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Argentina inicia nova quarentena nacional com recorde de casos

Pico de casos e óbitos em faixas etárias mais baixas levam governo a decretar mais um confinamento rígido por nove dias, apesar da economia arrasada e da resistência de setores políticos
Uma vista aérea mostra o Obelisco na avenida 9 de Julio durante o segundo dia de bloqueio imposto pelo governo em Buenos Aires Foto: CARLOS REYES / AFP
Uma vista aérea mostra o Obelisco na avenida 9 de Julio durante o segundo dia de bloqueio imposto pelo governo em Buenos Aires Foto: CARLOS REYES / AFP

BUENOS AIRES - A Argentina atravessa o seu momento mais severo da pandemia de Covid-19, tendo registrado na última semana os seus piores números relativos a novas infecções.

Mesmo diante da resistência de vários setores econômicos e políticos, passou a valer no sábado uma nova quarentena nacional de nove dias, decretada pelo governo de Alberto Fernández na última quinta-feira. Ontem, um domingo chuvoso que colaborou com as restrições, poucos transeuntes foram vistos no centro de Buenos Aires. Os controles policiais também foram reforçados, especialmente nas entradas que separam a capital da periferia.

No ano passado, o país foi o primeiro da América do Sul a impor uma quarentena em todo o seu território, que durou quase três meses, de março a junho.

Nos últimos sete dias, a média diária de novos casos teve alta de 31% em comparação à semana anterior, chegando a quase 32 mil. A aceleração foi brusca: entre as duas semanas prévias, o crescimento havia sido de 8%. Já a média de falecimentos, entre 16 e 22 de maio, foi de 491 pessoas por dia, em um país de 45 milhões de habitantes.

No domingo, a Argentina superou os EUA em quantidade absoluta de novos infectados e ficou atrás apenas de Índia e Brasil, segundo o site Our World in Data, que coleta dados globais.

A Covid-19 também está afetando pessoas mais jovens. A faixa etária com maior número de óbitos nesta segunda onda é a de pessoas entre os 60 e os 74 anos, que são 44% do total de novas vítimas fatais. Idosos entre 75 e 89 anos, que na primeira onda eram o grupo mais atingido, agora são 25% dos mortos. O número de vítimas entre 45 e 54 anos subiu de 12% para 20%.

As novas medidas de isolamento dividem a sociedade, num país cuja economia começava a dar sinais de recuperação após três anos de recessão, intensificada em 2020, quando o Produto Interno Bruto despencou 9,9%.

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Em março, a atividade econômica argentina registrou aumento de 11,4% em relação ao mesmo mês do ano passado, quando teve início o longo período de confinamento. Com isso, acumulou crescimento de 2,4% no primeiro trimestre na comparação com 2020, segundo dados do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec). A produção industrial, por sua vez, cresceu 32,8% na comparação anual em março.

— Estamos retrocedendo um ano, e na verdade, estamos piores do que antes, porque as pessoas estão em pior situação econômica, estão de mau humor — queixou-se à AFP Angel López, 59 anos, que trabalha com gastronomia, um setor muito afetado.

Em frente ao posto de vacinação instalado no ginásio Luna Park, em Buenos Aires, a cuidadora Liliana López, de 53 anos, aprovou as medidas.

— Parece-me muito bom, o isolamento, porque assim podemos controlar o vírus. Se não fizermos nada, o vírus não será controlado de forma alguma. E teria que ser mais de nove dias, para mim uns quinze dias seria o suficiente — disse López.

Nadia Mariella, aposentada de 73 anos, tem enfrentado dificuldades:

— Estou doente de nervosismo, tive que ir ao psiquiatra porque não posso ficar presa, não posso ficar presa, não posso fazer coisa alguma — lamentou-se, logo após ser vacinada.

Cerca de 8,6 de pessoas, ou 19% da população, receberam a primeira dose da vacina. A segunda dose foi aplicada em 2,3 milhões de argentinos. O governo espera a chegada nos próximos dias de cerca de seis milhões de doses da AstraZeneca-Oxford e Sputnik V, que começou a ser produzida localmente.

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O presidente do país,  Alberto Fernández, analisou em entrevista a um canal de televisão neste domingo a situação sanitária do país. Ele afirmou que, desde o retorno às aulas presenciais em março, as infecções em crianças e adolescentes subiu 110%. A nova suspensão do comparecimento às escolas inicialmente duraria só 15 dias, mas foi prorrogada e se estenderá por mais de um mês. Fernández afirmou que todas as decisões foram baseadas "em decisões do Conselho Federal de Educação”.

— Os meninos precisam estar nas salas de aula. Dediquei parte da minha vida à educação como professor e sei a importância da presença, mas não podemos colocar as pessoas em risco. Temos que evitar o contágio  — disse ele. — Gostaria que a oposição também entendesse a crise em que estamos e que não se pode fazer política com isso, porque é muito grave, porque colocamos em risco a vida das pessoas.

O presidente está sob pressão também do setor empresarial. O  presidente da Câmara de Comércio Argentina, Mario Grinman, disse a uma rádio no domingo que a situação do setor é “desesperadora”, e que o governo “não impõe ordem”.

— Eles não nos apoiam com dinheiro porque não o têm. Poderiam nos apoiar com a ordem pública... Mas também não fazem isso — disse. — Aceitamos [o confinamento], primeiro porque não há outra opção, e depois porque nós, empresários, não somos suicidas, queremos cuidar das nossas famílias e dos trabalhadores. Mas também queremos cuidar das nossas empresas.

Grinman disse que não espera ajuda "em termos económicos" porque isso implicaria em emissão monetária e consequente inflação, mas pensa que pode estabelecer a ordem, coibindo protestos — muitos deles contra o governo — e outras aglomerações.

— Fecham shoppings, mas permitem feiras, manifestações, eventos políticos — disse.