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Ataques antissemitas ganham força na França

Últimos dias registraram série de casos de violência; número de atos quase dobrou em 2018
Um caixa de correio com o rosto da política francesa Simone Veil, que foi alvo de vandalismo antissemita em Paris Foto: BENOIT TESSIER / REUTERS 12-02-19
Um caixa de correio com o rosto da política francesa Simone Veil, que foi alvo de vandalismo antissemita em Paris Foto: BENOIT TESSIER / REUTERS 12-02-19

PARIS -  Suásticas desenhadas sobre retratos de uma defensora dos direitos das mulheres e sobrevivente do Holocausto; a palavra “Juden” (judeus, em alemão) escrita com spray em uma padaria; uma árvore plantada em memória de um jovem judeu que foi torturado até a morte cortada em um subúrbio de Paris.

Uma série de denúncias nos últimos dias ilustra o que o governo confirmou oficialmente na terça-feira: os casos de antissemitismo aumentaram muito na França. Esses episódios aumentaram para 541 em 2018, 74% a mais do que os 311 de 2017, informou o Ministério do Interior francês.

— O antissemitismo está se espalhando como um veneno, como um tóxico — disse o ministro do Interior, Christophe Castaner, na segunda-feira, quando visitou o local onde derrubaram a árvore.

A planta era um memorial para Ilan Halimi, um judeu que foi sequestrado e torturado até a morte depois de ser mantido em cativeiro por três semanas por membros de uma gangue francesa em 2006. As autoridades e instituições judaicas se preparavam para comemorar o 13º aniversário da morte de Halimi, que cai nesta quarta-feira, quando a árvore foi encontrada destruída.

Em Paris, uma artista de rua que pintou retratos de Simone Veil encontrou suásticas rabiscadas em cima de seu rosto na segunda-feira.

Veil, uma sobrevivente do Holocausto enviado para o campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau aos 16 anos, tornou-se ministra da Saúde da França na década de 1970 e defendeu a lei que legaliza o aborto. Um ícone feminista e símbolo de resistência ao nazismo, ela morreu em junho de 2017.

— Tenho nojo da pessoa desprezível que desfigurou meu tributo a Simone Veil — escreveu Christian Guémy, o artista de rua, no Twitter. Ele limpou as pinturas na terça-feira e disse que as pintaria de novo, incansavelmente, se o vandalismo se repetisse.

Frédéric Potier, chefe de um órgão do governo criado para combater o racismo e o antissemitismo, disse que o aumento do número de atos antissemitas segue o reaparecimento destas ideias em círculos de extrema direita, especialmente online.

— As plataformas online são um terreno fértil para o ódio, que cada vez mais se espalha na esfera pública — disse ele.

O número de incidentes antissemitas varia anualmente, tendo subido em 2015 e caído em 2016 e 2017. O forte aumento no ano passado foi um pico raro.

O primeiro ministro Édouard Philippe revelou um vasto plano contra o antissemitismo e o racismo no ano passado, que incluiu uma luta coordenada contra o ódio online por toda a Europa.

Mas há quem considere estes planos inadequados, incluindo alguns grupos judaicos.

“O antissemitismo é um sinal do enfraquecimento democrático de nosso país”, disse Francis Kalifat, presidente do Conselho Representativo das Instituições Judaicas da França, em um comunicado à imprensa. Ele denunciou um "muro de indiferença em torno do antissemitismo" e pediu um "despertar nacional".

Os judeus franceses, que compõem menos de 1% da população do país, há anos têm feito alertas sobre atos antissemitas que levaram milhares de pessoas a se mudarem ou até mesmo deixarem o país.

Um rabino do 17º departamento de Paris disse ao The New York Times no ano passado que os judeus se mudaram para a área "porque se sentiram ameaçados" em seus antigos bairros, especialmente nos subúrbios ao redor da cidade.

A questão atraiu uma onda de atenção no ano passado, após o assassinato de Mireille Knoll, uma sobrevivente do Holocausto de 85 anos. A morte, em seu apartamento em Paris, chocou a comunidade judaica e o país como um todo.

Jean Veil, um dos dois filhos de Veil, disse à rádio RTL que não ficou surpreso com os últimos atos antissemitas, e notou que símbolos semelhantes foram encontradas em retratos de sua mãe exibidos nos portões do Panthéon no verão passado.

— Minha mãe não ficaria surpresa com o que está acontecendo, porque ela tinha poucas ilusões sobre o antissemitismo — afirmou Jean.