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Boric inicia transição com Piñera e diz que seu governo enfrentará 'desafios enormes'

Presidente eleito ainda afirma que irá revisar acusações baseadas na Lei de Segurança do Estado, utilizadas durante protestos maciços em 2019
O atual presidente do Chile, Sebástian Piñera, e o eleito, Gabriel Boric, durante encontro no Palácio La Moneda Foto: Marcelo Segura / AFP
O atual presidente do Chile, Sebástian Piñera, e o eleito, Gabriel Boric, durante encontro no Palácio La Moneda Foto: Marcelo Segura / AFP

SANTIAGO — Em uma reunião de quase duas horas no Palácio de La Moneda nesta segunda-feira, o presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, e o atual mandatário, Sebastián Piñera, deram o primeiro passo da sucessão, um dia após a vitória do político de esquerda nas eleições. No encontro, Boric disse que pretende nomear seu Gabinete até 22 de janeiro e que está consciente dos "desafios enormes" que seu governo enfrentará, afirmando que fará reformas "passo a passo" para proteger a economia.

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Boric chegou à reunião acompanhado por sua futura chefe de Gabinete, Izkia Siches,  e o deputado Giorgio Jackson, seu parceiro de militância política desde o movimento estudantil. Ambos são cotados para  ocuparem pastas no novo governo, que toma posse em 11 de março.

— Hoje estamos mais conscientes dos enormes desafios que teremos que enfrentar — disse Boric, afirmando que seu futuro governo terá “um compromisso com a convergência fiscal”, num dia em que a Bolsa de Valores de Santiago fechou em queda e o dólar disparou em reação à sua vitória nas urnas. — Isso é algo que discutimos com nossa equipe acadêmica de assessoria econômica, é algo que mantenho, não foi uma estratégia meramente eleitoral, mas, sim, uma convicção. O Chile exige contas claras, uma macroeconomia ordenada.

Boric, da coalizão de esquerda Aprovo Dignidade, venceu com 55,9% dos votos José Antonio Kast , da aliança de extrema direita Frente Social Cristã, no pleito de domingo. Com mais de 4,6 milhões de votos, o político se tornou o presidente mais votado na História do Chile. A participação, de 55%, foi também a mais alta em um segundo turno no país desde que o voto deixou de ser obrigatório, em 2012.

— Falamos sobre diversos temas, assuntos internacionais, onde é importante ter uma política de continuidade nas relações internacionais, assuntos também relacionados com a pandemia, a importância da reativação econômica, questões orçamentárias e a preocupação que temos de que não se instale a impunidade em relação a violações dos direitos humanos — disse Boric após o encontro com Piñera.

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O presidente eleito ainda prometeu revisar as acusações com base na Lei de Segurança do Estado, que foi utilizada contra dezenas de pessoas detidas em protestos desde 2019. Os atos, iniciados contra o aumento de tarifas do transporte público, ganharam força, levando milhões de pessoas às ruas e culminando, em 2021, na eleição de uma Constituinte para redigir uma nova Constituição, enterrando o documento herdado da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).

Na época das manifestações, o governo do presidente Piñera chegou a decretar estado de emergência e a enviar o Exército às ruas, decretando também toque de recolher.

A Lei de Segurança do Estado foi utilizada diversas vezes durante a ditadura de Pinochet, visando ampliar as punições e aumentar as penas, especialmente em casos de crimes contra a ordem pública.

— Discuti isso com as famílias. Uma das prioridades do nosso governo é que haja verdade, justiça e reparação,  e não repetição — afirmou Boric. —  Vamos revisar caso a caso.

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Durante a manhã, entretanto, o deputado Jackson havia garantido que "as denúncias da Lei de Segurança do Estado certamente serão retiradas no minuto em que Gabriel Boric assumir a Presidência", segundo o jornal chileno La Tercera.

Boric também falou sobre a pandemia da Covid, destacando que conversou com Piñera sobre o "bom estado do processo de vacinação e que uma eventual aplicação da quarta dose já está em andamento". O presidente eleito também pontuou que "se não houver uma colaboração global,  estaremos sofrendo permanentemente os estragos".

O político de esquerda ainda indicou uma reforma das pensões no país, afirmando que "vamos trabalhar para que os trabalhadores nunca mais tenham que recorrer às suas poupanças numa crise tão profunda como a da pandemia".