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Câmara chilena muda de posição e aprova cotas para mulheres e índios na Convenção Constituinte

Mobilização de deputadas de várias posições políticas reverte derrota e estabelece cotas, uma das principais demandas das ruas
Deputadas de partidos de direita e de esquerda tiram selfie após aprovarem paridade de gênero e cotas para índios Foto: Reprodução
Deputadas de partidos de direita e de esquerda tiram selfie após aprovarem paridade de gênero e cotas para índios Foto: Reprodução

SANTIAGO - Após serem reprovados na Câmara dos Deputados e no Senado do Chile, os projetos de reforma constitucional que estabelecem paridade de gênero, cotas para povos indígenas e que facilitam a participação de candidatos independentes no processo de formulação de uma nova Constituição foram aprovados em nova votação na Câmara na noite desta quinta-feira, no rastro de uma acalorada sessão de mais de quatro horas.

Uma das principais reivindicações das ruas, as leis tinham sido rejeitadas pela Câmara na quarta-feira, após não alcançarem o alto quórum de três quintos necessário. Nesta quinta-feira, foi a vez da rejeição do Senado.

Uma alta mobilização de deputadas de diversas siglas reverteu o resultado na Câmara Baixa e aprovou, por mecanismo de reforma constitucional, as três demandas, que agora seguem para o Senado. Os votos favoráveis aos mecanismos de deputados de partidos de centro-direita deflagraram uma crise na coalizão do governo, provocada pela linha-dura da direita.

Ampla maioria

A primeira proposta, sobre paridade de gênero e participação de independentes, foi aprovada por 144 votos a favor e só um contra, do deputado Leonidas Romero, da Renovação Nacional, partido do presidente Sebastián Piñera.

Também foi aprovado outro projeto que estabelece que as listas eleitorais devem ser “encabeçadas por uma candidata e serão sucessivamente ordenadas alternadamente com as indicações de homens", além de um mecanismo de correção pós-eleitoral, que fará com que, nos distritos que elegerem um número par de candidatos, o número de homens e mulheres seja idêntico. Onde o número de candidatos for ímpar, a diferença entre os gêneros não poderá ser maior do que um.

A lei foi aprovada por 98 votos a favor, 30 contra e 17 abstenções. A esquerda votou inteiramente a favor, enquanto o RN concedeu 10 votos a favor, 4 contra e 14 abstenções. O partido Evópoli, de centro-direita, também votou a favor, e a herdeira do pinochetismo União Democrática Independente, que faz parte da coalizão do governo, votou inteiramente contra, com exceção de Jaime Bellolio, que se absteve.

A lei que facilita candidaturas independentes foi aprovada por 107 votos a favor, 35 contra e três abstenções. Poderá se candidatar quem conseguir reunir no mínimo 0,4% do número de votos do distrito eleitoral para onde a pessoa concorrer — antes, o percentual era de 0,5%.

Os parlamentares também aprovaram, por 141 votos a favor e um contra — novamente de Romero — cotas para índios. Os artigos que estabeleceriam os números das cotas e seus respectivos mecanismos eleitorais foram rejeitados, e serão regulamentados pelo Senado.

A sessão foi comemorada por uma alegre selfie de deputadas, que incluíram desde membros do Partido Comunista até a bancada da RN, além da Frente Ampla.

Coalizão em crise

Apesar da ampla maioria, a aprovação das leis provocou uma crise na coalizão Chile Vamos. Devido aos votos favoráveis às leis de alguns deputados da RN e do Evópoli, a UDI, que tem sido a principal força de oposição à reforma constitucional, afirmou que sua participação no governo está “congelada”. Segundo a presidente da UDI, Jacqueline van Rysselberghe — que é amiga do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o ciceroneou em visita ao Chile em dezembro de 2018—, o partido “precisa repensar a permanência ou o papel na Chile Vamos”.

— Este é um governo de centro-direita, e hoje somos o único partido de direita. E, quando esse pensamento precisa ser representado, nossos parceiros se sentam com a esquerda — afirmou.

O presidente da RN, Mario Desbordes, classificou a decisão como “um erro” e “um conflito artificial”. Já o presidente do Evópoli,afirmou quea UDI “não pode impor suas posições a toda a coalizão”.

— É preciso respeitar a diversidade da coalizão — disse.

Mais cedo, o Senado confirmou a realização do plebiscito nacional no dia 26 de abril. Espera-se que a Casa vote as leis aprovadas pela Câmara com celeridade.