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Boric, da esquerda, é eleito presidente do Chile; Kast reconhece derrota

Ex-líder estudantil vence com dianteira de 12 pontos percentuais; diante de milhares de pessoas que comemoram a vitória em Santiago, ele diz que país nunca mais deve ter 'presidente que declare guerra ao próprio povo'
Apoiadores de Gabriel Boric comemoram a vitória nas ruas de Santiago, no Chile Foto: JAVIER TORRES / AFP
Apoiadores de Gabriel Boric comemoram a vitória nas ruas de Santiago, no Chile Foto: JAVIER TORRES / AFP

A apuração da eleição presidencial deste domingo no Chile confirmou a vitória clara de Gabriel Boric , da coalizão de esquerda Aprovo Dignidade, que obteve 55,87% dos votos, contra 44,13% de José Antonio Kast , da aliança de extrema direita Frente Social Cristã.

Com mais de 4,6 milhões de votos, Boric se torna o presidente mais votado na História do Chile —  Kast obteve 3,6 milhões. A participação, de 55%, foi também a mais alta em um segundo turno no país desde que o voto deixou de ser obrigatório, em 2012.

Em sua conta no Twitter, o candidato da direita radical reconheceu a derrota e confirmou ter se comunicado com Boric "por seu grande triunfo". "Desde hoje, ele é presidente do Chile e merece todo nosso respeito e uma colaboração construtiva. O Chile sempre está primeiro".

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Após os primeiros resultados, milhares de pessoas começaram a se aglomerar na Avenida Alameda, principal via da capital chilena, Santiago, onde Boric fez seu primeiro discurso como presidente eleito.

Abrindo sua fala com uma saudação em mapudungu, a língua dos mapuches que formam "este lugar que chamamos Chile", ele defendeu a imprensa livre, os direitos humanos e as mulheres:

— Serei o presidente de todos os chilenos e todas as chilenas. Vocês serão protagonistas do nosso governo —  disse, enquanto uma multidão gritava "Justiça, verdade, não à impunidade". — O respeito pelos direitos humanos em todos os lugares é um compromisso intransigente. Que nunca mais tenhamos um presidente que declare guerra a seu próprio povo.

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Em uma eleição altamente polarizada, Boric também defendeu a união:

— Não vim aqui para falar comigo mesmo. Vim para falar com quem pensa diferente de mim.

Horas antes, em conversa telefônica com o presidente Sebastián Piñera, Boric prometeu "dar o melhor para encarar este tremendo desafio". A ligação do presidente no cargo para o presidente eleito é uma tradição da política chilena. Piñera disse a Boric que "todos esperam muito de você, os que o votaram e os que não votaram também".

Já o presidente eleito enfatizou que "serei o presidente de todos os chilenos... vamos buscar acordos com todos. Que vivam as instituições republicanas e que viva o Chile". Ambos terão uma reunião de trabalho no Palácio de la Moneda nesta segunda-feira.

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No Twitter, Boric também se manifestou: "Somos unidade. Somos esperança. Somos mais quando estamos juntos. Seguimos!"

Nas ruas, apoiadores comemoraram a vitória:

— Me sinto bem, porque muitas mudanças vão ajudar a classe trabalhadora — disse à AFP Luis Astorga, que trabalha na construção civil.

Candidato da esquerda e ex-líder estudantil superou previsão das pesquisas.
Candidato da esquerda e ex-líder estudantil superou previsão das pesquisas.

Lucrecia Cornejo, costureira de 72 anos, apoiava a promessa de Boric de corrigir as desigualdades na educação, nas pensões e na saúde.

— Eu quero uma mudança real.

Boric foi o candidato mais votado no exterior, com mais de 80% dos votos depositados fora do país, vencendo em países como China e Austrália. Na capital, Santiago, o ex-dirigente estudantil de 35 anos venceu em amplos setores da cidade, sendo derrotado por Kast apenas em bairros de classe média alta e classe alta, como Las Condes.

— Obrigado a cada um dos partidos políticos que nos apoiaram. Temos pela frente grandes desafios — disse Kast, em discurso em seu comando de campanha em Santiago.

Políticos da região felicitam Boric

No primeiro turno, Kast, de 55 anos, ficou em primeiro lugar, com 27,9% dos votos , contra 25,8% de Boric. A participação então foi uma das mais baixas das últimas eleições, ficando em apenas 47%.

— Somos novas gerações que entram na política com as mãos limpas, o coração quente, mas com a cabeça fria — declarou Boric, após votar na região de Punta Arenas, no Sul do Chile.

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Após os resultados, vários políticos da região felicitaram o presidente eleito chileno. O chefe de Estado argentino, Alberto Fernández, de esquerda, prometeu "assumir o compromisso de fortalecer os laços de irmandade que unem os países" e "trabalhar unidos para pôr fim à desigualdade na América Latina".

Da Bolívia, Luis Arce saudou o "triunfo eleitoral de Boric". "A democracia latino-americana se fortalece com base na unidade, no respeito e sobretudo na vontade de nossos povos".

Guillermo Lasso, presidente equatoriano, de direita, desejou "sucessos na gestão de Boric para o bem-estar de seu povo". O discurso do presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, também de direita, foi parecido: "Desejo sucesso para o bem do povo chileno".  O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, ainda não se pronunciou.

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Nicolás Maduro, da Venezuela, por sua vez, expressou sua satisfação retuitando mensagens de euforia pelo resultado da eleição chilena.

O resultado também foi celebrado por políticos da esquerda na região. No Twitter, o ex-presidente brasileiro Lula "parabenizou o companheiro Gabriel Boric por sua eleição". "Fico feliz por mais uma vitória de um candidato democrata e progressista na nossa América Latina, para a construção de um futuro melhor para todos".

A ex-presidente brasileira Dilma Rousseff, por sua vez, disse que a "vitória consagradora de Boric reescreve a história do Chile e é um alento aos povos da América Latina que lutam contra o autoritarismo".

Da Bolívia, o ex-presidente Evo Morales, "saudou a vocação democrática do povo irmão chileno" e felicitou Boric pela vitória.