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Sob alta expectativa, Biden prepara pacotes para pandemia, economia, polícia e imigração nos primeiros 100 dias

Uma das promessas do democrata é pôr os EUA de volta na OMS; apesar de maioria na Câmara e no Senado, novo governo pode ter dificuldade para concretizar promessas de campanha sem causar ira em conservadores
Presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, retira a máscara antes de fazer pronunciamento sobre o estado econômico e a pandemia de Covid-19 no país Foto: TOM BRENNER / REUTERS / 14-1-21
Presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, retira a máscara antes de fazer pronunciamento sobre o estado econômico e a pandemia de Covid-19 no país Foto: TOM BRENNER / REUTERS / 14-1-21

WASHINGTON — Pioneiro da marca dos “100 dias”, Franklin D. Roosevelt deu a largada em 1933 anunciando uma série de medidas de seu New Deal que iriam marcar a história e a identidade coletiva dos EUA. Quase 90 anos depois, a expectativa para o governo de Joe Biden e Kamala Harris alcança patamar similar ao do presidente encarregado de combater a Grande Depressão.

Enfrentando a maior crise de saúde pública dos últimos cem anos, em meio a uma retomada econômica mais lenta do que o esperado, sob a sombra do julgamento de impeachment de um ex-presidente que procurou reverter na marra o resultado das eleições, Biden e Harris sofrem pressão para agir com rapidez.

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Apesar da maioria na Câmara e no Senado, a dupla pode enfrentar dificuldades para atender aos pedidos da ala progressista ao mesmo tempo em que tenta cumprir promessas de campanha sem provocar a ira dos eleitores republicanos. Uma das principais promessas dos democratas é unir o país.

— Nos nossos primeiros 100 dias, vamos pedir a todos que usem máscaras por 100 dias, teremos um plano para administrar 100 milhões de doses da vacinas e para abrir a maior parte das escolas em 100 dias — disse Biden em dezembro.

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Quando assumir o governo na quarta, a crise sanitária cairá no colo da nova administração. As prioridades serão o combate à Covid-19 e medidas para estimular a economia. A tese do presidente eleito é que a recuperação econômica está diretamente relacionada ao controle do vírus. Uma de suas promessas é colocar o país de volta na Organização Mundial da Saúde (OMS) no primeiro dia do novo governo.

— Um dos objetivos é vacinar 100 milhões de pessoas em cem dias. Eles querem fazer mobilizações em massa, transformar ginásios escolares, centros comunitários e estádios em centros de vacinação, pondo para trabalhar funcionários da Guarda Nacional e da FEMA [Agência Federal de Gestão de Emergências] — diz o epidemiologista de Harvard Eric Feigl-Ding.

A principal diferença entre a abordagem do novo governo e a atual será o foco na coordenação federal, acredita o professor de Harvard, que defende que é preciso vacinar no mínimo um milhão de americanos por dia e idealmente até dois milhões para que a vida volte ao normal, quando 80% dos americanos estiverem vacinados e a imunidade de rebanho for atingida.

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Dificuldades no Senado

Nesta semana, Biden anunciou um plano de recuperação de US$ 1,9 trilhões que inclui U$ 400 bilhões para o combate ao vírus, com distribuição de vacinas e ampliação de acesso a testes, US$ 350 bilhões para ajuda aos estados e municípios, U$ 1 trilhão em auxílio direto às famílias e US$ 440 bilhões para pequenas empresas e comunidades atingidas pela pandemia. O plano inclui US$ 400 extras no auxílio desemprego e cheques de US$ 1.400 para os americanos — proposta que irritou os progressistas, que esperavam cheques mensais de U$ 2.000.

Especialistas acreditam que não será viável implementar todas as medidas de início, já que a maioria dos democratas no Congresso é apertada — apenas uma cadeira de vantagem no Senado, e seriam necessárias mais dez para passar por todos as votações em obstrução. Uma das medidas que enfrentariam dificuldades seria o aumento do salário-mínimo para U$ 15 por hora.

— É provável que a nova rodada de cheques, a extensão do seguro desemprego e talvez a ajuda aos estados sejam votados em um pacote separado e possam ser aprovados — diz o professor de Economia da Universidade do Michigan Daniil Manaenkov, que acredita que as prioridades que o Congresso pode apoiar nos primeiros cem dias serão o esforço coordenado de vacinação e a reabertura das escolas.

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A ideia da marca dos 100 dias é cumprir promessas de campanha e consolidar o apoio da opinião pública. Se fizer progresso e alcançar sucesso no combate à Covid, Biden pode ganhar aprovação entre eleitores republicanos.

Depois de um ano eleitoral em que violência policial e desigualdades raciais estiveram na pauta, o tema também deve ser prioridade logo no início.

“Nós vamos trabalhar para erradicar o racismo sistêmico de nossos tribunais, nossas prisões e nossos sistema de Justiça criminal. Nos primeiros 100 dias de governo, criaremos um comitê nacional para fiscalizar a polícia”, prometeu Kamala Harris em artigo publicado em novembro passado. “Investigaremos má conduta sistêmica da polícia e exigiremos que os departamentos promovam reformas."

— Lidar com a Covid e com as disparidades de saúde já é uma maneira de lidar com as desigualdades raciais, porque afro-americanos e latinos são desproporcionalmente atingidos pela pandemia, dado que eles tendem a ter empregos que os põem na linha de frente — avalia o professor de Sociologia de Harvard Ellis Monk.

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‘Baixar a temperatura’

No debate sobre violência policial, a proposta de retirar orçamento da polícia, tema defendido pelas alas mais à esquerda do partido, não tem sido discutida. Monk diz que a equipe focou a discussão em aumentar o orçamento para treinamento, o que, para ele, não eliminaria o problema da “imunidade qualificada”. “Eles não estão sendo ambiciosos o suficiente”, diz o professor, lembrando que os democratas têm controle da Câmara, do Senado e da Casa Branca.

Entre as promessas que podem agradar os progressistas, Biden prometeu voltar para o Acordo de Paris no “dia 1”. Na pauta migratória, os primeiros 100 dias incluem acabar com o banimento da entrada no país de viajantes de alguns países de maioria muçulmana, abrir caminho para que jovens que vieram ao país quando crianças trazidos pelos pais possam se tornar cidadãos, parar a construção do muro com o México e pôr fim à separação de famílias na fronteira.

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Biden também se comprometeu a passar nos primeiros 100 dias a Lei da Igualdade para a comunidade LGBTQ+ e poderia acabar com o banimento de transgêneros no Exército. Para lidar com a desigualdade de gênero, prometeu ampliar uma lei que combate a violência contra a mulher — tudo nos primeiros 100 dias.

Apesar da expectativa, um dos temas que irá pairar sobre este primeiro momento é a sombra do ex-presidente. Trump será julgado no processo de impeachment, o que pode desviar a agenda do legislativo logo no início. Biden pediu aos congressistas que organizem o cronograma para votar pautas prioritárias.

Além das promessa para os primeiros 100 dias, um dos maiores desafios deste início de governo será o de promover a união em um país cada vez mais polarizado.

— Biden precisa baixar a temperatura — disse o professor David Barker da American University, em coletiva na sexta. — Ele vai encarar milhões de americanos que acreditam que ele não ganhou as eleições de maneira legítima. Isso vai ser um desafio enorme.

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Principais promessas para os 100 dias:

Pandemia

Vacinar 100 milhões e financiar reformas nas escolas de todo o país para que elas sejam reabertas até março. Por meio de campanhas, universalizar o uso de máscaras. Interromper o processo de saída dos EUA da OMS, iniciado por Trump.

Economia

Aprovar um novo pacote econômico de US$ 1,9 trilhão, que inclui US$ 400 bilhões para o combate ao vírus, U$ 350 bilhões para ajuda aos estados e municípios, U$ 1 trilhão em auxílio direto às famílias, US$ 440 bilhões para pequenas empresas e comunidades, US$ 400 de suplemento do auxílio desemprego, cheques mensais de U$ 1.400 para os americanos e salário mínimo nacional de U$ 15 por hora, o dobro do atual.

Violência policial

Criação de um comitê para supervisionar o trabalho da polícia

Meio ambiente

Volta ao Acordo de Paris, o que poderia ser feito por decreto executivo.

Igualdade de gêneros

Aprovar a Lei da Igualdade, que acabaria com a discriminação legal para a comunidade LGBT+. Fim do banimento de transgêneros no Exército e renovar a Lei de Violência contra a Mulher, eliminando a “brecha do namorado”, impondo restrições a compras de armas por parceiros condenados por abuso.

Imigração

Abrir caminho para a cidadania para os jovens beneficiados pelo programa DACA, aprovado no governo Obama, que deu direito de residência a jovens levados para os EUA pelos pais quando crianças. Parar a construção do muro na fronteira com o México e revogar decreto de Trump que barra a entrada de pessoas de alguns países muçulmanos.