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Após meses de oposição democrata, republicanos do Texas aprovam reforma eleitoral que restringe acesso ao voto

Ao menos 18 Legislativos estaduais deram o aval para medidas similares em 2021; para críticos e analistas, medidas buscam limitar o voto de grupos minoritários, que tendem a votar nos democratas
Deputada estadual Jasmine Crockett participa de coletiva com colegas democratas; 'Deixem o povo votar', diz a blusa da parlamentar, enquanto sua bolsa carrega a frase 'protejam a população negra' Foto: GABRIELLE CROCKETT / REUTERS
Deputada estadual Jasmine Crockett participa de coletiva com colegas democratas; 'Deixem o povo votar', diz a blusa da parlamentar, enquanto sua bolsa carrega a frase 'protejam a população negra' Foto: GABRIELLE CROCKETT / REUTERS

AUSTIN, EUA — Controlada por republicanos, a Assembleia estadual do Texas aprovou na noite de terça-feira uma reforma eleitoral que restringe o acesso ao voto no estado , derrotando meses de esforços da oposição democrata para barrá-la . A medida, que precisa apenas da assinatura do também republicano governador Greg Abott para entrar em vigor, na prática transforma o estado em um dos lugares mais difíceis de se votar nos Estados Unidos. A lei proíbe que centros de votação funcionem 24 horas, impõe novos requisitos para o voto pelo correio e endurece as condições para a identificação do eleitor, num país em que não há um documento de identidade nacional.

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A medida veio após a derrota do então presidente Donald Trump na eleição presidencial de 2020 e sua subsequente cruzada para tentar reverter a escolha popular, sob o argumento falso de que teria havido fraude generalizada. A ofensiva de Trump acabou barrada pela Justiça e por autoridades eleitorais estaduais, o que provocou rachas em seu próprio Partido Republicano.

O foco da lei aprovada é o condado de Harris, o terceiro maior do país e um bastião democrata que engloba a cidade de Houston, onde no ano passado foram implementadas uma série de medidas para facilitar o voto durante a pandemia da Covid-19. Os republicanos, ainda assim, mantiveram seu domínio de três décadas no estado tanto na eleição presidencial quanto na votação para o Congresso em Washington.

Defensores argumentam que as medidas são necessárias para reforçar a segurança do processo eleitoral, apesar de não haver quaisquer indícios de irregularidades ou fraudes sistemáticas. Em um comunicado, o governador Greg Abbott disse que o projeto "solidificará a confiança no resultado de nossas eleições, fazendo com que seja mais fácil votar e mais difícil trapacear."

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Para seus opositores e grupos defensores dos direitos civis, contudo, a legislação tem por fim limitar o acesso ao voto de grupos minoritários e de jovens, que tendem a votar maciçamente nos democratas. Segundo o presidente Joe Biden, trata-se de um "ataque à democracia".

A nova lei concede ampla autonomia aos observadores eleitorais e aumenta as punições por erros ou crimes cometidos por funcionários eleitorais. Ao invés de exigir evidências de que fraudes resultaram diretamente na vitória de um candidato, ela permite que os tribunais anulem uma eleição se o número de votos considerados fraudulentos for igual à margem de vitória, independentemente de para quem esses votos foram dados.

Ela também proíbe o envio automático de cédulas postais, inclusive para idosos, e impõe nova barreira para quem precisa de ajuda para votar, inclusive com traduções. A restrição é particularmente significativa em um estado cuja população caminha para ser majoritariamente latina ainda nesta década, e onde nove em cada dez novos moradores se identificam como não brancos.

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Oposição democrata

Apenas neste ano, segundo um levantamento do Brennan Center for Justice, da Universidade de Nova York, 18 estados aprovaram 30 leis para dificultar o acesso ao voto no país — medidas que críticos dizem serem uma das maiores violações aos direitos garantidos pela histórica Lei do Direito de Voto, de 1965. Os democratas tentam aprovar uma legislação federal para barrar as medidas, mas esbarram em um Senado dividido ao meio.

O caso texano, onde centenas de sessões eleitorais foram fechadas desde que partes da legislação de 1965 foram derrubadas há oito anos, ganhou projeção mundial pela resistência da minoria democrata na Assembleia estadual. Por meses, os parlamentares de oposição se recusavam à comparecer na plenária, fazendo com que não houvesse o quórum necessário de 100 deputados para que o assunto fosse levado à votação.

"Nós sabíamos que não conseguiríamos evitar para sempre este dia", disse o deputado Chris Turner, líder da minoria, em um comunicado na quinta-feira. "Agora que ele chegou, precisamos que o Senado dos EUA aja imediatamente."

Os democratas barraram a votação na Assembleia texana pela primeira vez em maio , quando abandonaram a sessão faltando pouco mais de meia hora para o prazo final de votação. Em julho, 57 integrantes da Assembleia embarcaram para Washington, mais uma vez impedindo que houvesse o quórum necessário de 100 parlamentares. Os democratas, porém, sabiam que não conseguiriam impedir para sempre a votação.

No último dia 12, quando não houve quórum pela terceira vez, o presidente da Assembleia, o republicano Dade Phelan, assinou ordens de prisão contra 52 deputados democratas após a plenária aprovar uma moção para buscar os que estavam fora do estado. Se recusar a participar de uma sessão legislativa no estado é uma transgressão das regras da Assembleia. É, no entanto, uma infração administrativa e, na prática, o máximo que poderia acontecer com os democratas era serem forçados a comparecer à plenária. (Com El País)