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Sistema de saúde britânico prevê triagem de pacientes durante pandemia, mas não estabelece critérios

Orientação pública é para que médicos poupem os recursos escassos com os mais fracos e salvem quem tem mais chance de sobrevivência; sem diretrizes, porém, especialistas temem que 'decisões terríveis' possam ser tomadas
Casal de idosos caminha pelas ruas de Rothbury, no Reino Unido Foto: MARY TURNER / NYT/20-03-2020
Casal de idosos caminha pelas ruas de Rothbury, no Reino Unido Foto: MARY TURNER / NYT/20-03-2020

LONDRES — Negar cuidados que salvam vidas para preservar recursos públicos não é novidade para o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido . Em tratamentos caros para câncer e outras doenças, o serviço de saúde limita oficialmente o que gastará para adiar uma morte: 30 mil libras, ou cerca de R$ 196,8 mil, para cada ano de vida com "qualidade" total fornecida ao paciente.

No caso de uma pandemia , a orientação pública das autoridades de saúde há mais de uma década é que os médicos devem se preparar para reter recursos escassos dos pacientes mais fracos, a fim de economizar mais para os fortes, especialmente para o uso de respiradores artificiais.

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No entanto, agora que finalmente chegou uma pandemia, o governo do primeiro-ministro, Boris Johnson — cercado de críticas de todos os lados por sua resposta lenta à ameaça —, decidiu evitar o desgaste político e se recusou nesta semana a explicar exatamente como fazer essas escolhas angustiantes.

A ausência de orientação oficial poderia, de fato, forçar os médicos da linha de frente a improvisar seus próprios critérios, dizem advogados e especialistas em ética, potencialmente enviando pacientes pobres, idosos ou deficientes para o final da fila.

— No Reino Unido, essas são decisões de órgãos públicos pelos quais são publicamente responsáveis — disse David Lock, advogado que assessora a Associação Médica Britânica em questões legais e éticas. — Portanto, há uma necessidade urgente de uma estrutura clara para os médicos tomarem essas decisões em nome dos órgãos públicos que os empregam.

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Sem orientações mais cuidadosas, "decisões realmente terríveis poderiam ser tomadas", disse Peter Todd, advogado que representou pacientes autistas que tiveram o tratamento médico negado pelo Serviço Nacional de Saúde.

Autoridades da saúde tomaram medidas iniciais na semana passada para desenvolver uma política de triagem, criando discretamente uma pequena comissão de médicos e outros especialistas para ajudar a definir um protocolo específico de acesso aos respiradores, disseram três pessoas familiarizadas com o esforço.

A expectativa era de que o diretório médico emitisse as diretrizes até o final da semana passada, masm depois de considerar se grupos especiais em cada hospital deveriam tomar essas decisões, a comissão preferiu definir uma fórmula numérica que classificasse as chances de sobrevivência, parecida com os cálculos que os médicos britânicos usam hoje para classificar pacientes que procuram transplante de fígado. Os proponentes argumentaram que um ranking numérico poderia reduzir as incoerências de um hospital para o outro.

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Na segunda-feira, no entanto, por medo de semear o pânico, as autoridades voltaram atrás e decidiram adiar a divulgação dos critérios. Elas argumentaram que a política imposta recentemente de distanciamento social estrito pode diminuir a taxa de infecções o suficiente para evitar a necessidade de tal triagem.

Questionados sobre as decisões tomadas, primeiro para redigir e depois recuar dos critérios de triagem, os representantes do Departamento de Saúde e Assistência Social enviaram uma declaração por e-mail: “Como o povo esperava, trabalhamos muito para nos preparar para vários cenários diferentes, então estamos o mais preparados possível. ”

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Apesar das esperanças oficiais de evitar os cenários mais sombrios, os médicos dizem que a pressão sobre o sistema de saúde britânico continua aumentando. Até agora, os esforços desesperados para produzir mais respiradores falharam em expandir significativamente o número disponível — atualmente menos de 10 mil —, e o número de infectados continua crescendo.

As autoridades de saúde britânicas disseram na sexta-feira que o número de mortes hospitalares nas 24 horas anteriores atingiu um novo recorde de 684, elevando o total para 3.605. A extensão total da infecção permaneceu impossível de quantificar, em parte porque os materiais de teste são escassos.