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Bolívia investiga possível participação de Brasil e Chile na repressão de protestos após renúncia de Evo Morales

La Paz acusou, na semana passada, o ex-presidente argentino Mauricio Macri de enviar munição ao país
Apoiadores de Evo Morales e a polícia boliviana em protesto em novembro de 2019 Foto: CARLOS GARCIA RAWLINS / Reuters 13-11-19
Apoiadores de Evo Morales e a polícia boliviana em protesto em novembro de 2019 Foto: CARLOS GARCIA RAWLINS / Reuters 13-11-19

LA PAZ — A Bolívia anunciou neste sábado que está investigando se o Brasil e o Chile tiveram alguma participação na repressão da convulsão social no país em 2019. O governo do presidente Luis Arce refere-se a episódios que ocorreram entre outubro e novembro daquele ano, após a renúncia de Evo Morales e nos primeiros dias do governo da então presidente interina Jeanine Áñez.

A observação, feita pelo porta-voz de La Paz, Jorge Richter, vem em meio a acusações feitas pelo governo boliviano de que o Equador e, principalmente, a Argentina, teriam enviado munição para o país há dois anos :

— Isso está sendo observado. Vamos investigar quais são as relações que podem ter ocorrido naquele momento no que diz respeito a ajudas e contribuições do Chile e do Brasil  — disse ele, em entrevista a uma rádio do sindicato cocaleiro.

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Procurado pelo GLOBO na semana passada, o Itamaraty disse não ter quaisquer registros de doações no campo de cooperação humanitária ou pedidos de exportação de equipamentos de controle de distúrbios, fossem munições ou armas, para La Paz.

Richter estava sendo entrevistado sobre as denúncias feitas pelo chanceler boliviano, Rogelio Mayta, contra o governo do ex-presidente argentino Mauricio Macri, de direita. No último dia 8, ele divulgou documentos indicando que a Casa Rosada teria fornecido a munição usada para conter protestos nos primeiros dias do governo de Áñez.

O governo do presidente Luis Arce, um aliado de Morales, sugere que os equipamentos foram usados nos massacres de Sacaba e Senkata, nos quais mais de 20 apoiadores desarmados de Morales foram mortos a tiros. Os dois eventos foram considerados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos considera como massacres.

As acusações contra Macri desencadearam tensões políticas na Argentina, hoje sob comando de Alberto Fernández. O atual Executivo argentino de centro-esquerda levou o presidente anterior à Justiça pela suspeita de que permitiu o contrabando de material para uso das tropas de choque bolivianas.

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Macri, agora na oposição, nega as acusações e as atribui a uma perseguição política orquestrada por Fernández para desviar a atenção da pandemia e da crise econômica no país.

Na segunda, o governo argentino interpôs uma denúncia penal por “contrabando agravado” contra Macri, o ex-chanceler Jorge Faurie, a ex-ministra de Segurança Patricia Bullrich e o ex-chefe da Alfândega, entre outros.

De acordo com a reconstrução feita pelo ministro da Justiça argentino, 70 mil “munições antitumulto” saíram da Argentina em um avião militar com destino a La Paz, horas depois de Áñez, que está presa, assumir a Presidência na qualidade de presidente do Congresso.

Ela aproveitou-se de um vácuo de poder deixado após a renúncia de Morales. O líder do Movimento ao Socialismo (MAS), havia vencido as eleições presidenciais de 18 de outubro de 2019, nas quais concorreu apesar de um referendo, convocado por ele próprio em 2016, ter dito "não" à possibilidade de mudança da Constituição para lhe permitir a quarta reeleição.

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Ele recorreu à Justiça alegando que concorrer era parte dos seus direitos humanos e teve o aval da corte máxima do país. Seus opositores, contudo, afirmavam que sua vitória foi ilegal.

Um informe preliminar divulgado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) corroborava as denúncias opositoras de possível fraude no pleito, algo posteriormente questionado por especialistas em eleições dentro e fora da Bolívia. Morales ainda propôs a convocação de novas eleições, mas deixou o poder diante do ultimato das Forças Armadas e de um motim policial, afirmando ser vítima de um golpe de Estado.

Segundo Richer, o governo de Arce espera que o Ministério Público argentino possa ajudar a esclarecer as denúncias e que Macri colabore com as investigações. Em junho, La Paz também já havia acusado o governo equatoriano de ter enviado à Bolívia “munições de guerra” e equipamentos antimotim.