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Sem regras no comércio internacional, lei do mais forte deve prevalecer na compra de itens de saúde durante a pandemia

Ausência de normas internacionais que preservem a concorrência e evitem práticas desleais de comércio causará problemas principalmente para países pobres e em desenvolvimento, dizem especialistas
Avião do time de futebol americano The New England Patriots descarrega carga de máscaras compradas na China Foto: Maddie Meyer / AFP
Avião do time de futebol americano The New England Patriots descarrega carga de máscaras compradas na China Foto: Maddie Meyer / AFP

BRASÍLIA - A ausência de regras internacionais que preservem a concorrência e evitem práticas desleais de comércio causará problemas adicionais durante a pandemia de coronavírus, principalmente, para países pobres e em desenvolvimento, que não têm o mesmo poder de força que as nações desenvolvidas. Um dos exemplos mais emblemáticos foi informado na quarta-feira pelo ministro da Saúde, Luiz Mandetta : uma compra em larga escala pelos Estados Unidos cancelou a aquisição de equipamentos de proteção individual (EPI) da China pelo Brasil.

—  Os EUA enviaram trinta aviões de carga, e levaram inclusive equipamentos que já tinham sido vendidos a outros países pela China. As entidades multilaterais podem tentar coordenar estas ações, mas a verdade é que iniciativas de cada país, e às vezes até de entidades subnacionais, têm prevalecido de forma descoordenada —  disse Weber Barral, consultor internacional e árbitro da Organização Mundial do Comércio (OMC). — Nesta hora, todos correm para resguardar os seus.

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José Del Chiaro, ex-secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça e sócio-fundador da Advocacia José Del Chiaro acredita que o governo brasileiro errou ao não se prevenir para o pior, mesmo sabendo que poderia não haver equipamentos de proteção suficientes em meio à pandemia de coronavírus. Lembrou que a Lei 13.979, que estabelece estado de exceção e autoriza várias medidas excepcionais para o combate ao coronavírus, foi editada no início de fevereiro último.

— A pergunta que fica é: então ciente do que viria, a ponto de editar uma lei de tal magnitude, nessa oportunidade, o governo brasileiro já teria se precavido e tentado comprar testes, luvas e respiradores, indispensáveis ao combate do coronavírus? A triste realidade é que as consequências dessa pandemia superaram as expectativas de todos, o que facilitou a prevalência do poder econômico nesse contexto de total escassez de produtos — disse Del Chiaro.

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Ele observou que o mercado brasileiro é disciplinado pela economia de mercado e pela livre concorrência, o que faz com que sofra diretamente as consequências da necessidade de se importar produtos. Os preços de máscaras, luvas, respiradores dentre outros dispararam no Brasil.

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— No mercado internacional não existem controles em relação a eventuais preços baseados no desequilíbrio da demanda e a mínima oferta existente. Isso explica o fato de o Brasil ter perdido para os EUA a compra desses equipamentos. Prevaleceu o poder econômico — afirmou.

Para  o gerente institucional do BNZ Advogados, José Ricardo do Santos Luz Júnior, há um quadro bastante preocupante neste momento em que o governo federal e diversos estados brasileiros, além de empresários, têm tentado comprar, com urgência, produtos e equipamentos médicos, como álcool em gel, luvas, máscaras N95, aventais médicos, respiradores e ventiladores mecânicos da China.

— Quando as aeronaves param para abastecer em outros países durante o trajeto de retorno da China (stop over) sofrem risco de expropriação dos produtos médicos importados, como aconteceu recentemente nos EUA. Advogados tiveram de ser acionados para pedir à Justiça a liberação dos equipamentos — disse, acrescentando que há grande procura de produtos chineses por países como Brasil, Itália, EUA, Espanha e Alemanha.