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Rússia e Bielorrússia estendem exercícios militares perto da Ucrânia; Kremlin alerta que previsões de invasão são provocativas

Ministério da Defesa bielorrusso justifica continuidade de manobras conjuntas citando aumento das tensões na Ucrânia
Paramédica militar ucraniana segura metralhadora de oficial que foi ferido e levado a hospital depois de ataque na linha de frente na vila de Zaitseve, na região de Donetsk, Ucrânia Foto: GLEB GARANICH / REUTERS/ 19-2-2022
Paramédica militar ucraniana segura metralhadora de oficial que foi ferido e levado a hospital depois de ataque na linha de frente na vila de Zaitseve, na região de Donetsk, Ucrânia Foto: GLEB GARANICH / REUTERS/ 19-2-2022

MOSCOU — A Bielorrússia anunciou neste domingo a extensão de exercícios militares com a Rússia , citando o aumento das tensões na vizinha Ucrânia. Iniciados em 10 de fevereiro, os exercícios, chamados de "Resolução Aliada", inicialmente estavam previstos para durar dez dias.

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"Tendo em vista o aumento da atividade militar perto das fronteiras (...) e o agravamento da situação em Donbass [Leste da Ucrânia], os presidentes da Bielorrússia e da Rússia decidiram continuar a inspeção das forças", declarou o Ministério da Defesa bielorrusso em sua conta no Telegram neste domingo.

O Kremlin não informou quantos soldados russos participam dos exercícios na Bielorrússia, mas Washington estima o número em 30 mil, no que seria uma das maiores mobilizações desde o final da Guerra Fria, nos anos 1990. As manobras são vistas com receio por sua localização: alguns dos exercícios ocorrem perto da fronteira com a Ucrânia, a cerca de 100 km de Kiev.

O anúncio foi feito no mesmo dia em que  o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, advertiu que as repetidas previsões do Ocidente de uma invasão da Ucrânia pela Rússia são provocativas e podem ter consequências adversas.

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— O fato é que isso diretamente leva a um aumento de tensão. E quando a tensão aumenta ao máximo, como agora, por exemplo, na linha de contato [no Leste da Ucrânia], então qualquer faísca, qualquer incidente não planejado ou qualquer minúscula provocação planejada podem levar a consequências irreparáveis — afirmou Peskov à TV estatal Rossiya 1, afirmando que o presidente russo, Vladimir Putin , tem conhecimento de tais declarações.

Na sexta-feira,  o presidente dos EUA, Joe Biden, disse estar convencido de que Putin decidiu invadir a Ucrânia "nos próximos dias" , acrescentando que a escalada de incidentes no Leste ucraniano tinha como objetivo criar um pretexto para a Rússia lançar um ataque.

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— Então, tudo isso pode ter consequências prejudiciais. O exercício diário de anunciar datas para invadir a Ucrânia é uma prática muito danosa — advertiu, acrescentando que a Rússia pede que seus parceiros do Ocidente sejam razoáveis e que a Rússia é o último país a querer usar a palavra "guerra".

Neste domingo, diversos veículos de imprensa dos EUA divulgaram a informação de que Vladimir Putin já teria dado a ordem, aos seus comandantes militares, para dar sequência a um ataque contra a Ucrânia. Citando fontes na comunidade de inteligência, o New York Times aponta que quase metade dos 150 mil militares russos em áreas de fronteira já assumiram formaçoes de combate, e poderiam atacar em questão de dias. Segundo a CBS, essas informações estão por trás dos alertas feitos recentemente pelo presidente Joe Biden sobre um ataque "em questão de dias".

Vale ressaltar que, no começo do mês, a rede pública PBS também publicou que, segundo integrantes de agências de inteligência ocidentais, Putin havia se decidido pela invasão. Na ocasião, a rede afirmou que o ataque estava previsto para acontecer na semana passada, o que não ocorreu.

A extensão das manobras com a Bielorrússia ocorre um dia depois de Putin ter supervisionado exercícios militares de mísseis estratégicos com capacidade nuclear ao lado do presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko e de líderes separatistas pró-Moscou no Leste da Ucrânia terem convocado uma mobilização militar total em meio à retirada de civis para a Rússia , citando a suposta ameaça de um ataque de forças ucranianas —  acusação que Kiev nega.

Denis Pushilin, chefe da autoproclamada República Popular de Donetsk (RPD), disse que assinou o decreto da mobilização, convocando homens "capazes de empunhar uma arma" a se dirigir a instalações militares. Leonid Pasechnik, chefe da República Popular de Luhansk (RPL), assinou um decreto similar posteriormente.

No sábado, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), cujos membros incluem a Rússia e os EUA e que monitora o conflito no Leste da Ucrânia, denunciou quase 2.000 violações de cessar-fogo no leste separatista. A OSCE implantou sua missão na Ucrânia em 2014, após a anexação da Crimeia pela Rússia e a eclosão do conflito entre Kiev e os separatistas, que deixou mais de 14 mil mortos desde então.

Áreas em disputa no Leste da Ucrânia

O conflito começou quando os separatistas pró-Moscou tomaram controle de parte do território na região em 2014, mesmo ano em Moscou anexou a Península da Crimeia em meio à revolução popular que derrubou o governo do presidente Viktor Yanukovich, aliado da Rússia. Os Acordos de Minsk, alcançados em 2014 para tentar resolver o conflito no Leste da Ucrânia, não são cumpridos nem por Kiev nem Moscou.

Os exercícios na Bielorrússia fazem parte de uma série de manobras das Forças Armadas russas nos últimos quatro meses, que incluíram o posicionamento de soldados —estimados entre 150 mil e 190 mil — no Norte, Leste e Sul da Ucrânia.

A Rússia ordenou a concentração militar enquanto reivindica que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) se comprometa a nunca permitir a entrada da Ucrânia na aliança. Desde quarta-feira, Moscou vem anunciando o retorno às suas bases de tropas que já concluíram manobras militares na região, mas Washington e aliados afirmam que na verdade há um aumento no número de soldados russos na área.

Analistas com base em Moscou dizem que as manobras tinham o objetivo de enviar a mensagem de que as demandas feitas pela Rússia à Otan por garantias de segurança têm de ser levadas a sério, depois da expansão da aliança em direção às fronteiras russas desde o colapso da União Soviética, em1991.

— O sinal para o Ocidente não é tanto 'não interfira', mas sim indicar que o problema é muito maior do que a Ucrânia — disse à Reuters Dmitry Stefanovich, pesquisador do IMEMO RAS think tank.