Autoridades estaduais republicanas e democratas não encontram provas de fraude na eleição presidencial dos EUA

Responsáveis pela votação nos 50 estados americanos ouvidos pelo New York Times declararam que não há sinais de que os resultados foram adulterados
Integrantes da equipe de apuração fazem triagem de votos que passarão por auditoria na Geórgia. Estado é foco de ações do presidente questionando a lisura do processo eleitoral Foto: Elijah Nouvelage / AFP

NOVA YORK —  Funcionários de órgãos eleitorais de dezenas de estados, representando os dois maiores partidos dos EUA, afirmaram não ter visto provas de que fraudes e outras irregularidades influenciaram os resultados da disputa pela Presidência, o que afasta os argumentos de Donald Trump de que essa foi uma eleição fraudulenta.

Nos últimos dias, o presidente, integrantes do governo, republicanos no Congresso e aliados de direita levaram adiante uma versão falsa de que a eleição foi roubada de Trump, e desde então se recusam a aceitar os resultados que mostram Joe Biden como o vencedor.

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Mas responsáveis pelas eleições ao redor do país — nos EUA cabe aos estados organizar a votação e a apuração — disseram, em entrevistas e declarações, que o processo foi um sucesso memorável, apesar do comparecimento recorde e das complicações ligadas à pandemia.

A equipe de campanha de Donald Trump o aplaude durante visita à sede de campanha, no dia da eleição, em Arlington, Virgínia. "Eu moro na mesma rua da sede da campanha de Trump, mas nunca tinha percebido quem trabalhava lá. Quando inesperadamente recebemos permissão para entrar no escritório, fiquei impressionado com a multidão de jovens bem vestidos atrás da campanha de reeleição do presidente - tensa, cansada e animada. Meio-dia, mas o relógio na parede havia parado depois de contar até a meia-noite". Foto: TOM BRENNER / REUTERS
Joe Biden abre caminho pela multidão fora de sua casa de infância, no dia da eleição, em Scranton, Pensilvânia. "Até o dia das eleições, a ameaça do coronavírus restringiu a campanha de Joe Biden, sem multidões e pouca interação com o público em geral. Aqui, em um tour retrospectivo de sua cidade natal, Scranton, Pensilvânia, Biden se mistura mais livremente com apoiadores reunidos em sua casa de infância, ladeado por suas netas que o ajudam no meio da multidão". Foto: KEVIN LAMARQUE / REUTERS
Eleitores esperam em longa fila para votar em Oklahoma. "Uma linha aparentemente interminável de eleitores socialmente distantes me cumprimentou quando cheguei a este local de votação em Oklahoma City, por volta das 8h. Com outras cem ou mais pessoas dentro, demorou cerca de duas e meia a três horas para votar, mas as pessoas estavam bastante relaxadas, em pé ou sentadas, em seu padrão incomum criado por eles mesmos. O gerente das instalações do prédio gentilmente me acompanhou até o telhado, onde poderia colocar o desvio em perspectiva". Foto: NICK OXFORD / REUTERS
Trabalhadores eleitorais na calçada votando em St. Charles County para eleitores com COVID-19, durante o dia da eleição, em Missouri. "Fiquei surpreso com a forma como esses funcionários esperaram enquanto um eleitor com Covid-19 preenchia sua cédula antes de votar. Para mim, eles pareciam estar dando privacidade a ele virando as costas e conversando para passar o tempo. Isso mostra a perseverança das pessoas que procuram ter sua voz ouvida durante uma pandemia e a coragem dos eleitores que lhes permitem fazê-lo." Foto: LAWRENCE BRYANT / REUTERS
Dana Clark e seu filho Mason, de 18 meses, esperam na fila conforme começa a votação antecipada em Nova Orleans, Louisiana. "A professora Dana Clark estava ajustando uma 'cápsula de segurança' sobre ela e seu filho quando passei pela fila de votação em 16 de outubro, primeiro dia de votação antecipada em Nova Orleans. Ela comprou a cápsula para usar na sala de aula com seus alunos, na esperança de protegê-los, bem como seus próprios filhos e seu marido, da Covid-19. A imagem parecia expressar uma convergência de emoções amplamente sentidas: medo de contágio, esperança de um futuro da criança, pressões sobre os educadores e um desejo de justiça racial". Foto: KATHLEEN FLYNN / REUTERS
Mayme Royer, 93, e Peggy Thornsburg reagem aos resultados da eleição durante uma festa pró-republicana no Texas. "Encontrei um amigo de Peggy Thornsburg um dia antes da eleição, em Marfa, uma pequena cidade texana conhecida por sua cena artística ativa e luzes misteriosas que podem ser vistas disparando pelo deserto próximo. Peggy e seu marido, Kim, me convidaram para sua festa de vigia eleitoral. Este é o momento em que Thornsburg e sua amiga Mayme Royer, 93, se mexem e dançam em suas cadeiras para dizer que Trump está liderando a contagem na Flórida com a nova televisão de 74 polegadas que compraram para a ocasião". Foto: ADREES LATIF / REUTERS
O juiz Kelsey Issel, do conselho de votação antecipada, se prepara para selar as cédulas após contá-las durante a eleição presidencial dos EUA, em Marfa, Texas. "No tribunal de Marfa, a contagem dos votos estava sendo feito na frente da sala do tribunal, atrás da grade de madeira onde os réus e demandantes normalmente se sentam. Nesta cena, Kelsey Issel, juiz de votação antecipada do painel eleitoral, fecha o correio e as cédulas de votação antecipada voltam às suas caixas após a contagem - uma pequena parte do processo democrático dos EUA em ação". Foto: ADREES LATIF / REUTERS
Os desafiadores das pesquisas do Partido Republicano reagem após serem convidados a sair da sala no TCF Center, após o dia da eleição, em Detroit, Michigan. "Cobri muitas eleições, mas nunca tinha visto nada parecido com isso. No segundo dia da contagem, uma multidão de pessoas veio às instalações de Detroit, muitas delas gritando 'fechem a contagem!' E dizendo que a eleição estava sendo roubada pelos democratas. A foto mostra um oficial dizendo que eles não podem entrar por causa da capacidade da sala. Pouco depois, a polícia de Detroit vigiou a porta, enquanto os desafiadores espiavam pelas janelas, cantavam e batiam". Foto: REBECCA COOK / REUTERS
Shannon Erstein e Beka Carlson aguardam pelos resultados preliminares das eleições presidenciais, em Washington. "Um pequeno grupo de pessoas se reuniu em um parque a poucos quarteirões da Casa Branca para assistir os resultados das eleições. A noite já me sentia inseguro, com muitos dos presentes se perguntando se a violência iria estourar. Notei essas duas mulheres se apoiando enquanto mais estados eram adicionados à lista muito perto de ligar. Suas expressões refletiam os sentimentos da multidão". Foto: ERIN SCOTT / REUTERS
Barton Foley, 32, com seu gato Little Ti Ti no ombro, lança sua cédula no dia da eleição, na Ballard High School, em Louisville, Kentucky. "Logo após o meio-dia do dia da eleição, Notei um gato sentado no ombro de um eleitor em uma seção eleitoral em Louisville, Kentucky. Quando me aproximei, ele se virou para olhar para mim. O homem continuou se preparando para lançar sua cédula como se ter um gato em seu ombro enquanto votasse fosse completamente normal - um pouco de leveza em um dia cheio de estresse". Foto: BRYAN WOOLSTON / REUTERS

— Há uma grande capacidade humana para inventar coisas que não são verdadeiras sobre as eleições — disse Frank LaRose, republicano que atua como secretário de Estado de Ohio. — As teorias da conspiração e os rumores sobre todas essas coisas correm soltos. Por alguma razão, as eleições nutrem esse tipo de mitologia.

Steve Simon, secretário de Estado de Minnesota e ligado aos democratas, disse: “Não conheço um único caso de alguém afirmando que um voto foi contado quando nao deveria ou não foi contado quando deveria. Não houve fraude”.

“O Kansas não teve quaisquer problemas amplos e sistemáticos relacionados a fraude eleitoral, intimidação, irregularidades ou questões na hora do voto”, um porta voz de Scott Schwab, o secretário de Estado, republicano, declarou em e-mail na terça-feira. “Estamos bem satisfeitos como a forma como a eleição transcorreu até agora."

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O New York Times entrou em contato com os escritórios das principais autoridades eleitorais em cada um dos 50 estados na segunda e na terça-feira, para perguntar se eles suspeitavam ou tinham evidências de ilegalidades. As respostas vieram de 45 estados. Nos locais remanescentes, o jornal falou com funcionários dos governos ou encontrou declarações públicas dos secretários de Estado.

No Texas, não houve resposta. Mas uma porta-voz dos responsáveis pela eleição no condado de Harris, o maior do estado, afirmou que houve apenas incidentes pequenos e que houve uma “eleição bem tranquila”. Na terça, o vice-governador do Texas, Dan Patrick, aliado de Trump, anunciou um fundo de US$ 1 milhão para recompensar denúncias de fraude na votação.

Alguns locais relataram pequenos problemas comuns, que eles garantiram estar atuando para sanar: alguns casos de voto ilegal ou duplicado, falhas técnicas e erros de matemática. As autoridades estão fazendo suas próprias revisões da votação, um processo padrão para que os resultados sejam certificados.

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Ao longo da apuração dos votos, republicanos em muitos estados se engajaram em um esforço para deslegitimar o sistema de votação dos EUA.

Em alguns casos, integrantes do próprio partido foram atacados por supostamente não fazer o suficiente para desmascarar uma suposta fraude. Na Geórgia, onde Biden lidera, dois senadores republicanos, Kelly Loeffler e David Perdue, que disputarão um segundo turno em janeiro, defenderam a renúncia do secretário de Estado, Brad Raffensperger, que é do mesmo partido deles: “O secretário de Estado fracassou na tarefa de entregar eleições honestas e transparentes”, os dois disseram em declaração.

Estratégia legal

Na segunda-feira, a campanha de Trump ampliou sua estratégia legal, dando início a um processo em sete condados da Pensilvânia onde o presidente perdeu, afirmando que a votação por correio criou um sistema injusto, com padrões duplos, durante a eleição — isso apesar de o mesmo sistema estar presente em condados onde o presidente venceu. Ainda há planos para uma outra ação no Michigan.

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Trump ainda fez uma série de publicações no Twitter com acusações falsas sobre problemas em Nevada e na Pensilvânia, prevendo que ele vai vencer na Geórgia, onde está cerca de 15 mil votos atrás de Biden, e afirmou que o Wisconsin “precisa de um pouco mais de tempo”, sem explicar exatamente o que queria dizer com isso. O democrata foi declarado vencedor no estado.

O vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, durante visita ao Morro Dona Marta, no bairro de Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro Foto: Ivo Gonzalez / Agência O Globo
O americano Joe Biden chega com sua comitiva no Dona Marta, em maio de 2013 Foto: Ivo Gonzalez / Agência O Globo
Joe Biden com crianças na favela do Morro Dona Marta Foto: Ivo Gonzalez / Agência O Globo
Cercado por seguranças, o vice-presidente americano sobe o Dona Marta Foto: Ivo Gonzalez / Agência O Globo
Biden caminha por viela da comunidade na Zona Sul do Rio. O Dona Marta, à epoca, era espécie de "sala de visitas" do Projeto de Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), inaugurado na comunidade em 2008 Foto: Ivo Gonzalez / Agência O Globo
Sob forte esquema de segurança, Biden caminhou por vias da comunidade, onde conversou com policiais e moradores Foto: Ivo Gonzalez / Agência O Globo
O vice-presidente dos Estados Unidos conversa com policiais da UPP Foto: Ivo Gonzalez / Agência O Globo
Durante sua visita, Biden também foi ao Porto do Rio, onde discursou para um pequeno grupo Foto: Ivo Gonzalez / Agência O Globo
Biden e a presidente da Petrobras, Graça Foster, em visita ao Centro de Pesquisa (Cenpes), na Ilha do Fundão Foto: Ivo Gonzalez / Agência O Globo
O vice-presidente americano na sua chegada à base aérea do Galeão, em maio de 2013 Foto: Ivo Gonzalez / Agência O Globo
O vice-presidente americano e sua esposa, Jill Biden, na chegada à base aérea do Galeão Foto: Ivo Gonzalez / Agência O Globo

Nellie Gorbea, a democrata que ocupa a Secretaria de Estado de Rhode Island, afirmou que a grande atenção sobre o processo eleitoral tornou ilegalidades na hora do voto muito difíceis.

—  Seria quase impossível realizar qualquer tipo de fraude nesta eleição por conta do grande número de pessoas que a acompanhou —  afirmou.

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Ainda assim, Trump está obcecado com fraude eleitoral desde 2016, quando falsamente afirmou que um “roubo” de votos lhe custou a vitória no voto popular, que perdeu por cerca de 3 milhões de votos. Depois da eleição, ele criou uma comissão encarregada de buscar tais fraudes, mas ela suspendeu os trabalhos sem encontrar qualquer sinal de que houve irregularidades.

O ataque do presidente ao sistema eleitoral agora está baseado na fabricação de acusações ou exageros grotescos, ambos envolvendo os problemas típicos encontrados em todas as eleições.

Em Ohio, por exemplo, LaRose disse que, embora não seja estranho encontrar algumas impropriedades em uma eleição estadual, uma fraude sistêmica nunca ocorreu.

—  No passado, houve casos de pessoas que votaram sem serem cidadãs — afirmou. — Mas isso são algumas dezenas de pessoas, não centenas. Não há um nível aceitável de fraude, e levamos todos esses casos a sério.

'Risível'

A tensão sobre o voto foi mais palpável na Geórgia. A campanha de Trump e dois senadores republicanos reclamaram da transparência, algo que Raffensperger, o secretário de Estado, chamou de “risível”.

“Estamos literalmente colocando atualizações dos resultados ao menos uma vez por hora”, afirmou, em comunicado. “Eu e minha equipe realizamos briefings para a imprensa ao menos duas vezes por dia, com detalhes sobre os números. Então essa acusação específica é risível."

Ele declarou ainda que, embora possa haver alguns casos pequenos de fraude, eles não deveriam alterar de forma significativa o resultado.

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A ausência de sinais de fraude ou irregularidades, e a garantia  de responsáveis locais pelas eleições, mesmo republicanos, de que houve uma operação tranquila minaram os esforços legais do presidente.

Em Michigan, a campanha de Trump afirmou que seus observadores não tiveram acesso aos locais de apuração. Mas os organizadores da eleição ali negaram, dizendo que dezenas de observadores das duas campanhas estavam no principal centro de contagem.

Na semana passada, um juiz negou um pedido para a suspensão da contagem, com base em reclamações sobre os observadores, rejeitando a principal prova como “vaga” ou “boato”. Por outro lado, acusações semelhantes são quase inexistentes em locais onde Trump e seus aliados foram bem nas urnas.