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Análise: Por que Kamala Harris pode ser um alvo difícil para Trump

Com fortes ligações com o establishment democrata, eleitores não veem vice de Biden como radical, como quer o presidente
 Joe Biden conversa com a então pré-candidata Kamala Harris após debate no Texas, em setembro do ano passado Foto: MIKE BLAKE / REUTERS
Joe Biden conversa com a então pré-candidata Kamala Harris após debate no Texas, em setembro do ano passado Foto: MIKE BLAKE / REUTERS

WASHINGTON — A escolha de Joe Biden da senadora Kamala Harris como sua companheira de chapa fornece um novo alvo para a campanha de reeleição do presidente Donald Trump, que tem lutado para encontrar uma linha de ataque eficaz contra seu rival democrata. Mas bater de frente com Harris tem seus próprios riscos e desafios.

Poucos minutos após o anúncio de Biden na terça-feira, Trump chamou Harris de "desagradável", "nojenta" e "desrespeitosa", enquanto sua campanha a pintava como uma extremista que puxaria o moderado Biden para a esquerda.

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Mas há poucos indícios até o momento que indiquem que o público veja Harris , uma ex-promotora de Justiça e ex-procuradora-geral da Califórnia com fortes ligações com o establishment democrata, como uma radical.

Na verdade, ela é mais apreciada pelos republicanos do que o próprio Biden, de acordo com uma pesquisa Reuters/Ipsos realizada em 10 e 11 de agosto, pouco antes de Harris ser anunciada como a escolhida do democrata. A sondagem mostrou que 21% dos eleitores republicanos registrados têm uma impressão favorável de Harris, em comparação com 13% para Biden.

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Mais preocupante para Trump: ataques que poderiam parecer sexistas ou racistas contra a primeira mulher negra na chapa de um grande partido na História dos Estados Unidos ameaçam complicar o esforço de sua campanha para fortalecer sua posição entre as mulheres do subúrbio, um bloco eleitoral crítico que o presidente deve reconquistar para ser reeleito, dizem estrategistas de ambos os lados.

As principais líderes mulheres no Partido Democrata já alertaram contra uma repetição do confronto de 2016 entre Trump e a então candidata democrata, Hillary Clinton, que foi alvo de críticas machistas por ser a primeira candidata presidencial mulher. Trump também chamou Clinton de "desagradável" e a acusou de usar a "carta de gênero".

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— Se ele quiser usar tropas misóginas contra Kamala Harris , acho que será bastante complicado para ele — disse Neera Tanden, uma das principais assessoras de Hillary na campanha de 2016l. — Ele não tem margem para erros com mulheres dos subúrbios.

De acordo com a última pesquisa Reuters/Ipsos, Biden tinha uma vantagem de 10 pontos percentuais entre as mulheres e uma vantagem de 6 pontos entre as que moravam nos subúrbios. No voto nacional, o democrata está à frente por 11 pontos na pesquisa.

Sarah Longwell, republicana especialista em pesquisas, afirma que os assessores de Trump provavelmente gostariam que o presidente, conhecido por sua retórica inflamada e bombástica contra seus rivais políticos, fosse mais cauteloso ao atacar Harris, a menos que tenham motivos para acreditar que as mulheres dos subúrbios desconfiam ou não gostam dela.

— Mas ainda não há evidências disso —  disse Longwell. — Na verdade, meu palpite é que ela vai ser bem aceita pelas mulheres suburbanas.

Embate difícil para Pence

A aceitação de Trump entre os eleitores diminuiu bastante em meio à pandemia do coronavírus, à crise econômica e aos protestos em todo o país contra a brutalidade policial e a injustiça racial. Buscando algo que alterasse a trajetória da disputa presidencial, o presidente e seus aliados republicanos rapidamente lançaram uma série de ataques contra Harris, momentos depois de a escolha ser anunciada.

A campanha do presidente convocou uma teleconferência com repórteres para atacar as posições ide Harris quando ela ainda era candidata à Casa Branca, e apoiou propostas progressistas, como o New Deal Verde, um plano de energia limpa abrangente, e um sistema universal de saúde patrocinado pelo governo. Biden não apoiou nenhuma das propostas.

Harris mudou várias de suas posições políticas no decorrer da campanha , em uma tentativa de se mover em direção ao centro. Mas a equipe de Trump deixou claro que tentará retratá-la como uma esquerdista obstinada, ao mesmo tempo que sugere que Biden, de 77 anos, pode em breve deixar o cargo e ser substituído por ela. A campanha também buscará destacar as críticas da comunidade negra a Harris sobre seu histórico na Justiça criminal, na esperança de criar uma barreira entre ela e o grupo de eleitores mais fiel ao Partido Democrata.

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Em privado, no entanto, assessores de Trump reconhecem que Harris será uma adversária formidável. Um alto funcionário da Casa Branca disse que a escolha significa que o vice-presidente Mike Pence terá um grande desafio no único debate entre candidatos à Vice-Presidência, em outubro.

Trump, em sua entrevista coletiva na Casa Branca, ressaltou o comportamento agressivo de Harris com o seu indicado à Suprema Corte, Brett Kavanaugh, em sua audiência de confirmação no Senado em 2018.

— Ela era nojenta a um nível que era simplesmente horrível, o jeito que ela tratava o agora juiz Kavanaugh, e eu não esquecerei isso tão cedo.

Desafio entre eleitores progressistas

O desafio imediato de Harris e Biden, na verdade, será acalmar os ânimos entre os democratas que exortaram Biden a escolher um candidato mais abertamente progressista, como a senadora Elizabeth Warren.

Harris já foi ferozmente criticada por progressistas que consideravam que seu histórico como promotora de Justiça era excessivamente punitivo. Desde então, ela passou a apoiar mais fortemente reformas progressistas da Justiça criminal.