ROMA — Com louvores à recém-adquirida “independência” do Reino Unido, evocando Deus, as "tradições judaico-cristãs" e a identidade das nações europeias, grupos da extrema direita de seis países organizaram nesta terça-feira em um hotel de Roma uma conferência para entoar um bordão que por muito tempo foi usado pela esquerda: um novo mundo é possível.
Com uma audiência heterogênea formada por católicos tradicionalistas, judeus e jovens de instituições conservadoras, o encontro foi chamado “Deus, honra, pátria: Ronald Reagan, Papa João Paulo II e a liberdade das nações”, tendo por eixo o “conservadorismo nacional”.
Os presentes exaltaram aquele que é considerado um dos principais expoentes da ultradireita pelo mundo, o premier da Hungria, Viktor Orbán, responsável por reformas antidemocráticas no país do Leste Europeu que provocaram forte insatisfação na União Europeia.
— Sou o único homem sortudo da União Europeia, porque posso dizer aquilo que vejo, posso me exprimir livremente — disse o político à plateia.
Admirado por outros líderes da direita populista como o presidente Jair Bolsonaro e Donald Trump, Orbán classifica o sistema de governo na Hungria – sob seu comando desde 2010 – como uma “democracia iliberal”.
— Nós encontramos um novo termo para descrever nosso sistema. É "democracia cristã" — afirmou ele, sob fortes aplausos.
O húngaro tem feito uma cruzada conservadora para defender, como diz, o cristianismo e a identidade nacional. Para isso, seu governo asfixiou a mídia independente, interveio nas universidades e no Judiciário, fechou as fronteiras da Hungria para a imigração (ele lembrou na conferência que historicamente seu país nunca teve muçulmanos, e deu a entender que é seu direito não continuar a tê-los) e tenta minar internamente a União Europeia.
Nesta mesma terça-feira, enquanto Orbán estava em Roma, em Budapeste professores protestavam contra as mudanças promovidas pelo governo no currículo escolar, que, segundo eles, promoviam a agenda nacionalista do político e limitavam a liberdade dos educadores.
Antes do premier, quem deu o tom do encontro, sendo também muito aplaudida, foi a jovem Marion Maréchal, neta de Jean-Marie Le Pen e sobrinha de Marine Le Pen, uma das lideranças da extrema direita na França:
— Nós somos o novo humanismo deste século. Nós conhecemos e defendemos todas as necessidades da alma humana: ordem, liberdade, obediência, responsabilidade, hierarquia, honra, segurança. Todos esses aspectos são essenciais para o ser humano — disse Marion.
O maior ausente, anunciado previamente como um dos palestrantes do dia, foi o senador italiano Matteo Salvini, líder da Liga, partido da extrema direita e atualmente o político mais popular do país. Segundo a organização do evento, Salvini cancelou a presença de última hora, sem apresentar explicação. Sua assessoria limitou-se a informar que ele “tinha outros compromissos e não havia confirmado participação”.
A extrema direita deixou o governo da Itália em agosto passado por decisão do próprio Salvini, que tentava convocar eleições antecipadas para assumir o cargo de primeiro-ministro, manobra que acabou mal-sucedida. A conferência ocorre dias após um grande revés de seu partido, derrotado na eleição regional da Emília-Romanha, um feudo da esquerda desde o final da Segunda Guerra Mundial, que ele esperava conquistar para servir de carro-chefe de uma pretendida ascensão eleitoral.
O senador também ganhou uma oposição inédita com o Movimento das Sardinhas, criado espontaneamente por jovens em meados de novembro exatamente para se contrapor à mensagem extremista e xenófoba da Liga.
Muitos dos presentes especulavam que sua ausência pode ser lida como um desejo de se distanciar dos eurocéticos (a crítica à União Europeia era outra unanimidade) num momento de fragilidade política.
A representante da direita italiana no evento foi a deputada Giorgia Meloni, que despontou na política a partir de 2008 como ministra da Juventude de Silvio Berlusconi e que comanda atualmente o partido Irmãos da Itália, descendente do Movimento Social Italiano, já extinto e que foi o maior partido neofascista da Europa na segunda metade do século XX. Meloni aparece nas pesquisas com cerca de 10% dos votos e é apontada como uma aliada natural de Salvini num hipotético governo.
Num discurso na noite de segunda-feira em jantar de boas-vindas aos participantes, fechado à imprensa, Meloni comparou a União Europeia à finada União Soviética. Segundo ela, o bloco europeu “atua para anular a identidade nacional e religiosa com outros meios e o mesmo desenho soviético de anulação”.
“Deus, honra, pátria”
Este foi o segundo encontro da série sobre "nacional conservadorismo", organizada pela Fundação Edmund Burke, dos EUA.
Ano passado, em Washington, o primeiro encontro reuniu entusiastas de Donald Trump, como o então conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, e o comentarista Tucker Carlson, da Fox News – um segundo evento na capital americana deve acontecer em meados deste ano. Na primeira edição europeia, juntaram-se à fundação americana grupos de Reino Unido, Holanda, Israel, Hungria e Itália.
Apesar da forte presença americana, o evento não tinha nenhuma relação com Steve Bannon, ex-estrategista de Trump que planejava criar uma rede mundial da direita populista baseada na Europa e que reuniria nomes como Salvini e Orbán. Até agora, seu plano não deu muito certo. Além de resultados eleitorais insatisfatórios, o grupo — intitulado The Movement — teve um revés ao tentar abrir uma escola num monastério nos arredores de Roma. O Ministério da Cultura italiano revogou a licença de uso do local, mas o grupo de Bannon recorreu (ainda não há decisão).
Na conferência realizada no Grand Hotel Plaza, em Roma, o “anticomunismo” foi um dos temas mais falados, o que explica as referências a Ronald Reagan e João Paulo II, personagens que atuaram juntos no processo da queda do Muro de Berlim em 1989. A imensa maioria dos presentes, contudo, ainda acredita que o mundo vive sob a ameaça do comunismo.
Outra expressão bastante popular, presente também em países como Brasil e Estados Unidos, foi “guerra cultural”, sobretudo em frentes como a mídia e as universidades, instituições apontadas como redutos da “esquerda ou dos globalistas”.
Ex-deputada de 30 anos e vista pelos pares europeus como mais conservadora que a tia Marine Le Pen, líder da Frente Nacional que foi derrotada no segundo turno da eleição presidencial francesa em 2017, Marion Maréchal (que abandonou o sobrenome famoso) criou uma escola de pós-graduação em Lyon exatamente para difundir as ideias conservadoras, uma forma de promover a tal “guerra cultural”.
— Começamos a entender as mentiras que eles contam de nós e estamos começando a desacreditá-los — afirmou o escritor e filósofo Yoram Hazony, presidente da Fundação Edmund Burke.
A organização italiana do evento coube ao centro de pesquisa Nazione Futura, criado em 2017 pelo jovem Francesco Giubilei para “ajudar o universo conservador”.
— O objetivo é atuar como um laboratório para pensar a direita no âmbito cultural, o que a esquerda faz com relativo êxito — comentou Giubilei.
Dentre os religiosos presentes, além de católicos tradicionalistas ligados à TFP (Tradição, Família e Propriedade), notórios opositores do Papa Francisco, estava presente em Roma, como convidado dos organizadores, o austríaco Alexander Tschugguel, que ficou famoso no mundo conservador durante o Sínodo da Amazônia, em outubro passado, ao roubar estátuas indígenas de uma igreja e jogá-las num rio que corta Roma. Ele argumentou que agiu para impedir um ato pagão. À época, o Vaticano condenou o episódio e o classificou de intolerância religiosa.