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Anthony Fauci, o epidemiologista que corrige Trump, vira alvo da extrema direita nas redes

Diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas também tem, no entanto, milhares de admiradores
Fauci em uma das entrevistas coletivas diárias ao lado de Trump Foto: BRENDAN SMIALOWSKI / AFP/17-3-2020
Fauci em uma das entrevistas coletivas diárias ao lado de Trump Foto: BRENDAN SMIALOWSKI / AFP/17-3-2020

NOVA YORK  — No dia 20 de março, em uma entrevista coletiva na Casa Branca sobre a pandemia do novo coronavírus, o presidente Donald Trump chamou o Departamento de Estado de “Departamento de Estado profundo”. Atrás deles, o doutor Anthony Fauci , o diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas , baixou a cabeça e coçou a testa.

Alguns pensaram que Fauci estava ironizando o presidente, o que levou a uma reação furiosa na internet. No Twitter e no Facebook, um post que afirmava falsamente que ele era parte de uma conspiração secreta contra Trump foi compartilhado milhares de vezes, alcançando 1,5 milhão de pessoas.

Uma semana depois, Fauci — que é, no governo, o mais firme defensor de medidas de emergência contra o coronavírus — se tornou o alvo de uma teoria da conspiração on-line de que ele está se mobilizando para minar o presidente. Essa teoria se espalhou pelas redes sociais, alavancada por apoiadores de Trump na extrema direita, ainda que Fauci tenha também carreado admiradores por sua disposição de contradizer o presidente e corrigir as declarações erradas ou excessivamente otimistas do ocupante da Casa Branca.

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Uma análise do New York Times encontrou mais de 70 contas no Twitter que promoveram a hashtag #FauciFraud, com algumas delas postando até 795 vezes por dia. O sentimento anti-Fauci está sendo promovido por postagens de Tom Fitton, presidente da Judicial Watch (Observatória da Justiça), um grupo conservador; de Bill Mitchell, apresentador do programa on-line de extrema direita “YourVoice America”; e de outros apoiadores de Trump, como Shiva Ayyadurai, que já afirmou falsamente ter sido o inventor do e-mail.

Muitas das postagens anti-Fauci, algumas das quais mencionaram uma mensagem elogiosa que o epidemiologista enviou sete anos atrás para Hillary Clinton, quando ela era secretária de Estado, foram retuitadas milhares de vezes. No YouTube, vídeos com teorias da conspiração sobre Fauci foram assistidos por centenas de milhares de pessoas na última semana. Em grupos privados do Facebook, postagens que atacam o especialista foram compartilhadas e curtidas por milhares de pessoas, segundo uma análise do NYT. Uma das mensagens, na terça-feira, dizia: “Desculpem, progressistas, mas não acreditamos no doutor Anthony Fauci”.

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A torrente de mentiras com o objetivo de desacreditar o epidemiologista é mais um exemplo do fluxo de informação hiperpolarizado que criou um fosso de pensamento entre grupos da sociedade americana. Nos últimos anos, a base de extrema direita de Trump vem regularmente difamando todos que são vistos como se opondo ao presidente. Ainda assim, a campanha contra Fauci e destaca porque ele é um dos maiores especialistas do mundo em doenças infecciosas e um integrante da força-tarefa criada pelo próprio Trump contra a pandemia.

O governo Trump já demonstrou anteriormente sua má vontade em confiar na ciência, como no caso das mudanças climáticas. Mas campanhas de desinformação durante uma pandemia são especialmente perigosas porque podem promover a desconfiança de autoridades públicas da saúde quando a informação e as orientações corretas são cruciais, disse Whitney Phillips, professor assistente de ética digital na Universidade de Siracusa.

— O que esse caso mostra é que teorias da conspiração podem matar — disse Philipps.

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O Instituto Nacional de Doenças Alérgicas e Infecciosas não respondeu aos pedidos de comentários sobre a campanha de desinformação dirigida contra o doutor Fauci, que já disse que pretende continuar trabalhando para conter o coronavírus.

— Quando você está lidando com a Casa Branca, às vezes precisa dizer as coisas uma, duas, três, quatro vezes até elas acontecerem — disse o especialista em entrevista recente à revista Science. — Então vou continuar insistindo.

A campanha on-line é uma mudança abrupta para Fauci, que está no cargo desde 1984 e é visto como uma pessoa com credibilidade por grande parte do público e dos jornalistas, tendo assessorado presidentes desde o republicano Ronald Reagan.

Nas semanas recentes, boa parte da discussão on-line sobre Fauci foi positiva. Zignal Labs, uma companhia de anáise de mídia, estudou 1,7 milhão de menções ao epidemiologista na internet e nas TVs desde meados de março, e concluiu que na maior parte das vezes ele foi elogiado. Até mesmo pessoas de direita o saudaram por seus comentários favoráveis a bloquear viagens de e para a China.