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Mundo Eleições EUA 2020

Ala progressista do Partido Democrata cobra implementação de programa após mobilização por Biden

Presidente eleito enfrentará desafio para contentar a própria legenda, especialmente se o Senado continuar sob controle republicano
Deputada Alexandria Ocasio-Cortez, uma das principais líderes da ala progressista dos democratas, será uma das vozes a pressionar Biden por ações caras à esquerda no mandato Foto: DESIREE RIOS / NYT
Deputada Alexandria Ocasio-Cortez, uma das principais líderes da ala progressista dos democratas, será uma das vozes a pressionar Biden por ações caras à esquerda no mandato Foto: DESIREE RIOS / NYT

WASHINGTON — A batalha de Joe Biden não terminou com sua vitória sobre Donald Trump. Além de ter que esperar o resultado de mais duas vagas do Senado que só serão decididas em janeiro, disputa decisiva para garantir sua maioria no Casa e evitar o bloqueio republicano, Biden também enfrentará as demandas da ala mais à esquerda do Partido Democrata, que exige ações mais amplas de combate às mudanças climáticas, não necessariamente prioridade para a maioria centrista do partido.

Depois de terem se enfrentado nas primárias democratas, Bernie Sanders e Joe Biden uniram forças para derrotar Trump. O senador social-democrata já havia tentado ser o candidato à Presidência pelo partido em 2016, mas foi derrotado por Hillary Clinton. Quando ela perdeu, o comando da legenda foi alvo de críticas da ala mais progressista, que acusava os centristas — grupo em que se encontram Biden e a líder da Câmara, Nancy Pelosi — de não apostarem em ideias novas para combater Trump, candidato que se elegeu como a grande novidade dos republicanos.

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Em 2020, Sanders entrou na disputa de novo. Seu principal argumento era que a plataforma à esquerda mobilizava os jovens. Essa mobilização não foi suficiente para a vitória do senador nas primárias, mas os jovens foram às urnas para tirar Trump da Casa Branca em novembro, influenciados pelo endosso e pela mobilização de Sanders e da estrela jovem do partido, Alexandria Ocasio-Cortez. De acordo com análise da Universidade Tufts, o comparecimento eleitoral do grupo aumentou dez pontos percentuais neste ano em comparação com 2016.

— Mudanças climáticas foram o tema mais importante para eleitores indecisos e para os jovens, que compareceram em níveis históricos em estados-chave que viraram para Biden — diz Garrett Blad, integrante do Sunrise Movement, organização progressista focada em mudanças climáticas.

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Devendo em parte sua vitória à mobilização da esquerda, Biden terá que decidir como implementar planos de combate às mudanças climáticas que exigem mais gastos públicos do que os propostos por republicanos e pela ala centrista do Partido Democrata. Uma proposta de um grande pacote que inclua também estímulos econômicos já constava na plataforma que o levou à eleição, e agora grupos progressistas cobram sua implementação e a criação de um gabinete especial para garantir que o tema seja prioridade.

Lista de ministros

O movimento Sunrise, que conta com o apoio ativo de Ocasio-Cortez, apresentou na semana passada uma lista de prioridades e de personalidades que gostaria de ver na nova administração. Sanders foi indicado para a Secretaria do Trabalho, e a senadora Elizabeth Warren para a do Tesouro. Na lista estão diversos congressistas que encamparam moções legislativas contra o governo Bolsonaro no Congresso, como a deputada Deb Haaland e os deputados Raúl Grijalva e Ro Khanna.

— Fizemos essa lista de indicações, e nossa principal demanda de ação executiva é criar um escritório para mobilização climática, similar ao que Franklin Delano Roosevelt criou na Segunda Guerra Mundial — diz Blad.

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Mesmo que concorde com os nomes propostos pela ala à esquerda do partido, Biden precisaria do apoio do Senado para aprová-los, e nomes progressistas como da senadora Warren podem ser barrados para pastas centrais como o Tesouro. Enquanto a maioria na Câmara já está garantida para os democratas, a maioria no Senado depende ainda de disputa indefinida na Geórgia.

— As duas últimas vagas para o Senado em disputa na Geórgia terão grande impacto em como a agenda do clima será em 2021 — diz Lindsey Walter, analista sênior de clima e políticas energéticas do centro de estudos Third Way.

As duas cadeiras do estado não foram definidas no primeiro turno, pois nenhum dos candidatos alcançou a metade dos votos, regra exigida pelo estado, e dependem de um segundo em janeiro. A necessidade de manter a base mobilizada para essa votação é uma das razões pelas quais os republicanos, principalmente o líder do partido no Senado, Mitch McConnell, têm relutado em admitir publicamente a vitória de Biden.

— A equipe de Biden fez um excelente trabalho com as pessoas da coalizão de Sanders para criar o plano do clima de Biden. Há mais coisas em comum e colaboração entre a equipe dele e ativistas do clima do que se esperaria. Biden tem a agenda mais ambiciosa para o clima que já vimos de um presidente eleito na |História — diz Lindsey. — A questão é: se ficarmos com um Senado controlado pelos republicanos, o quanto Mitch McConnell vai querer discutir o tema?

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Caso consiga a maioria no Senado, Biden teria caminho aberto para ir adiante com as promessas que fez aos progressistas, mas ainda teria que equilibrá-las com o centro, maioria no partido, que não compra a ideia de que as ações para transição energética sejam tão urgentes quanto a necessidade de garantir ajuda à população no momento em que a pandemia entra em sua terceira onda no país.

Governar por decreto

Com a polarização, aprovar legislação com apoio bipartidário é um desafio. Scott Lincicome, do instituto libertário Cato, acredita que há poucos temas de consenso entre democratas e republicanos, como infraestrutura ou a aprovação de um novo pacote para combater os efeitos econômicos da Covid-19.

Em outros temas, como clima, educação, saúde e reforma tributária — Biden afirmou que aumentaria impostos de quem ganha mais que US$ 400 mil por ano — a ação dos democratas ficaria comprometida. Seria necessário baixar decretos executivos, sem aprovação do Congresso, para levar as pautas adiante.

— Um dos lados ruins do impasse legislativo é que os presidentes acabam fazendo cada vez mais coisas unilateralmente. Todo presidente faz isso, mas certamente aumentou em anos recentes, primeiro sob Obama e substancialmente sob o presidente Trump.

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Em algumas áreas, o escopo de ação da Presidência sem o Congresso é limitado. Biden provavelmente teria que desistir de seu plano de reforma tributária. Em outras áreas, como o clima, o governo tem o poder de ir adiante com revisão de normas para diminuir a emissão de combustíveis fósseis. Biden também poderia levar os Estados Unidos de volta ao Acordo de Paris.

— Podemos ver mais ações unilaterais em temas de comércio. Certamente veremos o governo Biden ser mais agressivo na regulamentação ambiental — diz Lincicome, que não acredita que todo impasse legislativo seja negativo. — Se olharmos para a História, veremos que ir mais devagar pode ser melhor para fazer boas leis. Ela mostra que leis bipartidárias duram mais e se saem melhor em termos de seu desenho e seus efeitos, porque exigem mais negociação e atenção aos detalhes que podem não estar presentes quando você tem um governo que já tem maioria.