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Após negarem várias vezes, autoridades da Rússia admitem que coronavírus levou seu sistema de saúde ao limite

Moscou restringe o culto da semana da Páscoa à medida que os casos de coronavírus se propagam
Vista do Rio Moskva, perto do Kremlin, no centro de Moscou Foto: MAXIM SHEMETOV / REUTERS
Vista do Rio Moskva, perto do Kremlin, no centro de Moscou Foto: MAXIM SHEMETOV / REUTERS

MOSCOU - Após negarem várias vezes, autoridades de Moscou passaram a admitir que os casos do novo coronavírus levaram ao limite a capacidade de atendimento do sistema de saúde da cidade.

Advertindo que o surto na capital russa estava longe de atingir seu auge, Anastasia Rakova, vice-prefeito responsável pela saúde, disse na sexta-feira que o número de pessoas hospitalizadas com a doença relacionada ao vírus em Moscou mais do que dobrou na semana passada, chegando a  6.500. Quase metade das pessoas infectadas com casos confirmados tem menos de 45 anos.

O prefeito da cidade, Sergei Sobyanin, fez outra advertência, dizendo que o vírus "está ganhando força" e que "a situação está se tornando cada vez mais problemática"

A Rússia registrou neste domingo 2.186 novos casos de coronavírus, o maior aumento diário desde o início do surto, quando as autoridades anunciaram mais medidas para conter a propagação do vírus, incluindo restrições aos serviços da Páscoa.

Moscou e muitas outras regiões estão em regime de distanciamento social há quase duas semanas para conter o contágio, mas o número de casos confirmados no país aumentou e alcançou 15.770 hoje, enquanto o número de mortes subiu para 130.

A Igreja Ortodoxa Russa, que celebra a Páscoa deste ano em 19 de abril, ordenou que as igrejas em Moscou e na região circundante fechem suas portas a grandes grupos durante a Semana Santa, que antecede o feriado.

Uma enxurrada de más notícias na sexta-feira sobre o surto indicou que a Rússia, relativamente poupada até agora dos estragos do vírus, entrou mesmo caminho angustiante que há semanas enfrentam países atingidos como Itália e agora os Estados Unidos.

Isso frustrou as esperanças no Kremlin de que sua decisão no final de janeiro de fechar a longa fronteira da Rússia com a China, a fonte original do vírus, e depois limitar as viagens da Europa, houvesse contido o surto.

O presidente Vladimir Putin, que geralmente lidera as decisões com grande pompa em tempos de crise, ficou em segundo plano. Ele decidiu trabalhar de sua residência nos arredores de Moscou, deixando Sobyanin, o prefeito e o primeiro-ministro da Rússia, Mikhail Mishustin, à frente da crise.

Rakova, a autoridade médica de Moscou, alertou que o serviço de ambulâncias e os hospitais da capital estavam em seu limite. O vírus também começou a causar estragos no vasto interior da Rússia, onde o sistema de saúde em ruínas parece estar contribuindo para a disseminação do vírus.

Hospitais em pelo menos duas regiões já estão sobrecarregados por pacientes infectados. Em Syktyvkar, capital da região produtora de petróleo de Komi, a nordeste de Moscou, o hospital principal tem mais de 200 pessoas infectadas, enquanto há dezenas de funcionários da equipe médica e mais de 1 mil pacientes em um hospital em Ufa, a 1.200 km a leste de Moscou

Deixando de lado as afirmações oficiais anteriores de que a Rússia está bem preparada para uma possível queda de pacientes, o ministro da Saúde, Mikhail Murashko, alertou na sexta-feira que os serviços de saúde do país agora estão "enfrentando estresse em relação aos suprimentos", incluindo o fornecimento de equipamentos de proteção individual e respiradores.

As autoridades da capital russa, que respondem por dois terços de todos os casos no país, ordenaram na semana passada que os residentes fiquem em casa, exceto para comprar comida e remédios e passear com seus cães a menos de 100 metros de sua residência. Mas, ansiosos para evitar muitas perturbações na economia, pouco fizeram para impor as restrições.

Os carros da polícia circulam pela cidade transmitindo uma mensagem apelando aos “queridos cidadãos” para ficarem dentro de casa, e o prefeito Sobyanin fez pedidos cada vez mais insistentes para que os moscovitas seguissem as regras de quarentena. Na sexta-feira, ele alertou que Moscou ainda estava "em algum lugar na base do pico" e precisava se preparar para "um teste sério à frente".

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No sábado, as imposições aumentaram, e as autoridades de Moscou reprimiram muitos que se aventuravam do lado de fora sem motivo. A capital, com mais de 12,5 milhões de pessoas, emitiu 1.358 multas por violar as regras ontem, informou o centro de crise de coronavírus.

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Enquanto isso, uma carta oficial aos diretores dos hospitais de Moscou vazou online e parecia apoiar as alegações dos críticos do Kremlin de que os números relativamente baixos de coronavírus da Rússia não eram verdadeiros.

A carta, assinada pelo chefe do departamento de saúde de Moscou, Aleksei Khripun, reconheceu que os testes foram comprometidos por um "número muito alto de resultados falsos" que mascaravam a verdadeira extensão da Covid-19 no país.

Anastasia Vasilieva, chefe de um sindicato independente de médicos, acusou o governo de subestimar o número de casos ao classificar deliberadamente casos de Covid-19 como pneumonia. Ela foi detida na semana passada pelo que foi visto como punição por contrariar uma narrativa oficial de que tudo está sob controle.

Mas o próprio ministro da saúde da Rússia, Murashko, chegou perto de reconhecer erros de classificação generalizados. Em uma entrevista na televisão estatal, ele disse que os pacientes com pneumonia serão tratados a partir de agora da mesma maneira que os confirmados como portadores de coronavírus.