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Após comparações com Bolsonaro, López Obrador, do México, volta atrás e decreta isolamento parcial

Presidente de esquerda adiou medidas drásticas por temer efeitos econômicos, mas recuou ao ser chamado de irresponsável por diversos governos regionais
O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, usa um megafone para falar com seus apoiadores num comício dia 15 de março Foto: MEXICO'S PRESIDENCY / REUTERS
O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, usa um megafone para falar com seus apoiadores num comício dia 15 de março Foto: MEXICO'S PRESIDENCY / REUTERS

Na política, estão em polos opostos. Não se conhecem, seus projetos de poder são antagônicos em muitos sentidos, mas, quando se trata de enfrentar a pandemia do coronavírus, os presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro, e do México, Andrés Manuel López Obrador, caminhavam na mesma direção até a noite desta quarta-feira, acusados de irresponsabilidade por governos regionais de seus países.

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No outro extremo do continente, o chefe de Estado mexicano mantinha aeroportos e fronteiras abertos e pedia à população que continuasse com a vida normal, abraçando-se e beijando como sempre. Paralelamente, governos estaduais implementavam medidas de isolamento social e fechavam escolas e universidades. A normalidade oficial finalmente foi interrompida na noite desta quarta-feira, quando o México, após várias comparações com o Brasil na mídia mundial, anunciou a suspensão de todas as suas atividades não essenciais a partir desta quinta-feira.

As fronteiras não foram fechadas, mas as aulas foram suspensas, incluindo nas universidades, e todas as atividades do governo federal foram paralisadas, exceto nos setores de energia, saúde, segurança e limpeza pública.

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Na visão de analistas políticos mexicanos, López Obrador acentuou seu perfil populista na crise do coronavírus e, como Bolsonaro, desrespeitou as recomendações de especialistas e até da Organização Mundial da Saúde (OMS), tentando construir uma imagem de líder messiânico que salvará a pátria de um colapso econômico.

O problema, para ambos, é que o receio da população é cada vez maior e, também, a consciência de que a pandemia é muito mais grave do que expressam os líderes. Segundo pesquisa realizada pela empresa de consultoria mexicana Mitofsky, na última semana o medo dos mexicanos de morrer da Covid-19 passou de 17,7% para 25,5%. A mesma pesquisa mostrou que apenas 28,6% dos entrevistados apoiam a maneira como o presidente administra a crise.

Nos últimos dias, o presidente mexicano manteve sua agenda de atos políticos, beijou crianças e fez questão de não usar máscara nem álcool gel. Seus elementos de proteção foram imagens religiosas.

Recuo na popularidade

O México acumula 14 meses consecutivos de queda da atividade econômica e fechou 2019 com retração de 0,1% do PIB. O maior temor do presidente é que o país, no qual mais de 50% dos trabalhadores vivem na informalidade, mergulhe numa depressão econômica. Como Bolsonaro, o chefe de Estado mexicano colocou a economia acima da saúde, opinou Guadalupe González, professora do Centro de Estudos Internacionais do Colégio de México.

— O perfil de ambos presidentes nesta crise é bastante similar. Ambos estão adiando medidas drásticas porque pensam no impacto econômico. Desde que começou a crise, a popularidade de López Obrador recuou em torno de 20 pontos percentuais e hoje alcança pouco mais de 50% (chegou a 80%) — explicou a professora mexicana.

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Estados como Tijuana, Jalisco e Querétaro implementaram medidas de isolamento social há semanas. Muitas empresas, universidades e organizações privadas decidiram unilateralmente adotar o trabalho em casa, indo na contramão das posições do presidente. O fato de estar ao lado dos EUA, país que vem mostrando aumento expressivo de contágios, gerou medo social.

— O presidente diz que o México será salvo pela Igreja e por Deus. Adotou uma lógica populista e messiânica, e está sendo totalmente irresponsável — enfatizou Guadalupe.

Na opinião do analista José Antonio Crespo, “o problema é que muitas pessoas ainda acreditam em López Obrador, somos um país católico. Se a situação se descontrolar, ele pagará um custo político altíssimo”.

— O governo divulga informações, mas o presidente não cumpre protocolos básicos — lamentou Crespo.

Uma das campanhas do Ministério da Saúde prega a importância de manter uma “saudável distância” entre pessoas e criou até mesmo uma super-heroína, a “Susana Distancia”. Enquanto o presidente despreza as recomendações da OMS, como Bolsonaro, os técnicos de seu governo tentam instalar consciência sobre a pandemia entre a população.

Também como no Brasil, o peso mexicano tem se desvalorizado. A sensação de que o país avança na direção do desastre sanitário e econômico cresce a cada dia.

— López Obrador acredita que adversários políticos querem uma depressão econômica para prejudicá-lo e por isso defendem o isolamento social. A irracionalidade é cada vez maior — concluiu Crespo.

Mais uma semelhança com o Brasil de Bolsonaro.

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