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A dias da posse de Biden, Trump libera venda de US$ 290 milhões em armas para a Arábia Saudita

Autorização ocorre depois de o presidente eleito sugerir a suspensão dos negócios com Riad para pressionar por solução no Iêmen; atentado em Áden contra governo apoiado por sauditas deixa 22 mortos
Fumaça no aeroporto de Aden depois de ataque que deixou 22 mortos nesta quarta-feira Foto: FAWAZ SALMAN / REUTERS
Fumaça no aeroporto de Aden depois de ataque que deixou 22 mortos nesta quarta-feira Foto: FAWAZ SALMAN / REUTERS

WASHINGTON — Por meio do Departamento de Estado, o governo de Donald Trump autorizou uma nova venda de equipamentos militares para a Arábia Saudita, um negócio avaliado em cerca de US$ 290 milhões. A sinalização foi feita mesmo diante das declarações do presidente eleito Joe Biden, que se comprometeu a suspender o fornecimento de armas aos sauditas para pressionar por uma solução para a guerra do Iêmen.

O pacote inclui munições usadas em ataques aéreos, equipamento de apoio, peças de reposição e suporte técnico, de acordo com o Departamento de Estado. Apesar do anúncio, o negócio ainda não foi fechado e o valor poderá ser modificado.

“A proposta de venda vai apoiar a política externa e objetivos de segurança nacional dos EUA, ao ajudar a melhorar a segurança de uma nação amiga, que continua sendo uma força importante para a estabilidade política e crescimento econômico do Oriente Médio”, diz a nota publicada na noite de terça-feira.

Na semana passada, surgiram relatos de que o governo americano estaria negociando um pacote militar de US$ 500 milhões com os sauditas, principais clientes da indústria bélica dos EUA no Oriente Médio. O governo de Riad também tenta uma autorização para comprar os caças F-35 , hoje operados por Israel na região, mas enfrenta resistência no Congresso.

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A decisão vai contra o discurso de Joe Biden, que assume a Presidência no dia 20 de janeiro e que sinalizou que vai bloquear vendas de armas aos sauditas para pressionar por uma solução para a guerra no Iêmen, que provocou uma das maiores catástrofes humanitárias do planeta .

A coalizão que bombardeia os rebeldes houthis, que desde 2014 controlam a capital, Sanaa, e metade do país,  é liderada pela Arábia Saudita. Segundo o Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU, mais de 230 mil pessoas morreram nos últimos seis anos no país, a maior parte por causas relacionadas à escassez crônica de alimentos e à falta de serviços médicos e infraestrutura.

“É particularmente preocupante que o governo Trump tente fechar esses acordos controversos com menos de um mês de mandato sobrando”, afirmou à Reuters William Hartung, diretor do programa de armas e segurança do Centro de Política Internacional, um centro de estudos americano. Ele defende que o Congresso ou então o próprio Joe Biden vete o negócio.

Ataque em Aden

O anúncio do Departamento de Estado veio horas antes de um ataque contra o aeroporto da cidade costeira de Áden, que deixou 22 mortos. Desde que os houthis, apoiados pelo Irã, passaram a controlar Sanaa, a cidade é a sede do governo que tem o apoio dos sauditas.

O alvo aparente era delegação que vai compor um novo gabinete deste governo, que é reconhecido pela ONU como a autoridade legítima do país. De acordo com testemunhas, foram ouvidos tiros e disparos de morteiro pouco depois de a aeronave pousar. Segundo o gabinete do Maeen Abdulmalik, 50 pessoas ficaram feridas. Entre os mortos estão dois funcionários do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) — cinco outros ficaram feridos e um homem está desaparecido

"Um dia como este traz ainda mais dor, tanto para a família da Cruz Vermelha como para as famílias do Iêmen cujos entes queridos morreram ou ficaram feridos nessa explosão", disse, em comunicado, Dominik Stillhart, diretor de operações do CICV.

Depois do ataque, explosões foram ouvidas ao redor do palácio usado pelo governo apoiado por Riad, onde ocorria uma reunião entre os integrantes do Gabinete e o embaixador saudita no país.

"Nós e os integrantes do governo estamos na capital temporária de Aden e todos estão bem. O ataque terrorista que atingiu o aeroporto de Aden é parte da guerra que está sendo travada contra o Estado do Iêmen e seu grande povo", publicou Maeen no Twitter.

Ninguém assumiu a responsabilidade pelos ataques.

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Os ataques ocorrem em meio a disputas internas entre as facções apoiadas pelos sauditas. Em abril, o autoproclamado Conselho de Transição do Sul, endossado pelos Emirados Árabes Unidos e que busca a independência dessa região do país que já foi um Estado separado, se declarou no comando de Áden, dando início a confrontos armados na cidade. Em uma tentativa de pôr fim à disputa, Riad patrocinou a formação de um novo Gabinete, formado pelos separatistas e por partidários do presidente Abd-Rabbu Mansour Hadi.