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Três presidentes e 11 ex-presidentes da América Latina tiveram negócios em paraísos fiscais, aponta investigação

Sebastián Piñera, Guillermo Lasso e dominicano Luis Abinader são os líderes na ativa citados pelos Pandora Papers
Presidente do Chile, Sebastián Piñera: transação descoberta pelos Pandora Papers ocorreu no primeiro mandato dele Foto: LUDOVIC MARIN / AFP/6-9-21
Presidente do Chile, Sebastián Piñera: transação descoberta pelos Pandora Papers ocorreu no primeiro mandato dele Foto: LUDOVIC MARIN / AFP/6-9-21

Três presidentes em exercício na América Latina, além de 11 ex-mandatários e 90 políticos de alto escalão, entre eles o ministro da Economia brasileiro, Paulo Guedes , mantiveram ou mantêm empresas em paraísos fiscais, as chamadas offshores. As descobertas foram feitas pela série de reportagens Pandora Papers, do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês).

Paraísos fiscais são países que não tributam a renda ou que têm alíquotas demasiadamante baixas, oferecendo grandes vantagens a cidadãos estrangeiros que buscam pagar menos impostos e ter seu anonimato protegido. Ter empresas registradas nestes locais não é uma prática ilegal no Brasil e em várias outras nações, desde que sejam declaradas à Receita Federal.

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Ainda assim, o número de sociedades fiduciárias e empresas de fachada de lideranças regionais em lugares como as Ilhas Virgens Britânicas e o Panamá é significativo. Catorze dos 35 presidentes ou ex-presidentes mencionados nas reportagens vêm da América Latina e são, em sua grande maioria, de tendência política conservadora.

Os três mandatários atuais citados nominalmente são o presidente chileno, Sebastián Piñera, o equatoriano, Guillermo Lasso, e o dominicano Luis Abinader.

Piñera, cuja coalizão de direita está em segundo lugar nas intenções de voto para as eleições presidenciais de 21 de novembro, teve entre seus negócios offshore a mineradora Dominga, adquirida em sociedade com seu amigo de infância Carlos Alberto Délano. Em dezembro de 2010, nove meses após o chileno iniciar seu primeiro mandato, a empresa foi transferida para Délano com duas minutas: uma assinada no Chile, que mencionava o valor de US$ 14 milhões, e outra assinada nas Ilhas Virgens, no montante de US$ 138 milhões, em pagamento que seria dividido em três parcelas.

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A condição para que o terceiro pagamento fosse feito era que não fosse criada uma área de proteção ambiental na zona de operação da mineradora, como demandavam ativistas. O governo decidiu não estabelecer a área de preservação, e a terceira parcela foi quitada.

Em um comunicado, o Palácio de La Moneda disse nesta segunda que o presidente nunca participou ou teve informações sobre o processo de venda da Dominga, já que havia deixado a administração de suas empresas antes de se candidatar à Presidência. Uma investigação judicial sobre os fatos, em 2017, foi arquivada devido à “inexistência de delito” e à “falta de participação do presidente na operação”, afirmou o comunicado.

—  Desde abril de 2009, há mais de 12 anos e antes de assumir a Presidência, me desliguei absoluta e totalmente da administração e gestão das empresas familiares e de qualqiuer outra empresa de que participei —  reiterou Piñera depois em entrevista coletiva. —  Nem minha família nem eu temos empresas no exterior. O fato de ser presidente me acarretou prejuízos na vida pessoal, e não benefícios.

O candidato de sua coalizão nas eleições de novembro, Sebastián Sichel, buscou se distanciar do caso. "Sobre os #PandoraPapers, os cidadãos nos pedem transparência total e, nesse caso, isso exige ir além do legal e dar todas as explicações necessárias", escreveu no Twitter.

Líderes latino-americanos

O equatoriano Guillermo Lasso, por sua vez, chegou a integrar 14 sociedades offshore, a maioria com sede no Panamá, segundo a investigação conduzida pelo jornal equatoriano El Universo. As empresas foram fechadas gradualmente após o governo do ex-presidente Rafael Correa (2007-2017) aprovar uma lei que proibia os candidatos à Presidência de terem empresas em paraísos fiscais.

Em sua defesa, o presidente disse que abriu as empresas porque a lei nacional impedia que os banqueiros investissem em seu país. Afirmou ainda que dez das companhias estão inativas e negou qualquer relação com as outras quatro.

“É de conhecimento público que meu patrimônio, declarado em meus informes de renda à Controladoria Geral do Estado, é fruto do meu trabalho de uma vida inteira no Banco Guayaquil. Tudo foi declarado, e paguei os impostos correspondentes no Equador, me convertendo em um dos maiores contribuintes físicos do país”, disse o presidente.

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Já o dominicano Abinader, um empresário de sucesso no setor hoteleiro, teve seus vínculos com duas empresas panamenhas, a  Littlecot e a  Padreso, ambas criadas antes de chegar ao cargo, segundo a investigação do jornal panamenho Noticias Sin. De acordo com o veículo, as firmas eram inicialmente “ao portador”, ou seja, um instrumento usado para ocultar os reais beneficiários das empresas.

O presidente teria se registrado como beneficiário três anos depois, em 2018, quando entrou em vigor uma lei que obriga as empresas a revelarem a identidade de seus donos. Quando foi eleito, em 2020, ele declarou ainda nove empresas offshore que controlava através de uma sociedade fiduciária. Abinader afirma não ter nenhuma participação na administração das empresas, segundo o jornal espanhol El País.

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No resto do mundo

Além do trio, os 11 ex-mandatários citados pelas investigações são: os panamenhos Juan Carlos Varela, Ricardo Martinelli e Ernesto Pérez Balladares; os colombianos César Gaviria e Andrés Pastrana; o peruano Pedro Pablo Kuczynski; o hondurenho Porfirio Lobo e o paraguaio Horacio Cartes.

Na Argentina, estão citados nomes da alta cúpula do governo do ex-presidente Mauricio Macri e de Zulema Menem, filha do ex-presidente peronista Carlos Menem, além de pessoas próximas ao kirchnerismo. No México, as investigações levantaram mais de 3 mil nomes, incluindo três dos empresários mais ricos do país.

O ICIJ teve acesso a mais de 11,9 milhões de arquivos que reúnem o trabalho de 14 assessorias para offshores. Os documentos foram analisados por uma equipe de mais de 600 jornalistas de 150 organizações jornalísticas, grupo que no Brasil incluiu a revista Piauí e os sites Metrópoles, Poder360 e El País.

As investigações, contudo, não se limitaram à América Latina: foi constatado que o rei da Jordânia, Abdullah II, criou ao menos 30 sociedades offshore através das quais comprou 14 propriedades de luxo nos EUA e no Reino Unido. Segundo o palácio real, as informações são “imprecisas e exageradas” e as propriedades foram compradas com seu dinheiro pessoal.

Já o premier tcheco, Andrej Babis, teria posto US$ 22 milhões em empresas fantasma utilizadas para financiar a compra de um castelo na França. Em seu Twitter, disse não ter feito nada de incorreto e que as acusações buscam atrapalhá-lo nas eleições no país, que ocorrerão na sexta e no sábado. ( Com Reuters)