SANTIAGO — A sessão inaugural da Convenção Constitucional do Chile foi temporariamente suspensa neste domingo depois que um grupo de constituintes, ativistas durante os protestos de 2019, interrompeu a cerimônia acusando a polícia de repressão contra um grupo minoritário de pessoas que se manifestava do lado de fora do Congresso, em Santiago. Incumbida de escrever uma nova Carta Magna, a Constituinte realiza a sua primeira sessão tendo à sua frente uma folha em branco.
A manhã começou com milhares de pessoas nas ruas celebrando pacificamente em diferentes pontos do centro da capital chilena. Antes de iniciar a instalação da sessão, foram registrados protestos também nas proximidades do Congresso, reprimidos pela polícia com jatos d'água e gás lacrimogêneo. Quando a cerimônia começou, enquanto o hino nacional começava a ser cantado, alguns constituintes se aproximaram da mesa onde a relatora Carmen Gloria Valladares os juraria e em clima de grande tensão a levaram a suspender a cerimônia.
— Queremos fazer uma festa democrática e não um problema — disse Valladares, relatora do Tribunal de Eleições, que presidia a sessão. — Consciente da situação e preocupada, decidi também convidá-los a suspender esta sessão até às 12 horas de hoje, a fim de garantir a calma do país.
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Mais cedo, constituintes aimaras e mapuches realizaram cerimônias na capital chilena. As demandas dos povos indígenas têm tido peso importante nas discussões, o que é um indicativo da elevada chance de que, a exemplo da Bolívia, o Chile pode se tornar um Estado plurinacional após o processo constituinte.
— Hoje viemos apoiar nosso povo mapuche e para que toda essa mudança termine bem para todo o Chile. Que nos deixem viver em paz e desmilitarizem nossas terras — disse à AFP Daniel Antigual, um aposentado de 60 anos acompanhando um grupo mapuche, o maior povo indígena do Chile.
Na Plaza Italia, epicentro das manifestações de 2019, cerca de 5 mil pessoas também se reuniram, a maioria em apoio à Lista do Povo, um grupo heterogêneo de pessoas desconhecidas, muitas delas participantes nos protestos de 2019, que contra todas as probabilidades foi a terceira mais votada nas eleições de 15 e 16 de maio.
Os constituites — 77 mulheres e 78 homens — eleitos em uma votação paritária sem precedentes e que reservou 17 cadeiras aos povos indígenas, têm a missão de elaborar a Constituição que substituirá a atual, redigida por uma pequena comissão durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e aprovada em 1980 em um processo polêmico.
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— Tenho sentimentos contraditórios, porque sou da geração que sobreviveu à ditadura, e ver isso acontecer hoje no Chile é muito emocionante, mas também há incertezas e temores, porque esse é o triunfo dos humildes e nós temos uma história em que a direita sempre trapaceia usando democratas-cristãos e sua gente no poder — disse à AFP Ernesto Cortés, um designer gráfico de 57 anos.
Nos últimos dias, 60 constituintes assinaram uma carta exigindo "garantias democráticas para a instalação da convenção", na qual reclamam, entre outros pontos, a libertação dos presos do levante social de 2019.
Após a juramentação, os cargos de presidente e vice-presidente deverão ser eleitos. A Convenção terá nove meses — prorrogáveis apenas uma vez por mais três meses — para redigir o novo texto, que será submetido a plebiscito de ratificação com voto obrigatório.