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Trump defende manifestantes que protestaram pelo fim do isolamento social nos EUA

Fim de semana foi marcado por manifestações que pediam a retomada das atividades e defendiam pautas da extrema direita
Contramanifestação: profissional da saúde bloqueia manifestante contrário ao isolamento social em Denver Foto: ALYSON MCCLARAN / REUTERS
Contramanifestação: profissional da saúde bloqueia manifestante contrário ao isolamento social em Denver Foto: ALYSON MCCLARAN / REUTERS

WASHINGTON — Um mês depois de vários estados decretarem isolamento social , deixando americanos em casa por causa do novo coronavírus, o presidente dos Estados Unidos , Donald Trump, defendeu as manifestações que aconteceram no fim de semana contra as medidas de restrição para conter a propagação da Covid-19 . Os protestos ocorreram  no dia em que o país passou de 40 mil mortes.

— São ótimas pessoas. Elas estão claustrofóbicas, querem sair. Elas querem suas vidas de volta. As vidas que tinham foram tiradas dessas pessoas — disse Trump em uma entrevista coletiva no último domingo, depois de um dia marcado por protestos espalhados pelos EUA. — Essas pessoas amam nosso país. Elas querem voltar ao trabalho.

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Várias cidades registraram protestos no sábado e no domingo, em geral reunindo algumas centenas de participantes pedindo o fim da quarentena e a reabertura de lojas e do comércio. Além do fim do confinamento, entre as pautas dos protestos houve reivindicações comuns à direita, como a redução do controle de posse de armas no país. Símbolos nazistas e cartazes comparando alguns governadores ao ditador nazista  Adolf Hitler também aparecerem em meio aos manifestantes — o que foi minimizado por Trump na coletiva.

— Eu diria "de jeito nenhum" a isso, com certeza, mas não vi essas coisas. Tenho certeza que a imprensa exagerou — declarou Trump.

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Nesta segunda-feira, Trump seguiu com ataques a alguns estados, que pedem mais apoio para o aumento da testagem para a Covid-19, mas também fez um aceno aos governadores que aplicam medidas mais estritas de distanciamento social: ele vai se reunir com o governador de Nova York, o democrata Andrew Cuomo, um de seus maiores críticos e alvos de ataques na pandemia. O encontro está previsto para o Salão Oval da Casa Branca.

Mais cedo, Cuomo disse "entender" a motivação dos manifestantes, mas afirmou que as medidas de distanciamento social devem ser suspensas de maneira a evitar o surgimento de novos e numerosos casos em uma segunda onda de infecções.

— Você não precisa de protestos para convencer alguém neste país de que precisamos voltar a trabalho e fazer a economia funcionar e sair de nossas casas. Ninguém — afirmou Cuomo, em entrevista coletiva na manhã desta segunda-feira.

O governador ainda pediu ao governo federal ajuda para pagar os profissionais que trabalham na chamada "linha de frente" do combate à Covid-19, assim como dinheiro para financiar a realização de testes. O aumento da testagem, para que novos surtos da doença possam ser rapidamente identificados e debelados, é apontado como uma das precondições para o fim gradual das medidas de isolamento social.

'Desobediência civil'

A decretação do isolamento social pelos governadores abriu um embate com Trump, que alega que cabe a ele decidir sobre como e quando as atividades econômicas serão retomadas. Na quinta-feira passada, Trump anunciou um plano em três etapas , flexibilizando as medidas de isolamento até o início do próximo mês. No entanto, houve críticas de cientistas que alertaram repetidamente que o afrouxamento da quarentena muito cedo pode ter consequências devastadoras. Na sexta-feira, o presidente manifestou apoio aos protestos pedindo para "liberar" a Virgínia, Minnesota e Michigan" , três estados governados por democratas.

Sintetizando o que pensam muitos participantes desses protestos, Tom Zawistowski, que saiu às ruas domingo em Ohio, afirmou que a "desobediência civil" será comum caso as atividades econômicas do país não sejam retomadas até o dia 1º de maio.

— Vamos dizer a eles: "Vão para o inferno, vocês não podem me dizer o que fazer!" O trabalho do nosso governo é nos representar, proteger nossos direitos e, em vez disso, eles se tornam tiranos, incluindo republicanos como Mike DeWine — disse ao jornal Financial Times, fazendo menção ao governador do estado, que defende que as pessoas devam ficar em casa.

Embora os protestos tenham reunido um número pequeno de pessoas em Minnesota, Kentucky, Pensilvânia, Flórida, Texas e Ohio, a fala de Trump em defesa das manifestações pode fazer com que mais gente saia às ruas contra o isolamento. Diante do crescente número dos protestos, o Facebook anunciou que removeria eventos em defesa do fim das regras de distanciamento social em Nebraska, Nova Jersey e Califórnia.

"A não ser que o governo proíba o evento nesse momento, vamos permitir que ele seja organizado no Facebook", disse o porta-voz da empresa, Andy Stone. "Pela mesma razão, eventos que desafiem as orientações de distanciamento social não são permitidos no Facebook."

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Manifestantes contra a quarentena, em Colorado, nos Estados Unidos Foto: JASON CONNOLLY / AFP
Manifestantes contra a quarentena, em Colorado, nos Estados Unidos Foto: JASON CONNOLLY / AFP

Na coletiva do domingo, o chefe da Casa Branca voltou a atacar os governadores democratas e repetiu o slogan usado nas manifestações, dizendo que deseja "libertar" os estados. Inicialmente, Trump tinha dito que cabia a ele decidir quando retomar as atividades econômicas e sociais dos EUA, porém, voltou atrás na semana passada, afirmando que tal decisão só pode ser tomada pelos estados — conforme prevê o pacto federativo expresso na Constituição americana.  Ainda assim, com o endosso aos protestos, o republicano mantém, de forma velada, uma guerra interna com os responsáveis pelas medidas restritiva s. O governador de Maryland, o republicano Larry Hogan, que preside a Associação Nacional dos Governadores, criticou Trump por incentivar protestos que vão contra suas próprias orientações de retomada gradual.

Os Estados Unidos são o país mais afetado pela pandemia da Covid-19. Segundo a Universidade Johns Hopkins, mais de 744 mil casos foram confirmados — o equivalente a um terço do registro de contaminados no mundo.

Com mais de 22 milhões de pessoas pedindo auxílio-desemprego nas últimas semanas, o presidente americano vem demonstrando ansiedade por uma retomada rápida das atividades econômicas no país. Antes da crise causada pelo coronavírus, os EUA viviam uma bonança na economia — usada pelo republicano  como base de sua campanha à reeleição em novembro deste ano.

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Na imprensa americana, Trump foi comparado ao presidente Jair Bolsonaro , que no domingo ofereceu seu apoio a manifestantes que exigiram o fim das paralisações impostas por governadores e prefeitos em todo país, além de defenderem pautas ligadas à extrema direita, como o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal ( STF ) e um novo AI-5 .