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Avanço de verdes e nacionalistas na Europa ameaça frear acordo com Mercosul

Governo de Jair Bolsonaro fez uma série de concessões técnicas e pretendia concluir tratado de livre comércio em julho
Líderes da campanha dos verdes para o Parlamento Europeu, Ska Keller, da Alemanha, e Bas Eickhout, da Holanda, discursam na noite da apuração Foto: JOHN THYS / AFP/26-5-2019
Líderes da campanha dos verdes para o Parlamento Europeu, Ska Keller, da Alemanha, e Bas Eickhout, da Holanda, discursam na noite da apuração Foto: JOHN THYS / AFP/26-5-2019

BRASÍLIA - O resultado das eleições para o Parlamento Europeu terá impacto direto nas negociações para um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia , na visão de especialistas ouvidos pelo GLOBO. As conversas entre os dois blocos, que começaram há 20 anos e seriam concluídas ainda em 2019 — segundo estimativa do governo brasileiro e de alguns países europeus —, poderão ser duramente afetadas pelas posições dos chamados nacionalistas eurocéticos e pelos ambientalistas.

Como O Globo revelou nesta segunda-feira, o governo de Jair Bolsonaro impulsionou uma série de concessões nas negociações técnicas do acordo , e considerava que já em julho ele poderia ser concluído.

Para Carolina Pavesi, coordenadora do curso de Relações Internacionais da PUC de Poços de Caldas (MG), mais do que os nacionalistas — com quem o PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, tem mais afinidade ideológica — o Mercosul poderá ter problemas com os verdes, que cresceram de forma substancial no Parlamento Europeu, passando a 67 cadeiras. Segundo ela, a agenda ambiental não anda muito favorável ao Brasil, que está com a imagem arranhada.

— Argumentos de ordem ambiental podem ser usados como pretextos para impedir o tratado de livre comércio entre os dois blocos — disse ela.

A acadêmica destacou que o governo brasileiro também poderá ter problemas com Polônia, Irlanda, Romênia, França, Espanha, Hungria e outros países cujos agricultores dependem de subsídios para sobreviver e temem a concorrência dos fornecedores do Mercosul. Ela enfatizou que o fato de existir um grupo de direita ascendente na UE que tem um perfil parecido com o do PSL e setores do governo Bolsonaro não necessariamente implica na alteração dos rumos do acordo Mercosul e UE. Até porque a resistência ao acordo não é ideológica ou política. Há interesses econômicos pontuais.

— Hoje, na UE, os grupos que fazem resistência a esse acordo e podem dificultar a aprovação são os lobistas da agricultura e os ambientalistas. Nesse sentido, um aumento da bancada dos verdes pode dificultar até mais do que o fortalecimento dos nacionalistas — afirmou.

Nelson Franco Jobim, professor de pós-graduação das Faculdades Integradas Helio Alonso (Facha), concorda com essa avaliação. Ele lembrou que os agricultores são uma base social importante de partidos conservadores de centro-direita e de nacionalistas de ultradireita.

— O Parlamento estará mais fragmentado, e os grandes blocos devem ser enfraquecidos, a se confirmar o avanço da extrema direita. O maior obstáculo ao livre comércio com o Mercosul é a superioridade da nossa agropecuária. Os agricultores da França, Espanha, Polônia e Itália são contra abertura do setor — observou Jobim.

Imagem negativa

Para o consultor internacional Welber Barral, o perfil que se desenha do Parlamento deve afetar não só as negociações entre os europeus e o Mercosul, mas também com outros parceiros, como a Índia. Ele ressaltou que os grupos mais nacionalistas são historicamente ligados ao agronegócio europeu, o setor que mais atrapalha o acordo dos dois blocos.

— O acordo terá que ser aprovado pelo Parlamento. Além da pressão pela manutenção dos subsídios agrícolas, não ajuda o fato de a imagem do Brasil estar ficando cada vez mais relacionada à desobediência às regras ambientais.