Mundo Guerra na Ucrânia

Rússia corta fornecimento de gás para Polônia e Bulgária; União Europeia diz que bloco sofre 'chantagem' e 'está preparado'

Presidente da Comissão Europeia informou que países-membros estão 'definindo uma resposta coordenada' para a mais dura retaliação russa contra sanções até agora
Ursula von der Leyen, presidente da União Europeia (UE) Foto: POOL / REUTERS
Ursula von der Leyen, presidente da União Europeia (UE) Foto: POOL / REUTERS

BRUXELAS E MOSCOU —  Em sua retaliação mais dura até agora às sanções internacionais de que foi alvo devido à invasão da Ucrânia , a Rússia interrompeu o fornecimento de gás para a Bulgária e a Polônia nesta quarta-feira, alegando que os dois países rejeitaram a sua exigência de receber pagamento em rublos.

A medida foi denunciada por líderes europeus como uma "chantagem" e ocorre em um momento em que os países do continente reforçam com os EUA os envios de armas para ajudar o Exército da Ucrânia. Ministros de energia do bloco europeu farão uma reunião de emergência na segunda para discutir o assunto, disse a França.

A Gazprom, monopólio russo de exportação de gás , disse em comunicado que "suspendeu completamente o fornecimento de gás à Bulgargaz e à PGNiG devido à ausência de pagamentos em rublos", referindo-se às empresas de gás búlgara e polonesa, respectivamente. A Polônia e a Bulgária confirmaram que o fornecimento foi cortado.

— Como todas as obrigações comerciais e legais estão sendo observadas, está claro que no momento o gás natural é usado mais como uma arma política e econômica na guerra atual — disse o ministro da Energia da Bulgária, Alexander Nikolov.

Nos EUA, a Casa Branca disse que utilizar o fornecimento de energia "quase como uma arma" era previsto.

A Bulgária, que depende da Rússia para 90% das importações do combustível, vem mantendo negociações para importar gás natural liquefeito através das vizinhas Turquia e Grécia.

Entrevista : Sanções dificilmente dobrarão Putin, mas podem cansar Ocidente, diz estudioso do mundo pós-soviético

O presidente da Polônia, Andrzej Duda, disse ter certeza de que uma ação legal será tomada contra a russa Gazprom por quebra de contrato.

— Princípios legais básicos foram quebrados, violados — disse Duda durante uma visita à capital tcheca, Praga. — As medidas legais apropriadas serão tomadas, e haverá compensação apropriada da Gazprom por violações das disposições do contrato.

A dependência europeia do gás russo

Gráfico: Foto: Arte O Globo
Gráfico: Foto: Arte O Globo

Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, o órgão Executivo da União Europeia (UE), disse nesta quarta-feira que o bloco está preparado para a falta de abastecimento determinada pelo governo de Vladimir Putin. A líder europeia ainda definiu a medida como uma "chantagem".

"O anúncio da Gazprom é outra tentativa da Rússia de nos chantagear com gás. Estamos preparados para esse cenário. Estamos definindo uma resposta coordenada para toda a UE. Os europeus podem confiar que estamos unidos e solidários com os Estados-membros afetados", informou von der Leyen em comunicado.

Ainda de acordo com Von der Leyen, Bulgária e Polônia vão receber gás de seus vizinhos no bloco.

— Isso demonstra antes de tudo a solidariedade entre os Estados-membros —  reforçou a presidente em uma entrevista a josrnalistas em Bruxelas.

Em entrevista à agência Lusa, a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, defendeu um "embargo total" pela UE ao petróleo, gás e carvão russo.

— Quando olhamos para a dependência do gás russo, cada país [europeu] tem a sua própria realidade individual, e precisamos reconhecer isso. Mas a menos que digamos que o objetivo final tem de ser a dependência zero da Rússia em relação ao gás, nunca conseguiremos fazer isso — ressaltou.

Violência: Rússia diz ter matado 500 soldados ucranianos em apenas uma noite

Ainda nesta quarta-feira, Christian Lindner, o ministro das Finanças alemão — cujo país depende da Rússia em cerca de 50% do seu gás natural —, disse não haver sinais de que Moscou deixará de fornecer gás a Berlim. Pela sua dependência, a Alemanha é um dos países do bloco europeu que mais teme e dificulta um corte total de importações energéticas da Rússia à UE.

A exigência feita pelo Kremlin a países considerados "hostis" de receber pagamentos em moeda russa foi uma tentativa de proteger o rublo de sanções impostas desde o início da guerra na Ucrânia. Ainda não se sabe quantos países europeus aceitaram usar a moeda russa. A Bloomberg publicou uma notícia nesta quarta-feira que cita dez compradores, incluindo quatro países europeus, mas não diz quais são.

Mesmo antes dos cortes à Polônia e à Bulgária, a UE estava sob pressão de Estados-membros para esclarecer como eles poderiam pagar pelo gás sem entrar em choque com as sanções impostas pelo bloco. Esta semana, Bruxelas esclareceu aos países que eles poderiam criar contas com a Gazprombank, o braço financeiro da empresa de gás, para pagar em euros.

Desequilíbrio : Guerra financeira ligada à invasão da Ucrânia volta a pôr em xeque sistema ancorado no dólar

Dessa forma, o valor seria convertido em rublos pelo banco — para, assim, os contratos serem pagos na moeda russa — e os países europeus não teriam que realizar transações diretamente com o Banco Central da Rússia, que é alvo de sanções do bloco. Segundo a Bloomberg, dez companhias europeias já abriram contas com a Gazprombank. Muitas empresas estão aguardando orientações mais claras da Comissão Europeia antes abrirem contas com a Gazprombank, de acordo com fontes ouvidas pela Reuters, acrescentando que o tempo, porém, estava acabando.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, rejeitou nesta quarta as acusações de que Moscou usou o fornecimento de gás natural como ferramenta de chantagem, e afirmou que a Rússia é "um fornecedor confiável de energia", que reage às sanções impostas contra si próprio.

Gerhard Schröder: Ex-chanceler que lucrou milhões com energia da Rússia simboliza erros de cálculo da Alemanha sobre Putin

— As condições estabelecidas fazem parte de um novo método de pagamento desenvolvido após ações hostis sem precedentes — disse Peskov, que se recusou a dizer quantos países concordaram em passar a pagar pelo gás em moeda russa.

Os suprimentos da Gazprom cobrem cerca de 50% do consumo da Polônia. O país disse que não precisava recorrer às reservas e que seu armazenamento de gás estava 76% cheio. A estatal polonesa PGNiG informou que ainda está fornecendo gás a seus clientes, conforme o necessário.

"Cortar o fornecimento de gás é uma quebra de contrato, e a PGNiG se reserva o direito de buscar compensação e usará todos os meios contratuais e legais disponíveis para fazê-lo”, ressaltou a empresa.

A Polônia e a Bulgária são ex-satélites de Moscou que, desde o fim da da soviética, se juntaram à UE e à Otan (aliança militar ocidental, liderada pelos EUA). A Polônia tem sido um dos oponentes mais expressivos do Kremlin durante a guerra. A Bulgária há muito mantém relações mais calorosas com a Rússia, mas o seu primeiro-ministro, Kirill Petkov, um ativista anticorrupção que assumiu o cargo no ano passado, denunciou veementemente a invasão da Ucrânia.

O corte de combustível da Rússia ocorreu um dia depois de os Estados Unidos e de pelo menos 40 países se comprometerem a armar a Ucrânia “em longo prazo”. A mudança mais significativa foi da Alemanha, que disse que enviaria dezenas de veículos antiaéreos blindados.

Mesmo que a Rússia não amplie a proibição para outros países, já há consequências na Europa. Os preços do gás no continente subiram até 24% na quarta-feira, colocando pressão adicional nos custos em um momento em que a inflação está em alta e a recuperação pós-Covid está sob ameaça.

Bloco propõe suspender impostos sobre produtos ucranianos

Enquanto isso, a Comissão Europeia propôs nesta quarta-feira a suspensão de todos os impostos sobre os produtos ucranianos exportados para a UE durante o período de um ano. A proposta também inclui a suspensão de todas as medidas antidumping e impostos em vigor sobre o aço ucraniano, como um gesto de apoio ao país que está em guerra com a Rússia.

O dumping é conhecido no mercado como a prática de vender produtos a um preço inferior que aquele praticado pelo mercado como forma de derrotar a concorrência.

— É uma medida sem precedentes para garantir o comércio livre de impostos da Ucrânia — anunciou o vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, reforçando que o bloco nunca adotou este tipo de liberalização comercial.

Segundo comunicado oficial, a medida tem como objetivo "impulsionar as exportações da Ucrânia para a UE", além de ajudar a "aliviar a difícil situação dos produtores e exportadores ucranianos diante da invasão militar da Rússia".