenciais, como padarias e farmácias. Nesses locais, filas longas e espaçadas, quase sempre formadas por clientes que usam máscara, não raro transbordam para as as calçadas. A cena, agora, se repete em outros estabelecimentos.

As pessoas conversam nas ruas em círculos, mas sempre à distância. A praça Alexanderplatz, cartão-postal berlinense, está deserta. Onde antes passavam milhares de transeuntes diariamente, agora há poucas dezenas.

Pessoas formam fila para poder entrar em uma loja de eletrônicos em Berlim Foto: MICHELE TANTUSSI / REUTERS
Pessoas formam fila para poder entrar em uma loja de eletrônicos em Berlim Foto: MICHELE TANTUSSI / REUTERS

Limitação de clientes

O acesso a shoppings também é controlado. A recomendação do governo é para que o número de clientes seja limitado a uma pessoa por loja. Na manhã de quarta-feira, 22, cerca de 50 pessoas esperavam em média 20 minutos na calçada para entrar em um deles.

— Acho muito cedo para ter todas as lojas abertas. Farmácias e lojas essenciais, tudo bem, mas lojas de roupas? — questiona a estudante Jule Spieckesmann, de 16 anos, que iria a uma farmácia. — Temos tudo sob controle agora, mas a pandemia pode voltar com mais força.

Ela também critica a reabertura das escolas para casos especiais, como o de alunos em fase de conclusão do Ensino Médio. Seus amigos, que em circunstâncias normais fariam uma prova por semana, estão tendo de fazer três.

— Tenho amigos muito infelizes com isso, esses testes duram até cinco horas — diz ela.

As creches só abrem para filhos de médicos, policiais, enfermeiros ou pais solteiros que precisem trabalhar. Para a designer Valeria Buzun, 31, as restrições são bem-vindas.

— Meu filho não vai à creche há dois meses, minha família parou de contrair os vírus que ele trazia de lá — conta ela. — Acho escolas e creches os lugares mais perigosos.

Em um supermercado, o segurança se certifica de que cada cliente esteja com um carrinho de compras, cujo comprimento serve também para mantê-los afastados uns dos outros. Quase todos os estabelecimentos agora têm seguranças mascarados controlando a entrada.

Numa ótica, a porta só se abre quando chegam clientes. Uma mãe tentou acompanhar a filha e foi barrada. Um vendedor impaciente abordou a jovem, despejando-lhe álcool nas mãos e entregando uma máscara.

— Temos que respeitar — resignou-se a mãe.

Cartaz com instruções de distanciamento social em loja de Berlim Foto: ANNEGRET HILSE / REUTERS
Cartaz com instruções de distanciamento social em loja de Berlim Foto: ANNEGRET HILSE / REUTERS

‘Todos colaboram’

Igrejas e cabeleireiros devem abrir em 4 de maio. Cultos, no entanto, precisam respeitar o limite de até 50 pessoas, assim como passeatas. Casamentos e funerais, só com menos de 20 participantes. Aglomerações, entretanto, até agora só se vê no metrô — mesmo que o número de passageiros e o ritmo de frequência dos trens tenha diminuído. A companhia de transporte público de Berlim, BVG, registra perdas diárias de 500 mil euros.

— Estamos fazendo nossas reuniões on-line, mas já estamos nos preparando para abrir diariamente — diz o pastor português Bruno Lopes, da Igreja Universal do Reino de Deus em Berlim.

Eventos com mais de 5 mil pessoas estão proibidos até 24 de outubro. Nem a Oktoberfest, com seu público de 6 milhões, foi poupada. Ainda não são permitidas aglomerações, nem mais de duas pessoas juntas em lugares públicos, com exceção de famílias e moradores da mesma casa.

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As empresas de catering e os hotéis são os mais prejudicados no ramo de serviços. Ambos viram as vendas encolherem quase 85%. Os restaurantes, que ainda mantém serviço de delivery, sofreram um baque de 73% nas vendas desde o início das medidas de restrição, segundo a consultoria Statista.

Niels Schmidt, de 43 anos, morador de rua que vende jornais, lamenta a queda nas doações de dinheiro e alimentos que costumava receber dos empregados dos restaurantes de Prenzlauer Berg:

— Eu estava acostumado a vender jornais em bares e cafés, agora nem isso.Também parei de ganhar esmolas.

As novas medidas de contenção ao vírus mudaram a rotina de Lorena Lahrem, 23, vendedora de uma livraria no bairro de Mitte. Acostumada a catalogar livros e registrar as compras no caixa, Lahrem agora passa as tardes desinfetando cestos de compras.

— As pessoas estão sendo muito gentis e prestativas, todas colaboram — diz ela, que voltou ao trabalho na semana passada, depois de quase um mês.

Regras de segurança

Para evitar demissões, muitos estabelecimentos remanejaram seus empregados para funções novas. O segurança Thorsten Klein, por exemplo, deixou de fazer rondas pelos andares para desinfetar os corrimãos das escadas rolantes. Há três semanas — e agora mais do que nunca — ele fica das 10h às 20h segurando um paninho com álcool sobre os corrimãos giratórios, parado como um robô.

— Os clientes estão felizes com o que fazemos — afirma Klein.

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Nem todas as lojas conseguiram preparar as medidas de higiene para abrir a tempo. Estabelecimentos com mais de 800 metros quadrados tiveram de bloquear o acesso a parte da área. Há exceções para supermercados e lojas de jardinagem, que podem ser maiores.

O número de clientes não deve exceder a taxa de uma pessoa para 20 metros quadrados. Não é permitido atraí-los com promoções ou apresentações musicais, nem ofertar mesas e cadeiras.

Na livraria, os clientes são obrigados a carregar um cesto se quiserem entrar na loja. Há 12 cestos, exatamente o número de clientes que a gerente, Christine Krause, deseja manter no espaço de 470 metros quadrados. Ela espalhou mesas pela loja para manter os clientes afastados uns dos outros. Segundo ela, a livraria teve de investir em grades, paredes de acrílico, estações de álcool em gel e muito desinfetante em todas as filiais espalhadas por Alemanha, Áustria e Suíça. Fitas grudadas no chão demarcam as posições em que os clientes devem ficar.

— O mais difícil é ter que lembrar, todos os dias, de todas as regras de segurança — conta a gerente.