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Após protestos, Macron recua e congela aumento de combustíveis e luz

Governo reconhece 'raiva da França que trabalha duro' e cede aos coletes amarelos, recuando em imposto ecológico que visa encarecer diesel
Manifestante agita a bandeira da França diante de pilha de pneus queimados em Paris, durante manifestação dos coletes amarelos Foto: GEOFFROY VAN DER HASSELT / AFP
Manifestante agita a bandeira da França diante de pilha de pneus queimados em Paris, durante manifestação dos coletes amarelos Foto: GEOFFROY VAN DER HASSELT / AFP

RIO — Depois de três semanas de protestos dos chamados coletes amarelos na França , o governo do presidente Emmanuel Macron anunciou nesta terça-feira que congelará o aumento dos impostos sobre combustíveis , uma das reivindicações dos manifestantes. Foi o primeiro recuo de Macron desde que chegou à Presidência, em maio do ano passado, e coincide com uma baixa recorde de sua popularidade, que, em 23%, se equipara aos níveis de seu antecessor, o socialista François Hollande.

O anúncio foi feito em pronunciamento pela TV do primeiro-ministro  Édouard Philippe. Ele anunciou a suspensão por seis meses do aumento do imposto carbono, uma taxa que começou a ser aplicada no ano passado sobre o diesel, que é mais usado na França do que a gasolina, porém mais poluente.  Com o imposto carbono e o aumento do preço internacional do petróleo (de US$ 50 para US$ 80 o barril), o diesel ficou 23% mais caro.A ideia era aumentar o imposto em janeiro de 2019 e de novo em 2020, de modo a equiparar o preço dos dois combustíveis e reduzir o uso do diesel. Além disso, o governo abriu mão de aumentar as tarifas da eletricidade e do gás durante o inverno, até maio de 2019.

— Eu levo em conta a realidade, a força e a gravidade. Trata-se  da raiva da França que trabalha duro e luta para sobreviver — reconheceu o primeiro-ministro. — Essa raiva tem sua origem em uma profunda injustiça, a de não ser capaz de viver dignamente dos frutos do seu trabalho, enquanto os dias de trabalho começam cedo e terminam tarde.

Philippe disse ainda que "nenhum imposto merece pôr em risco a unidade da nação", e que espera que as medidas "reduzam a tensão e tragam de volta a serenidade ao país".

O movimento dos coletes amarelos começou no interior e na periferia das grandes cidades francesas, regiões em que a população mais se locomove de carro para suas atividades diárias. Sem liderança clara e articulado pelas redes sociais, teve adesão sobretudo da classe média baixa, que ganha pouco, mas não tão pouco a ponto de se beneficiar de transferências sociais.

A reivindicação inicial era o fim do imposto carbono, mas os protestos foram engrossados pela percepção de que as medidas tributárias implementadas por Macron desde o início do seu governo, no ano passado, prejudicaram os mais pobres e favoreceram principalmente os ricos. No fim de semana, uma pauta de 42 reivindicações foi divulgada em nome do movimento, incluindo o aumento do salário mínimo e a volta do imposto sobre fortunas, abolido por Macron.

Nos dois últimos fins de semana, protestos em Paris haviam posto o governo contra a parede. O movimento começou a ser disputado pela França Insubmissa, de extrema esquerda, e a Reunião pela República (antiga Frente Nacional), de extrema direita, os dois partidos que sobreviveram ao esforço de Macron de ocupar todo o espaço da centro-esquerda e da centro-direita.

No último sábado, os protestos tiveram a adesão de grupos de choque da direita radical e de black blocs e foram os mais violentos em Paris em décadas, com mais de 300 presos e 100 feridos, incluindo 20 integrantes das forças de segurança. A prefeita de Paris, Anne Hildago, afirmou que a destruição provocada na cidade no sábado custará entre € 3 e € 4 milhões para ser reparada.

Governo quer debate sobre impostos

No seu discurso na TV, o primeiro-ministro Édouard Philippe admitiu que  são necessárias "soluções que melhorem a vida dos franceses" na transição ecológica em direção a políticas contra a poluição e as mudanças climáticas. Ele anunciou ainda que de 15 de dezembro a 1º de março o governo abrirá um "grande debate sobre impostos e despesas públicas", com "todas as partes interessadas", com vistas a alcançar "soluções concretas".

— Neste momento, queremos identificar e implementar medidas de apoio justas e eficazes — afirmou. — Eu quero abrir um amplo debate sobre impostos e gastos públicos. Mais transparência em impostos é necessária na França. Nossos impostos são os mais altos da Europa, e nosso sistema fiscal é terrivelmente complexo.

Entretanto, disse que o governo "não aceita a violência" nas manifestações, incluindo nas marchas previstas para o próximo sábado e, por isso, "mobilizará todos os meios necessários para fazer respeitar a ordem".

— Todos os franceses têm o direito de se manifestar. A liberdade de expressão é um direito precioso na França, que fundou nosso país. Mas todos também tem direito à segurança. O governo não aceita a violência, e quero dizer da maneira mais clara que os autores desses atos são procurados e serão punidos — afirmou o primeiro-ministro.

Porta-vozes do movimento veem "migalhas"

Alguns dos porta-vozes dos coletes amarelos disseram que as medidas não são suficientes. Benjamin Cauchy, que foi convidado a se reunir com o premier e depois desistiu, saudou-as como "uma primeira etapa", mas disse que a França "não quer migalhas, e sim a baguete inteira". Porta-voz dos coletes amarelos na região de Val-d'Oise, Laetitia Dewalll as comparou a "amendoins". A manifestação prevista para o próximo sábado está, em princípio, mantida.

A oposição de direita e esquerda também julgou o recuo tardio e insuficiente. Líder da extrema direita, Marine Le Pen disse que o congelamento "não está à altura" das necessidades dos franceses. Os sindicatos tradicionais tiveram a reação mais moderada, com a maior delas, a social-democrata CFDT, saudando a abertura do diálogo, enquanto a Força Operária, herdeira da comunista CGT, falava da "necessidade de um aumento geral dos salários".

Popularidade de Macron cai

Em meio aos protestos, os índices de aprovação de Macron e do primeiro-ministro Édouard Philippe, voltaram a cair,  de acordo com uma pesquisa Ifop-Fiducial para a revista Paris Match e a rádio Sud publicada nesta terça-feira.

A aprovação de Macron caiu para 23% na sondagem realizada no final da semana passada, seis pontos a menos do que no mês anterior. O respaldo a Philippe recuou 10 pontos e ficou em 26%. O índice do presidente empata com a baixa popularidade do seu antecessor, o socialista François Hollande, no final de 2013, segundo a Paris Match.